segunda-feira, 27 de junho de 2011

*Tucuruí: ''Mesmo depois de 30 anos continuamos sem receber indenização''*

Câncer, depressão, prostituição, extinção de peixes, desmatamento e
destruição de toda uma vida foram alguns dos custos que pagam há 30 anos
mulheres e suas famílias após a vinda da usina hidrelétrica de Tucuruí
(PA). Muitas ainda não receberam nenhum tipo de compensação pelos impactos
recebidos.

A reportagem é de *Thais Iervolino* e publicada por *Amazonia.org.br*,
29-04-2011.

Uma vida construída às margens do rio Tocantins. Lá a família plantava e
pescava o que comia e o que vendia para sobreviver. Toda uma história de
luta para construir uma vida melhor. Até que, de repente, sua família
viu-se obrigada a ter de sair do local, com uma 'mão atrás da outra', 'sem
eira nem beira'. O motivo? A construção da maior hidrelétrica nacional,
Tucuruí, que a partir da década de 1970 desalojou, além da família de *Dilma
Ferreira Silva*, também outras centenas de pessoas com o discurso da vinda
de mais desenvolvimento à população.

"Minha cidade ficou alagada. A usina, quando abriu as comportas, levou
tudo. Assim foi, assim será com outras [usinas hidrelétricas]", diz *Dilma*.
Atualmente, existem 573 hidrelétricas e *Pequenas Centras Hidrelétricas
(PCHs*) no país, 62 sendo construídas e 167 em planejamento, segundo os
dados da *Agência Nacional de Energia Elétrica*.

Apesar de ter o mesmo nome da presidenta do Brasil, *Dilma* pouco foi
reconhecida pelo governo: mesmo após 30 anos da vinda da obra, sua família
não recebeu nenhuma compensação por tudo o que teve que deixar no local.

"Minha cidade ficou alagada. A usina, quando abriu as comportas, levou
tudo. Assim foi, assim será com outras [usinas hidrelétricas]"

Ela, que atualmente coordena a regional de Tucuruí do *Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB*), conta que na época em que se iniciaram as
obras, não havia um estudo apropriado para a indenização das pessoas
atingidas. "Naquele tempo, não tínhamos orientação, era a empresa que
oferecia o que ela queria a quem ela escolhia indenizar. Outras famílias
foram indenizadas, mas nós não recebemos nada. Mesmo depois de 30 anos
continuamos sem receber".

Obrigada a sair do local sem quaisquer recompensas por tudo o que tinham
deixado, a família de Dilma teve que iniciar uma nova vida. "Depois da
chegada da usina, todos fomos para a cidade. Meu pai não se acostumou a
morar na cidade e teve que recomeçar sua vida no Maranhão. Ele passou toda
uma vida dando estrutura para nós [família] e, quando ele conseguiu, tivemos
que sair: perdemos tudo de uma hora para outra", diz *Dilma*.

Com o intuito de gerar mais energia e tornar navegável um trecho do rio,
iniciou-se, em 1975, a construção da . Com ela, são gerados 8.370 MW de
energia, sendo que a maior parte, cerca de 70%, é destinada às siderúrgicas
para a produção de alumínio para exportação.

No entanto, a energia produzida tem um custo, com um valor muito mais caro a
ser pago pelas mulheres. De acordo com o estudo "*O Impacto das Barragens
na vida das mulheres: relatório sobre a violação dos direitos humanos das
mulheres atingidas*", elaborado pelo MAB e que ainda não foi lançado,
"ademais dos impactos ambientais e sociais, a perda do rio e da casa, as
mulheres sofrem profundas perdas que vão para além do material, sofrendo
graves problemas de depressão e desilusão associados à desestruturação de
suas vidas e ao afastamento do convívio de parentes e amigos".

*"Para matar a floresta, eles [responsáveis pela obra] usaram o veneno
de efeito laranja e, com isso, as famílias da jusante tiveram doenças,
principalmente as mulheres, que tiveram câncer de pele"*

O caso da família de *Dilma* não foi diferente. "Minha mãe, quando soube
que tinha que deixar sua casa, entrou em depressão. Ela chorava, não queria
construir nada porque se o construísse, a usina iria levar embora. Ela
ficava deitada", conta *Dilma*, que também sentiu o impacto que a usina iria
trazer à sua vida. "Eu me senti muito estranha, a barragem mudou toda a
minha estrutura. Tive que deixar o meu local, a minha história, tudo o que
vivi e tentar me estruturar na cidade".

Segundo o estudo, a comissão especial do *Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (CDDPH*) reconheceu que as mulheres são atingidas "de forma
particularmente grave e encontram maiores obstáculos para a recomposição de
seus meios e modos de vida; [...] não têm, via de regra, sido considerados
em suas especificidades e dificuldades particulares", e por isso "têm sido
vitimas preferenciais dos processos de empobrecimento e marginalização
decorrentes do planejamento, implementação e operação de barragens".

Um dos efeitos desses processos é a exploração sexual vivida por mulheres.
De acordo com o estudo, durante as obras para construção de barragens, a
prostituição nas cidades que recepcionam os grandes projetos de barragens
vem crescendo. Em *Tucuruí*, não foi diferente. "Muitas mulheres que não
tinham de onde tirar o seu sustento, foram para a prostituição", diz Dilma.

As mulheres também sofreram com as doenças trazidas pela obra. "Tanto na
montante, como na jusante do rio, há impactos. Para matar a floresta, eles
[responsáveis pela obra] usaram o veneno de efeito laranja e, com isso, as
famílias da jusante tiveram doenças, principalmente as mulheres, que tiveram
câncer de pele", diz *Dilma*.

*Outros impactos*

Com a vinda do empreendimento, outras mudanças foram sentidas, a começar
pelo meio ambiente: com a construção, mais de 37 espécies de peixes sumiram.

Acompanhados à destruição ambiental, chegaram os problemas sociais. Antes
de a hidrelétrica chegar, Tucuruí possuía 9 mil habitantes. Atualmente, ela
abriga 90 mil. Essa população sofre até hoje com a falta de planejamento na
infraestrutura para atender a população migrante. A superlotação da cidade
trouxe alguns "presentes" aos seus habitantes. "Com essa obra, veio o
roubo, o vandalismo, a exploração sexual. A violação dos direitos humanos
foi muito grande", explica Dilma.

* "Com essa obra, veio o roubo, o vandalismo, a exploração sexual.
As mulheres que não tinham de onde tirar o seu sustento, tinham que ir para
a prostituição"*

A coordenadora do MAB mostra que até hoje o desenvolvimento prometido pelo
consórcio administrador da usina não tem se mostrado. "Hoje não há
tratamento de água, na seca do rio, a água é grossa, o banheiro não tem
fossa e o esgoto mistura-se com a água do rio. Não mudou nada", diz.

"*Tucuruí* é pior do que um monstro. Porque um monstro a gente vê e mata,
esse bicho [usina], não. É preciso muito trabalho, muita articulação para
amenizar a vida da população atingida. Vivemos num país democrático, mas as
coisas continuam iguais com as reclusas de Tucuruí", desabafa *Dilma*, que
logo faz um convite: "Gostaria que todos que tivessem dúvidas sobre o que
criticamos viessem ver a realidade daqueles que são afetados pelas
barragens. O melhor conhecimento é a experiência, por isso convido a todos
que nos visitem, que visitem outras hidrelétricas para ver a realidade".

*Luta organizada*

A luta social em busca de seus direitos traz uma importância fundamental às
mulheres, dentro de seu processo de empoderamento. Apesar de sofrer mais
impactos que homens, as mulheres que estão organizadas não deixam de ter a
luta desde a perspectiva de comunidade.

"O que nos dá força é o movimento [MAB], é a luta para não deixar o que
aconteça com os outros", explica *Dilma*, ao ser questionada sobre o motivo
que a fez entrar no Movimento dos Atingidos por Barragens.

Foi no MAB que *Dilma* encontrou um caminho para lutar por seus direitos. A
partir do início de sua participação, ela mudou sua perspectiva de mundo.

"Antes vivia com um companheiro e pensava que era natural a mulher não
participar de movimentos e tomadas de decisões. Comecei a ir aos encontros
do MAB porque eles entregavam cestas básicas, mas logo vi a que era
necessário lutar pela comunidade, e nunca mais deixei o MAB", diz ela.

*Dilma* hoje vive somente com a filha. "Meu esposo disse que era para eu
escolher entre a casa e o movimento. Escolhi o movimento porque tenho que
ser respeitada enquanto mulher", conta.

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