segunda-feira, 27 de junho de 2011

Um salto para a democracia

Aos 39 anos e vivendo nos arredores de Londres, este aparentemente inofensivo australiano frequenta as mesmas listas que tinham Bin Laden na primeira linha



Agora que Bin Laden parece ter sido riscado da lista, é razoável supor que este aparentemente inofensivo jovem senhor caucasiano, saltitando alegremente sobre a cama elástica e falando ao celular numa casa de campo, tenha escalado o topo do ranking dos homens mais temidos, procurados e vigiados pelos EUA. Estamos falando de Julian Assange, o australiano de pele quase tão transparente quanto o serviço que criou em 2006, o WikiLeaks, organização internacional que cuida de divulgar documentos e informações que, pela vontade de seus autores e protagonistas, deveriam ser mantidos em sigilo eternamente. O slogan do grupo resume: “Nós abrimos governos.” Pelo WikiLeaks, o mundo tomou conhecimento, por exemplo, das “estratégias diplomáticas pouco usuais” adotadas pelo Estado americano para interagir com praticamente todos os governos do mundo. O chamado “cablegate” divulgou mais de 250 documentos que partiram dos EUA, dirigidos a centenas de países e lideranças, incluindo o Brasil. Pela divulgação desses documentos que comprometem gravemente a já frágil credibilidade da política externa americana, Assange foi declarado um dos maiores inimigos dos EUA. Foi chamado, sem pudor, de terrorista por democratas, republicanos, jornalistas e muita gente influente pelo mundo. Mas o que faz dele um “terrorista”, digno de visita dos Navy Seals, se nunca executou nem sugeriu qualquer ato violento? Ao escancarar a incoerência (para dizer o mínimo) de líderes que mantêm sangrentos segredos em nome da democracia, Assange obriga os governos do mundo a se olharem no espelho.

Utilizando a possibilidade digital de distribuir informação sem filtros ou mediadores, joga a verdade no ventilador. Mostrou que, no mundo conectado, nem a tão discutível maior potência do mundo tem condições de mentir para manter o, sempre ilusório, controle. As torres que Assange quer derrubar são as antes intransponíveis barreiras entre o que o poder diz nos gabinetes e na frente das câmeras. Eis seu “terrorismo”.

E cabe outra reflexão: será que em 2011 ainda deveríamos precisar de alguém para nos provar que a noção de controle absoluto é uma ilusão absoluta? Quando se veem alguns dos principais líderes mundiais defendendo a ideia de que o poderio militar e o uso institucionalizado da violência são as melhores garantias de paz, equilíbrio, estabilidade e justiça para o mundo, a palavra sim, desgraçadamente, ainda parece surgir como a resposta da maioria.

Assange está hoje numa situação entre a prisão domiciliar e a liberdade condicional vigiada. Carrega uma tornozeleira eletrônica que monitora seus passos e aguarda o resultado do julgamento do pedido de extradição do governo sueco. Ele é acusado do suposto estupro de duas mulheres. Seu crime teria sido fazer sexo sem preservativos, o que por lá pode ser considerado um tipo de agressão sexual.

Enquanto isso, vive acuado, trabalhando com sua equipe numa velha casa de campo em Diss, cidadezinha a 150 km. de Londres. Foi lá que Julian recebeu de forma bastante hospitaleira, considerando as condições em que se encontra, o jornalista Lino Bocchini e a fotógrafa Eliza Capai, que voltaram não só com imagens inéditas como a que você vê aqui, mas também com a única entrevista que Assange concedeu pessoalmente ao Brasil. A entrevista estará nas bancas na semana que vem, nas páginas da “Trip”, mas você vê antes aqui na IstoÉ, algumas das declarações de um dos homens mais perseguidos do mundo: “Defendemos um conceito simples, mas abstrato: a verdade é o único ingrediente realmente útil na hora de tomar decisões. Então trazer o máximo de informação real à tona é o jeito certo de decidir as coisas.”

“Acho a politização da juventude conectada à internet a coisa mais significativa que aconteceu no mundo desde 1960.”

“O Brasil é um poder alternativo bem interessante na região, a ponto de que, nas Américas, há os Estados Unidos e há o Brasil. Vocês são indiscutivelmente a nação mais independente da região fora os Estados Unidos, e isso traz um equilíbrio de poder vital.”

“Não é verdade que temos tanto poder. O WikiLeaks não é uma organização poderosa. Se nós fôssemos uma organização tão forte assim, eu não estaria em prisão domiciliar.” “Transparência é para os governos, para as grandes organizações. Privacidade é para os indivíduos. Transparência tira o poder das organizações poderosas e o confere a quem não tem.”



Paulo Lima

Porque um grupo de políticos quer mudar o código florestal

Levantamento de ISTOÉ mostra que pelo menos 27 deputados e senadores tinham pressa em aprovar a nova lei para se livrarem de multas milionárias e se beneficiarem de desmatamentos irregulares PARLAMENTARES NA MIRA DO IBAMA

Deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA)
Foi multado por exploração em área de manejo florestal em período de chuvas, vetado por lei

Senador Jayme Campos (DEM-MT)
Recebeu multa de R$ 5 milhões, por desmatar em Área de Proteção Permanente (APP)
Deputado Reinaldo Azambuja (PSDB-MS)
Autuado por alterar curso de rio para captação de água e por contaminar recursos hídricos
Deputado Paulo César Quartiero (DEM-RR)
Recebeu multa de R$ 56 milhões por destruir a vegetação nativa em área de 6,2 mil hectares
Senador Ivo Cassol (PP-RO)
Acusado de desmatar reserva legal sem autorização e de destruir vegetação nativa em Rondônia
Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
Relator do projeto que agrada aos ruralistas por abrir brecha para desmatamento

Apesar do amplo apoio que o governo Dilma Rousseff tem no Congresso, um grupo de parlamentares tentou aprovar a toque de caixa, na semana passada, o projeto do novo Código Florestal brasileiro. Não conseguiu. Na quarta-feira 4, a bancada governista fez prevalecer sua força e a discussão foi adiada para a próxima semana. Por trás da pressa de alguns parlamentares, porém, não existia propriamente o interesse por um Brasil mais verde e sustentável. Reportagem de ISTOÉ apurou que pelo menos 27 deputados e senadores defendiam seu próprio bolso e estavam legislando em causa própria (abaixo, cinco casos exemplares). Todos eles já foram punidos pelo Ibama por agressão ao meio ambiente e o novo código que queriam aprovar a toque de caixa prevê anistia para multas impostas a desmatadores. O benefício se estenderia também a empresas e empresários do agronegócio que, nas eleições do ano passado, fizeram pesadas doações a esse bloco parlamentar ligado à produção rural.

“O adiamento é inevitável. É muito difícil analisar uma coisa que não tem rosto, cara. Essa, na verdade, é uma disputa entre Aldo e o PT ”, comentou o deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) no início da noite da quarta-feira. Ele se referia ao relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que começava a ser criticado por ministros de Dilma. O grupo que exigia a imediata aprovação sabia muito bem o que tinha a ganhar ou perder, ao contrário de boa parte do plenário. O deputado Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR) é um exemplo típico. Campeão de infrações, ele foi multado em R$ 56 milhões por eliminar 2,7 mil hectares de vegetação sem autorização em Pacaraima (RR), destruir outros 323 hectares de vegetação nativa e impedir a regeneração em mais 3,5 mil hectares. Foram duas infrações em 2005 e mais duas em 2009. Uma de suas fazendas, de cinco mil hectares, chegou a ser proibida de produzir. Quartiero afirma que sofreu perseguição política porque foi um dos líderes dos arrozeiros na região da reserva indígena Raposa Serra do Sol: “O governo fez acusações para provocar a nossa saída da área”, reclama. Ele vendeu o que restou das suas terras e benfeitorias e comprou 11 mil hectares na Ilha de Marajó (PA) para criar gado e plantar arroz.

A alegação de retaliações partidárias é corriqueira entre os infratores. O senador Ivo Cassol (PP-RO) também sofreu multas pesadas entre 2007 e 2009, período em que era governador de Rondônia. Foi acusado de desmatar 160 hectares em reserva legal sem autorização, destruir 352 hectares de floresta nativa e ainda efetuar “corte raso” em 2,5 hectares em Área de Proteção Permanente (APP). Mas fala em caça às bruxas: “Isso foi perseguição do pessoal do PT, pois minhas fazendas têm 50% de preservação. O setor produtivo não pode ser tratado como bandido.” Cassol nega que esteja procurando o amparo da anistia, ao apoiar o texto de Rebelo. “Não quero isenção de multa. Vou ganhar na Justiça.”O senador e fazendeiro Jayme Campos (DEM-MT) é outro que se inclui na turma dos acossados. Foi multado em R$ 5 milhões por quatro infrações impostas em 2004 e 2005, todas já arquivadas. É acusado também de promover desmatamento em APPs às margens de córregos de uma fazenda, a Santa Amália. “Quando cheguei lá tudo já estava assim, tinha sido desmatado em 84, 85 e 86”, diz ele. Campos alega que as multas foram anunciadas depois de declarações que ele fez contra “a truculência” de fiscais.

O Ibama também pegou o deputado Irajá Abreu (DEM-TO), filho da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e uma das principais lideranças dos ruralistas no Congresso. Multado no ano passado por promover desmatamento em uma propriedade que recebeu de herança em Tocantins, ele afirma que a fazenda “já tinha sido aberta” em 1978, enquanto a legislação sobre o tema só foi aprovada em 1989: “Era um ato jurídico perfeito, que se aplicava na época. Por isso, eu agora defendo a consolidação das áreas.” Ele se refere a um dos pontos mais polêmicos do novo Código Florestal: o fim da exigência de recuperação de florestas em áreas já utilizadas para plantio. O relator Aldo Rebelo prevê a manutenção da área como estava em julho de 2008, quando o projeto foi apresentado.

As multas do Ibama não dizem respeito apenas a infrações cometidas no campo. O deputado Ângelo Agnolin (PDT-TO), por exemplo, construiu um quiosque numa área de APP, às margens do lago que banha a capital Palmas. A multa de R$ 5 mil acabou sendo anistiada num termo de acordo, mas ele não escapou do prejuízo com a demolição do bar de 190 metros quadrados. Casado com a vice-prefeita de Palmas, Edna Agnolin, ele afirma que “tudo é uma questão de interpretação”, pois “o lago é artificial”. Já o deputado Marcos Medrado (PDT-BA) foi multado em 2009 por construir um viveiro de peixes de espécies nativas. Medrado explica que comprou no Pará 50 alevinos de pirarucu registrados, mas não conseguiu apresentar a documentação a tempo. Foi multado em R$ 100 mil.

Fora as pendengas pessoais, o bloco ruralista tende a defender seus financiadores de campanha. Empresas ligadas ao agronegócio doaram pelo menos R$ 45,5 milhões para deputados e senadores nas eleições do ano passado. O levantamento foi feito a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mais de 300 parlamentares receberam doações do setor, mas um grupo de 176 foi privilegiado com doações acima de R$ 100 mil. Sete grandes empresas que doaram um total de R$ 25 milhões têm infrações e multas impostas pelo Ibama. O estoque de autuações nesta área parece interminável. Na prestação de contas do governo federal feita no ano passado, consta a aplicação de ­R$ 14,6 bilhões em multas entre 2005 e 2009. A maior parte é resultante de desmatamento na Amazônia. No entanto, muito pouco desse montante retornou aos cofres públicos. Nos últimos dez anos, foram arrecadados apenas R$ 278 milhões, segundo dados do Siafi apurados pela ONG Contas Abertas. Caso aprovada, a anistia de Rebelo beneficiará infrações cometidas até julho de 2008.

Embora conheça o poder de fogo dos ruralistas, o governo demorou a reagir ao relatório de Aldo Rebelo. Quando percebeu que havia muito contrabando embutido no texto, a presidente Dilma Rousseff pediu aos ministros do Meio Ambiente, Isabela Teixeira, e da Agricultura, Wagner Rossi, que fossem ao Congresso para tentar um acordo. E fez uma recomendação especial: os dois ministros, apesar de suas diferenças, deveriam expressar uma posição única, que representasse o governo. Assim foi feito. Mas, naquela noite, o governo perceberia outra verdade: as bancadas ruralista e governista estavam misturadas. O PT votaria com o governo, mas as dissidências no PMDB seriam consideráveis.

Na manhã da quarta-feira 4, o presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, Moreira Mendes (PPS-RO), acompanhou a bancada estadual de Rondônia até o gabinete de Rebelo, para entregar-lhe uma comenda da Assembleia Legislativa. À vontade entre os ruralistas, Rebelo puxou uma enorme faca de cozinha, com cabo de madeira, e começou a picar o seu fumo em rama. Em seguida, entre baforadas, mostrou que era um aliado. “Acontece um tsunami no Japão e querem culpar o agricultor que planta café, cacau, e cria gado em Rondônia.” Ele vê uma conspiração mundial contra o País: “Querem bloquear as possibilidades de uso do nosso solo, subsolo, recursos hídricos, em benefício do nosso desenvolvimento. Como diz certo autor, ‘não existe lugar para os pobres no banquete da natureza’”, filosofou o comunista Aldo Rebelo.

*Tucuruí: ''Mesmo depois de 30 anos continuamos sem receber indenização''*

Câncer, depressão, prostituição, extinção de peixes, desmatamento e
destruição de toda uma vida foram alguns dos custos que pagam há 30 anos
mulheres e suas famílias após a vinda da usina hidrelétrica de Tucuruí
(PA). Muitas ainda não receberam nenhum tipo de compensação pelos impactos
recebidos.

A reportagem é de *Thais Iervolino* e publicada por *Amazonia.org.br*,
29-04-2011.

Uma vida construída às margens do rio Tocantins. Lá a família plantava e
pescava o que comia e o que vendia para sobreviver. Toda uma história de
luta para construir uma vida melhor. Até que, de repente, sua família
viu-se obrigada a ter de sair do local, com uma 'mão atrás da outra', 'sem
eira nem beira'. O motivo? A construção da maior hidrelétrica nacional,
Tucuruí, que a partir da década de 1970 desalojou, além da família de *Dilma
Ferreira Silva*, também outras centenas de pessoas com o discurso da vinda
de mais desenvolvimento à população.

"Minha cidade ficou alagada. A usina, quando abriu as comportas, levou
tudo. Assim foi, assim será com outras [usinas hidrelétricas]", diz *Dilma*.
Atualmente, existem 573 hidrelétricas e *Pequenas Centras Hidrelétricas
(PCHs*) no país, 62 sendo construídas e 167 em planejamento, segundo os
dados da *Agência Nacional de Energia Elétrica*.

Apesar de ter o mesmo nome da presidenta do Brasil, *Dilma* pouco foi
reconhecida pelo governo: mesmo após 30 anos da vinda da obra, sua família
não recebeu nenhuma compensação por tudo o que teve que deixar no local.

"Minha cidade ficou alagada. A usina, quando abriu as comportas, levou
tudo. Assim foi, assim será com outras [usinas hidrelétricas]"

Ela, que atualmente coordena a regional de Tucuruí do *Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB*), conta que na época em que se iniciaram as
obras, não havia um estudo apropriado para a indenização das pessoas
atingidas. "Naquele tempo, não tínhamos orientação, era a empresa que
oferecia o que ela queria a quem ela escolhia indenizar. Outras famílias
foram indenizadas, mas nós não recebemos nada. Mesmo depois de 30 anos
continuamos sem receber".

Obrigada a sair do local sem quaisquer recompensas por tudo o que tinham
deixado, a família de Dilma teve que iniciar uma nova vida. "Depois da
chegada da usina, todos fomos para a cidade. Meu pai não se acostumou a
morar na cidade e teve que recomeçar sua vida no Maranhão. Ele passou toda
uma vida dando estrutura para nós [família] e, quando ele conseguiu, tivemos
que sair: perdemos tudo de uma hora para outra", diz *Dilma*.

Com o intuito de gerar mais energia e tornar navegável um trecho do rio,
iniciou-se, em 1975, a construção da . Com ela, são gerados 8.370 MW de
energia, sendo que a maior parte, cerca de 70%, é destinada às siderúrgicas
para a produção de alumínio para exportação.

No entanto, a energia produzida tem um custo, com um valor muito mais caro a
ser pago pelas mulheres. De acordo com o estudo "*O Impacto das Barragens
na vida das mulheres: relatório sobre a violação dos direitos humanos das
mulheres atingidas*", elaborado pelo MAB e que ainda não foi lançado,
"ademais dos impactos ambientais e sociais, a perda do rio e da casa, as
mulheres sofrem profundas perdas que vão para além do material, sofrendo
graves problemas de depressão e desilusão associados à desestruturação de
suas vidas e ao afastamento do convívio de parentes e amigos".

*"Para matar a floresta, eles [responsáveis pela obra] usaram o veneno
de efeito laranja e, com isso, as famílias da jusante tiveram doenças,
principalmente as mulheres, que tiveram câncer de pele"*

O caso da família de *Dilma* não foi diferente. "Minha mãe, quando soube
que tinha que deixar sua casa, entrou em depressão. Ela chorava, não queria
construir nada porque se o construísse, a usina iria levar embora. Ela
ficava deitada", conta *Dilma*, que também sentiu o impacto que a usina iria
trazer à sua vida. "Eu me senti muito estranha, a barragem mudou toda a
minha estrutura. Tive que deixar o meu local, a minha história, tudo o que
vivi e tentar me estruturar na cidade".

Segundo o estudo, a comissão especial do *Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (CDDPH*) reconheceu que as mulheres são atingidas "de forma
particularmente grave e encontram maiores obstáculos para a recomposição de
seus meios e modos de vida; [...] não têm, via de regra, sido considerados
em suas especificidades e dificuldades particulares", e por isso "têm sido
vitimas preferenciais dos processos de empobrecimento e marginalização
decorrentes do planejamento, implementação e operação de barragens".

Um dos efeitos desses processos é a exploração sexual vivida por mulheres.
De acordo com o estudo, durante as obras para construção de barragens, a
prostituição nas cidades que recepcionam os grandes projetos de barragens
vem crescendo. Em *Tucuruí*, não foi diferente. "Muitas mulheres que não
tinham de onde tirar o seu sustento, foram para a prostituição", diz Dilma.

As mulheres também sofreram com as doenças trazidas pela obra. "Tanto na
montante, como na jusante do rio, há impactos. Para matar a floresta, eles
[responsáveis pela obra] usaram o veneno de efeito laranja e, com isso, as
famílias da jusante tiveram doenças, principalmente as mulheres, que tiveram
câncer de pele", diz *Dilma*.

*Outros impactos*

Com a vinda do empreendimento, outras mudanças foram sentidas, a começar
pelo meio ambiente: com a construção, mais de 37 espécies de peixes sumiram.

Acompanhados à destruição ambiental, chegaram os problemas sociais. Antes
de a hidrelétrica chegar, Tucuruí possuía 9 mil habitantes. Atualmente, ela
abriga 90 mil. Essa população sofre até hoje com a falta de planejamento na
infraestrutura para atender a população migrante. A superlotação da cidade
trouxe alguns "presentes" aos seus habitantes. "Com essa obra, veio o
roubo, o vandalismo, a exploração sexual. A violação dos direitos humanos
foi muito grande", explica Dilma.

* "Com essa obra, veio o roubo, o vandalismo, a exploração sexual.
As mulheres que não tinham de onde tirar o seu sustento, tinham que ir para
a prostituição"*

A coordenadora do MAB mostra que até hoje o desenvolvimento prometido pelo
consórcio administrador da usina não tem se mostrado. "Hoje não há
tratamento de água, na seca do rio, a água é grossa, o banheiro não tem
fossa e o esgoto mistura-se com a água do rio. Não mudou nada", diz.

"*Tucuruí* é pior do que um monstro. Porque um monstro a gente vê e mata,
esse bicho [usina], não. É preciso muito trabalho, muita articulação para
amenizar a vida da população atingida. Vivemos num país democrático, mas as
coisas continuam iguais com as reclusas de Tucuruí", desabafa *Dilma*, que
logo faz um convite: "Gostaria que todos que tivessem dúvidas sobre o que
criticamos viessem ver a realidade daqueles que são afetados pelas
barragens. O melhor conhecimento é a experiência, por isso convido a todos
que nos visitem, que visitem outras hidrelétricas para ver a realidade".

*Luta organizada*

A luta social em busca de seus direitos traz uma importância fundamental às
mulheres, dentro de seu processo de empoderamento. Apesar de sofrer mais
impactos que homens, as mulheres que estão organizadas não deixam de ter a
luta desde a perspectiva de comunidade.

"O que nos dá força é o movimento [MAB], é a luta para não deixar o que
aconteça com os outros", explica *Dilma*, ao ser questionada sobre o motivo
que a fez entrar no Movimento dos Atingidos por Barragens.

Foi no MAB que *Dilma* encontrou um caminho para lutar por seus direitos. A
partir do início de sua participação, ela mudou sua perspectiva de mundo.

"Antes vivia com um companheiro e pensava que era natural a mulher não
participar de movimentos e tomadas de decisões. Comecei a ir aos encontros
do MAB porque eles entregavam cestas básicas, mas logo vi a que era
necessário lutar pela comunidade, e nunca mais deixei o MAB", diz ela.

*Dilma* hoje vive somente com a filha. "Meu esposo disse que era para eu
escolher entre a casa e o movimento. Escolhi o movimento porque tenho que
ser respeitada enquanto mulher", conta.

Bolívia cria Lei da Mãe Terra

País dá exemplo ao mundo

A Bolívia está em vias da aprovar a primeira legislação mundial dando à natureza direitos iguais aos dos humanos. A Lei da Mãe Terra, que conta com apoio de políticos e grupos sociais, é uma enorme redefinição de direitos. Ela qualifica os ricos depósitos minerais do país como "bençãos", e se espera que promova uma mudança importante na conservação e em medidas sociais para a redução da poluição e controle da indústria, em um país que tem sido há anos destruído por conta de seus recursos, informa o Celsias.

Na Conferência do Clima de Cancun, a Bolívia destoou da maioria quando declarou que todo o processo era uma farsa, e que países em desenvolvimento não apenas estavam carregando a cruz da mudança do clima como, com novas medidas, teriam de cortar também mais suas emissões.

A Lei da Mãe Terra vai estabelcer 11 direitos para a natureza, incluindo o direito à vida, o direito da continuação de ciclos e processos vitais livres de alteração humana, o direito a água e ar limpos, o direito ao equilíbrio, e o direito de não ter estruturas celulares modificadas ou alteradas geneticamente. Ela também vai assegurar o direito de o país "não ser afetado por megaestruturas e projetos de desenvolvimento que afetem o equilíbrio de ecossistemas e as comunidades locais".

Segundo o vice-presidente Alvaro García Linera. "ela estabelece uma nova relação entre homem e natureza. A harmonia que tem de ser preservada como garantia de sua regeneração. A terra é a mãe de todos". O presidente Evo Morales é o primeiro indígena americano a ocupar tal cargo, e tem sido um crítico veemente de países industrializados que não estão dispostos a manter o aquecimento da temperatura em um grau. É compreensível, já que o grau de aquecimento, que poderia chegar de 3.5 a 4 graus centígrados, dadas tendências atuais, significaria a desertifição de grande parte da Bolívia.

Esta mudança significa a ressurgência da visão de um mundo indígena andino, que coloca a deusa da Terra e do ambiente, Pachamama, no centro de toda a vida. Esta visão considera iguais os direitos humanos e de todas as outras entidades. A Bolivia sofre há tempos sérios problema ambientais com a mineração de alumínio, prata, ouro e outras matérias primas.

O ministro do exterior David Choquehuanca disse que o respeito tradicional dos índios por Pachamama é vital para impedir a mudança do clima. "Nossos antepassados nos ensinaram que pertencemos a uma grande família de plantas e animais. Nós, povos indígenas, podemos com nossos valores contribuir com a solução das crises energética, climática e alimentar". Segundo a filosofia indígena, Pachamama é "sagrada, fértil e a fonte da vida que alimenta e cuida de todos os seres viventes em seu ventre."

Ah, se a elite ouvisse o povo… Bem, às vezes ouve. E ainda pagando…


Poucas coisas são tão terríveis no Brasil quanto o desprezo histórico que a elite econômica brasileira tem pelo seu povo. Duvido que os empresários japoneses falem mal de seu povo, ou que os magnatas dos EUA tenham uma postura de desprezo pelos cidadãos norteamericanos. Bem, aqui, nem é preciso falar, não é? É “povinho”, quando não acompanhado daquele adjetivo que Fernando Henrique usou para falar dos aposentados…

Por isso, é muito interessante ler a bela reportagem de Vanessa Adachi, no Valor Econômico de hoje, descrevendo a palestra de Lula para empresários, num evento promovido pelo Bank of América em São Paulo. Como o acesso é só para assinantes, reproduzo alguns trechos:

“Eu nunca votei no Lula e nunca votarei. Mas vim por causa dele.” Essa era a afirmação mais repetida na noite de quarta-feira em dezenas de rodinhas formadas por empresários, banqueiros, executivos e advogados que lotaram o amplo salão da Casa Fasano, templo de festejos luxuosos da elite paulistana.

Pouco mais de 450 pessoas se espalharam pelo espaço de pé direito altíssimo e paredes de intrigante transparência, que deixam ver os aviões que cruzam o céu. O Bank of America Merrill Lynch, um dos maiores bancos dos Estados Unidos, era o anfitrião da noite e comemorava a autorização do Banco Central do Brasil para que a instituição passe a operar como banco múltiplo, ampliando sua atuação no país.

Alexandre Bettamio, presidente do BofA no Brasil, provavelmente também não votou em Lula em 2002 ou 2006. Mas elegeu o ex-presidente para ancorar o mais importante evento já realizado pela instituição no país apostando que seria um grande chamariz. A escolha foi certeira.

Lula tem cobrado cachê de “palestrante global”. No caso, o valor não confirmado pelos assessores do presidente ou pelo banco, de quase R$ 200 mil, incluía discurso de 45 minutos seguido de mais meia hora de “social” pelo salão. O contrato foi cumprido à risca e, talvez sensível à praxe do setor financeiro, o ex-presidente concedeu um bônus aos banqueiros e falou por 1 hora e dois minutos. Parte da plateia nunca havia tido a oportunidade de estar tête-à- tête com o ex-presidente. Outros queriam vê-lo falar de novo e esperavam “se divertir” com o discurso bem humorado. Pouco depois das 20 horas o salão já estava cheio e, por volta das 21h30, quando Lula começou a falar, o público se aglomerou ao seu redor, abrindo um clarão ao fundo. Aguentaram firme, em pé, por mais de uma hora. (…)

Lula fez uma palestra sob medida para o público presente. Temas como a explosão do crédito consignado e o desenvolvimento do mercado de capitais foram cuidadosamente escolhidos para rechear a fala. Munido de um discurso oficial de cinco páginas, Lula fez a alegria dos presentes ao abusar de seus famosos improvisos. “He speaks very well”, dizia um executivo brasileiro a outro, estrangeiro, no meio do salão.

Arrancou gargalhadas sinceras e mesmo aplausos, em diversos momentos, ao debochar do que seria o estereótipo da forma de pensar da elite brasileira. “Tem gente que fala: esse Lula colocou os pobres no lugar que só nós viajávamos”, afirmou, por exemplo, ao referir-se ao fato de “os pobres” estarem viajando de avião. Mais tarde, disse que muita gente começa a falar inglês antes mesmo de sair do aeroporto, só para mostrar que sabe.

Apelou para a emoção e deixou a plateia silenciosa ao falar do Programa Luz para Todos e descrever que “quando chega a luz elétrica na casa de uma pessoa é como se você, num passe de mágica, pegasse uma pessoa do século 18 e trouxesse para o século 21. É como se fosse a máquina do tempo.”

Lula queria provar, caso alguém ali ainda tivesse dúvida, que a política de seu governo fez bem ao empresariado. Já perto das 22h30 e do fim de sua palestra, quando a audiência se mostrava um pouco cansada com a longa fala do ex-presidente, ele arrematou: “Eu sei que tem gente que tem preconceito contra mim. Mas eu desafiaria qualquer um de vocês: eu duvido que algum empresário já ganhou mais dinheiro nesse país do que no meu mandato. Duvido que os bancos já tiveram mais lucro nesse país do que no meu mandato.”(…)

“Ele é muito bom”, “ele é muito inteligente”, “agora dá para entender [a sua popularidade]“, saíram falando aqueles que nunca votariam nele.

Das poucas pessoas dentro da Casa Fasano que haviam votado em Lula, duas copeiras não escondiam a excitação com a presença de seu ex-presidente. Difícil foi encarar a frustração de não poder vê-lo: muito profissionais, não abandonaram o posto e ficaram confinadas no banheiro feminino durante quase toda a noite, prestando assistência às convidadas.

Pois é. As copeiras (brasileiras) “muito profissionais, não abandonaram o posto”. Quando os nossos figurões aprenderem que elas também podem dar um pulo no salão, realizarem seu desejo – nem que seja o de ver Lula de perto, apenas – e entenderem que aquele que admiram e pagam caro para ouvir pôde chegar ali e fazer o que fez com o voto delas, não com o deles.

Porcentual de pobres cai mais de 50% no governo Lula

A pobreza no Brasil caiu 50,64% entre dezembro de 2002 e dezembro de 2010, período em que Luiz Inácio Lula da Silva esteve à frente da presidência da República. O dado consta da pesquisa divulgada nesta terça-feira, 3, pelo professor do Centro de Politica Social da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Marcelo Neri. O critério da FGV para definir pobreza é uma renda per capita abaixo de R$ 151. A desigualdade dos brasileiros, segundo ele, atingiu o "piso histórico" desde que começou a ser calculada na década de 60.


Segundo o estudo, a queda da pobreza nos mandatos de Lula superou a registrada durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, incluindo o período de implementação do Plano Real. Nesse período, a pobreza caiu 31,9%. "Acho que essa década (anos 2000) pode ser chamada de década da redução da desigualdade; assim como os anos 90 foram chamados de década da estabilização", afirmou Neri.


O estudo toma como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (Pnad) e Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Pela pesquisa, a renda dos 50% mais pobres cresceu 67,93% entre dezembro de 2000 e dezembro de 2010. No mesmo período, a renda dos 10% mais ricos cresceu 10%.


Desigualdade. A desigualdade de renda dos brasileiros caiu nos anos 2000 para o menor patamar desde que começou a ser calculada, mas ainda está abaixo do padrão dos países desenvolvidos, segundo Neri. Ele tomou como base para o estudo o índice de Gini, que começou a ser calculado nos anos 60. Com esse resultado, o País recuperou todo o crescimento da desigualdade registrado nas décadas de 60 a 80.
O índice Gini brasileiro está em 0,5304, acima do taxa de 0,42 dos Estados Unidos. Quanto mais próximo do número 1, maior a desigualdade. "Acredito que ainda vai demorar mais uns 30 anos para que possamos chegar aos níveis dos EUA", estimou Neri.


Para o professor da FGV, o aumento da escolaridade e o crescimento dos programas sociais do governo foram os principais responsáveis pela queda da diferença de renda dos brasileiros mais ricos e mais pobres entre 2001 e 2009. "Isso mostra que a China não é aqui", afirmou. E completou: "O grande personagem dessa revolução é o aumento da escolaridade. Mas, ainda temos a mesma escolaridade do Zimbábue", mostrando que há um longo caminho a ser percorrido.


Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica ainda que em 2010 o País atingiu menor nível de desigualdade de renda desde 1960.Agência Estado

Soberania relativa. Você ainda vai ter uma

O mundo em que vivemos, de crescente interconexão econômica entre estados soberanos, pede um número cada vez maior de organismos multilaterais para promover a resolução de conflitos e garantir que isso se dê com equilíbrio diante de interesses divergentes.
O acesso de um número cada vez maior de países às novas tecnologias, de impacto regional ou global, requer isso. Antes a necessidade de respeito à soberania alheia estava ligada, em grande medida, à exploração de recursos naturais comuns. Um rio, por exemplo. É óbvio que o Brasil deve satisfações à Argentina quando falamos da bacia do Prata. O mesmo vale para o Peru em relação ao Brasil, quando tratamos da bacia Amazônica.
A exploração da energia nuclear, para dar um exemplo atual, abriu um novo campo de debate sobre o conceito de soberania relativa. O Japão deve satisfação aos vizinhos sob risco de contaminação por conta dos vazamentos em Fukushima.
Tudo isso — e mais a decadência econômica relativa — põe em risco o poder dos que antes eram todo-poderosos. Exemplo: os cincos países com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
As crescentes amarras do multilateralismo colocam em xeque o poder de quem sempre mandou.
Qual é a resposta dos que se acreditam diminuídos pela ameaça ao status quo? É a imposição de novos conceitos de soberania relativa, distorcidos de tal forma que na verdade servem como instrumentos de preservação de poder.
No campo diplomático, com uma boa dose de hipocrisia, é a defesa de “certos” Direitos Humanos. Sim, eu sei, todos nós devemos defender os Direitos Humanos. Dos cubanos, mas também dos sauditas. Dos líbios, mas também dos iemenitas. Dos prisioneiros de Guantanamo, mas também das minorias étnicas da China. No campo do palavreado, é tudo muito bonito. Mas, no campo...

Luiz Carlos Azenha

De novo?

Já se passaram dois anos quando o Diretório Nacional do PT decidiu não debater a proposta de nova filiação do ex-tesoureiro Delúbio Soares. Aproxima-se uma nova reunião do Diretório Nacional, dias 29 e 30 de abril, e a imprensa noticia que será colocada em pauta a refiliação de Delúbio.

No dia 25 de outubro de 2005, o Diretório Nacional do PT analisou relatório da Comissão de Ética e expulsou Delúbio Soares, cancelando a sua filiação partidária. Foram 2/3 dos votantes a favor desta proposta e 1/3 a favor da suspensão temporária.

Recolocar o tema para a mesma instância é solicitar ao Diretório Nacional uma auto-crítica e uma condenação da decisão tomada anteriormente. Mais do que isso, é reabrir uma questão que, a seu tempo, teve a solução que mais nos unificou. Reabrir é mudar o curso do PT desde aquele momento: no 13º Encontro e no 3º Congresso o partido voltou a encontrar um caminho de unidade com posições críticas aos acontecimentos de 2005 e com posições de superação daqueles equívocos. Reabrir essa questão é interromper o caminho de unidade que viemos construindo desde então.

É compreensível que vários dirigentes do PT queiram Delúbio Soares novamente entre os quadros partidários, movidos por laços de solidariedade e pelo reconhecimento de sua militância no movimento sindical e no PT.

É necessário lembrar que, à época, a maioria dos membros da Executiva Nacional e do Diretório Nacional se recusou a aprovar um processo interno para se constituir um juízo comum sobre o que foram os acontecimentos que produziram a crise de 2005.

Este foi um erro que cobra seus efeitos até hoje. A direção do PT não tem uma opinião comum sobre a crise. Existem várias versões, um largo espectro de opiniões, mas não uma compreensão comum. Este fato enfraquece a defesa do partido como projeto coletivo.

No entanto sobre a atuação de Delúbio Soares como Secretário Nacional de Finanças existiu uma posição e está documentada no processo interno. Os termos ali utilizados são duros. Invalidar a decisão anterior do Diretório Nacional é, necessariamente, recolocar todo o debate de volta.

Outro aspecto de muita importância é que existem muitos processos constituídos por diferentes poderes públicos sobre os dramáticos acontecimentos da crise de 2005 e os seus atores. Muitos aguardam julgamento do Supremo Tribunal Federal. Frente a eles o PT deve ter uma posição de defesa partidária. E aí vai contar a capacidade de unir o partido. A proposta de refiliar Delúbio em nada contribui para isso.

Os dirigentes do PT que querem o retorno do Delúbio precisam analisar esta proposta sob a ótica da razão. Os legítimos ingredientes emotivos, dos laços de amizade e companheirismo, devem mais uma vez, submeter-se à lógica da construção do partido e da sua relação com suas bases e com a sociedade. A questão não é pessoal. A questão é a unidade do partido.

A pauta do DN deve ser a pauta do partido que tem um papel dirigente na transformação do Brasil. As tarefas decorrentes da conquista do nossa terceira Presidência da República e dos nossos compromissos com o povo brasileiro devem ser os guias da nossa prática.

Carlos Henrique Árabe

Cientistas recomendam mais dois anos de discussão sobre novo Código Florestal

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) querem que o Congresso Nacional adie por dois anos a votação do novo Código Florestal e tome a decisão sobre a nova lei com base em estudos científicos. A recomendação das duas entidades é baseada em estudo feito por um grupo de trabalho formado por 12 especialistas e publicado hoje (25).

Como a votação do Projeto de Lei nº 1876/99 divide ambientalistas e ruralistas, as duas entidades científicas se oferecem para mediar o "diálogo", termo escolhido no lugar de "debate". "A ciência brasileira não pode ficar fora do diálogo sobre o novo Código Florestal", afirmou a presidenta da SBPC, Helena Nader.

Segundo ela, nenhum cientista ou pesquisador foi consultado para "aquela proposta" do deputado Aldo Rebelo (PCdo B-SP). Rebelo é o autor do relatório aprovado em julho do ano passado em comissão especial na Câmara dos Deputados. De acordo com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), a proposta deve ser votada na próxima semana, no dia 3 ou 4 de maio.

Integrantes do grupo de trabalho da ABC e da SBPC explicam que o prazo de dois anos é necessário para que se avaliem os possíveis efeitos que as mudanças na legislação terão no meio ambiente. Para o grupo, é preciso prazo também para o desenvolvimento de tecnologia que permita analisar, por exemplo, por meio de maquetes digitais (com topografia feita com base em imagens de satélite), as condições do solo e medir o tamanho das áreas que devem permanecer protegidas.

"O que está sendo proposto [no relatório de Aldo Rebelo] não tem embasamento científico", diz o engenheiro Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nobre não criticou diretamente os ruralistas e disse à Agência Brasil que "tem fundamento" a reclamação dos produtores rurais em relação às exigências do atual Código Florestal, que é de 1965. "Existe uma série de tópicos que carecem de melhor definição", diz o cientista, ressaltando, porém, não acreditar que as exigências do atual código inviabilizem a atividade rural.

Para o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Telles do Valle, o Congresso Nacional deveria acatar o pedido da SBPC e da ABC. "Não é razoável fazer uma votação e jogar isso aí [o estudo] no lixo. A ciência é parte", reconheceu.

Os cientistas programaram entregar nesta tarde o estudo ao presidente da Câmara dos Deputados e ao próprio deputado Aldo Rebelo. Além desses, irão receber o texto, ao longo da semana, os ministros do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, da Educação, Fernando Haddad; e da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho.