segunda-feira, 29 de junho de 2015

Financiamento público: Deputados são office-boys de empresas na hora de apresentar emenda parlamentar

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Procedimento, tido como legítimo e comum no Congresso, tem sido criticado por analistas na atual legislatura, por estar sendo feito sem critérios. E já levou parlamentares a serem chamados de “office-boys”.
Quanto menor é o nível de conhecimento dos parlamentares sobre o processo legislativo e maior a renovação das bancadas, assim como o comprometimento deles com o poder econômico, maiores são as chances de aproveitarem contribuições e subsídios encaminhados por empresas privadas e instituições diversas em seus projetos e emendas. Muitas vezes até, eles aproveitam os próprios textos literais, da forma como lhes são entregues. Esse tipo de procedimento, que tem chamado a atenção da Câmara dos Deputados nos últimos dias, nas votações de maior repercussão, ultrapassa a questão do lobby e passou a levar os autores destas matérias a serem conhecidos como “parlamentares que atuam como laranjas” da iniciativa privada e de entidades de classe.
Mas a prática não é proibida e sempre foi comum nas últimas décadas, no Congresso Nacional. Segundo confirmam parlamentares e assessores da Casa, o envio sistemático de sugestões de emendas e até textos prontos aos gabinetes muitas vezes até ajuda na atuação dos parlamentares. Mas o aumento das sugestões acatadas, por outro lado, na avaliação de analistas legislativos, mostra que as relações entre os representantes do Congresso e estes setores estão cada vez mais intricadas. E que, nos últimos tempos, cada vez menos são feitas alterações ou apreciações por parte do gabinete do parlamentar.
“Não podemos ser ingênuos para criticar por criticar esse tipo de trabalho porque todos os órgãos possuem assessoria parlamentar justamente para atuar junto aos gabinetes da Câmara e do Senado, inclusive sindicatos e entidades de classe. Mas o aumento observado pode ser um reflexo de que alguma coisa não anda bem na atual legislatura”, afirmou o cientista político Alexandre Ramalho, consultor legislativo do Senado e professor da Universidade de Brasília (UnB).
“Office-boys”Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o acompanhamento e trabalho de empresas e entidades junto aos deputados é legítimo. O problema apontado por ele é a forma como estas práticas têm sido observadas. “É preciso certo cuidado, critério para avaliar e participar da discussão sobre estas matérias a serem entregues. Caso contrário, os deputados correm o risco de se transformarem em meros office-boys das empresas”, ressaltou.
Na última noite, durante o início da votação do Projeto de Lei (PL) 863, da desoneração, a divulgação, pelo jornal Folha de S.Paulo, de emendas aprovadas em nome de empresas e associações deram prova disso – o que foi ratificado, posteriormente, pelos deputados que as apresentaram. A protocolização das emendas entregues por empresas e entidades a esses parlamentares apenas registrou uma repetição do que aconteceu durante a apreciação do projeto de lei sobre a terceirização, em abril passado – quando os parlamentares se valeram da mesma prática.
Conforme avaliação primária da mesa diretora da Casa, na época – pelo menos 20 textos que foram formalizados, referentes a emendas ao PL da terceirização continham, ainda, o papel timbrado de instituições diversas.
No caso da votação do PL 863, foram confirmadas três emendas – apresentadas pela empresa Contax, de call center; pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit); e pela Frente da Indústria de Máquinas e Equipamentos, que congrega indústrias do setor. A primeira foi apresentada pelo deputado Tenente Lúcio (PSB/MG). A segunda, por Vanderlei Macris (PSDB/SP). A última, pelo parlamentar Jerônimo Goergen (PP/RS).
Os três confirmaram ter usado os textos, mas argumentaram que discutiram o assunto com estas empresas e entidades e, em alguns casos, o material foi analisado e passou por acréscimos com a participação de assessores de seus gabinetes. “Não vejo problema em representar setores da sociedade”, afirmou à Folha o deputado Jerônimo Goergen (que não foi encontrado pela reportagem da RBA).
Aumento da pressãoA questão que chamou a atenção, no entanto, foi o fato de a maior parte dos deputados ter deixado claro o aumento da pressão, nos últimos dias, para pedir a retirada ou inclusão de itens que facilitassem a situação de determinados setores na mudança das alíquotas de recolhimento sobre o faturamento das empresas – uma vez que o projeto, que integra o ajuste fiscal do governo, tinha a proposta inicial de reduzir a desoneração para 56 setores da economia.
Para assessores das lideranças do DEM, do PSDB e do PDT, ouvidos em separado, uma parte do aumento deste tipo de auxílio indireto aos deputados tem ocorrido, nos últimos meses, também, em razão da renovação de 1/3 da Câmara. Boa parte dos projetos são de parlamentares que não conseguiram se reeleger e constantemente têm procurado os colegas das bancadas e entregado projetos pedindo para serem apresentados por eles. E a maior parte dos pedidos têm sido feitos junto aos recém empossados, como confirmou um advogado da liderança do PSDB.
O troca-troca de projetos ficou mais intenso depois que a presidência da Câmara foi assumida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Cunha nunca escondeu que desde o início do primeiro mandato costuma pedir matérias para serem apresentadas por outros colegas, como estratégia para que sejam aprovados em comissões técnicas da casa e do Senado.
Regulamentação do lobbyOutro que usa o mesmo artifício é o deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ). Ao ser questionado pelo fato de, em 25 anos na Câmara só ter conseguido aprovar uma única proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria, Bolsonaro afirmou que o dado não reproduz a realidade porque outros projetos seus foram aprovados por colegas. “Sou completamente discriminado porque eu sou um homem de direita. Então, alguns projetos meus dou para outro deputado apresentar porque, se pintar meu nome, não vai para a frente”, disse.
Para o especialista em marketing político Alexandre Bandeira, o tema remete diretamente à falta da regulamentação do lobby no país. A regulamentação é alvo de uma proposta que tramita no Congresso há décadas, sem apreciação por parte nem da Câmara nem do Senado.
“O conjunto dos parlamentares é soberano para decidir sobre as matérias e é legítimo esse aproveitamento de textos e propostas apresentados a eles por entidades da sociedade civil e instituições, que muitas vezes possuem assessorias parlamentares bem maiores que o número de servidores que compõem a estrutura dos gabinetes destes deputados. O que o país precisa é regulamentar o lobby”, acentuou Bandeira.
De toda forma, a repercussão desse rito legislativo leva os técnicos e segmentos diversos que acompanham as atividades do Congresso a observarem um outro lado da tramitação das propostas. Uma vez, que, embora um projeto aprovado na Câmara ou no Senado tenha o registro dos parlamentares autores – responsáveis formalmente por tais textos – o caminho percorrido até a matéria ser incluída na pauta do plenário pode ter sido bem mais sinuoso do que o imaginado.

Prender Lula? Terão esta coragem?

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Uma eventual prisão de Lula na Lava-Jato seria uma medida de altíssimo risco para a estratégia de desgaste ao PT e ao governo Dilma que está colocada em curso por todas as forças que operam atrás e ao lado do juiz Moro e do MPF do Paraná.
Uma prisão destas seria bem pior do que um ponto fora da curva, seria um ponto sem retorno na possível total desestabilização e descrédito da direita derrotada e dos setores que a apoiam. Talvez um fiasco internacional de proporções colossais.
A questão, assim, é outra: terão a coragem de prender Lula?
É claro que todos eles odeiam saber que Lula já é doutor honoris causa por 27 universidades do mundo e que é um cidadão respeitado e homenageado aonde quer que vá. Que é um caso único de uma efusiva unanimidade e reconhecimento político entre todos os ex-presidentes de todos os países na História.
Prendendo o Lula, a direita e as oposições todas salivariam, num primeiro momento, comemorando a desconstituição do grande mito petista perante o Brasil e o mundo. Eles imaginam que lograriam assim o maior de todos os desgastes políticos imagináveis ao PT e ao governo Dilma, tudo de uma só vez. Afinal, no Brasil de hoje basta alguém ser preso para já ser condenado. É com isso que sonha a direita, a oposição e a imprensa tradicional do país.
Mas, será, mesmo?
Dias atrás, Aécio e mais meia dúzia de senadores fanfarrões de partidos de direita puseram-se de “estadistas” e colocaram em curso o “plano perfeito” para derrubar a Dilma do cavalo. Em tese, estava tudo sob controle. Porém, de “perfeito”, o plano virou o “maior mico do milênio”, entrando como fiasco olímpico internacional para a galeria das grandes derrapadas políticas da sinistra biografia do Aécio e seus senadores amestrados (citação das redes sociais). Talvez, com tanta gente rindo do fiasco do Aécio, ele não saia mais candidato sequer a síndico de prédio.
Por isso, a dúvida.
E se prenderem o Lula e alguma coisa der errado? E se o povo resolver interferir na manobra? E se a população se revoltar de verdade? E se o mundo se posicionar contra a prisão de Lula? Neste caso, o metalúrgico se tornaria um mártir, ou ícone, tão ou mais carismático do que se tornou Mandela, ao sair de amargas décadas de prisão para a presidência do seu país, aclamado por todos.
Uma manobra política tão extremada e arriscada assim, como a do juiz Moro ceder à tentação e aos holofotes e mandar prender o cidadão Lula poderia converter-se na própria e definitiva cova profunda que a direita cavaria embaixo de si mesma, “como nunca antes na história deste país”. E o Moro viraria o dono do fiasco da vez, para nunca mais ter credibilidade no cargo.
A prisão do Lula faria dele um astro mundial ainda maior do que ele já é. Possivelmente, sem concorrência alguma quando 2018 chegar.

José Serra é recebido com protestos em Macaé

Colegas nacionalistas do sindicato dos petroleiros do norte fluminense protestaram contra o senador José Serra (PSDB/SP), que tenta emplacar projetos de lei contra a Petrobras.
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Cada vez mais, mulheres recorrem ao SUS para ter parto normal

Por que cada vez mais mulheres procuram hospitais públicos para evitar cesáreas e traumas (corte no períneo, injeção de ocitocina) e contar com confortos como doulas, massagens e banheiras
Em busca de um procedimento mais humanizado na hora do parto, com menos intervenções, mulheres têm recorrido à rede pública de saúde. Preocupadas com o alto índice de cesarianas na rede privada (84%) e incapazes de contratar uma equipe de saúde completa, elas têm optado por hospitais de referência em saúde materno-infantil.
Esse é o caso de professora de matemática Camille Ramalho, 33 anos, que deu à luz no Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, no centro do Rio. “Fiz todas as consultas de pré-natal pelo plano de saúde, mas na hora do nascimento preferi o SUS [Sistema Único de Saúde]”, contou. Ela disse que se informou sobre o assunto antes de tomar sua decisão. “Li muito, conversei com muitas mães e não me arrependo.”
No Rio, a busca pela Maternidade Maria Amélia tem se tornado uma tendência, avalia a enfermeira obstetra Heloisa Lessa, da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiras Obstétricas. Segundo ela, com as novas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a defesa do parto normal por organizações sociais, as gestantes têm se informado sobre os riscos da uma cesariana desnecessária.
“Um parto humanizado requer uma equipe humanizada, o que custa caro e não é garantida na rede privada”, analisa. “Muitos médicos preferem fazer cesarianas porque podem ser agendadas com antecedência e são mais bem remuneradas pelos planos de saúde”, completa.
Em ambos os casos, as gestantes contrataram uma doula, o que também está se tornando uma tendência no Rio, segundo Heloisa. Essas profissionais acompanham a gestante desde o início da gravidez, ajudando na preparação do casal.
A tradutora Eva Holzova Dantas, 32 anos, que recentemente teve Stella, hoje com 1 mês de vida, conta que a doula deu apoio para que ela tentasse o parto normal, depois de uma cesariana do primeiro filho. “Ela passou exercícios para o casal, durante a fase ativa do parto, esclareceu sobre as fases do parto, o que te dá um apoio emocional muito importante.”
Em casos de gravidez de baixo risco, o parto normal humanizado é a melhor opção, segundo a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Silvana Granato. No processo, a equipe está treinada para realizar o menor número de intervenções possível no corpo da mulher, como a episiotomia (corte no períneo) e a injeção de ocitocina (hormônio sintético).
“A ocitocina, por exemplo, aumenta o número de contrações do útero, o que aumenta a dor e torna o parto normal mais dolorido”, alertou. Ela também observa uma migração de mulheres para a rede pública, onde as parturientes podem usar banheiras para aliviar a dor, além de receber massagens e exercícios para ajudar a relaxar, o que é permitido no Maria Amélia.
A Secretaria Municipal de Saúde disse que não é possível estimar quantas gestantes com plano de saúde preferem ter bebês na unidade pública. Porém, o número de parto normais na Maternidade Maria Amélia chega a 76,2 % – maior que a média da rede, de 66%, que inclui nove maternidades e uma casa de parto (unidade extra-hospitalar que realiza apenas partos normais de baixo risco).
Para estimular a prática, o governo do estado do Rio tem treinado equipes e recentemente comprou uma banheira para o Hospital Estadual dos Lagos de Saquerama, na Região dos Lagos. “Banhos de imersão em água morna ajudam no trabalho de parto”, disse o coordenador de Maternidades da Secretaria de Estado de Saúde, Jorge Calás.
De acordo com a coordenadora da pesquisa Nascer no Brasil, da Fiocruz, Maria do Carmo, entre as vantagens do parto normal estão a redução da morte materna, infecciosas, além de dores pós-operatórias. Nos bebês, diminui risco de morte intrauterina, complicações respiratórias e obesidade na infância.

Conservadores dos EUA financiam a nova direita latino-americana

Rede de think tanks conservadores dos EUA financia jovens latino-americanos para combater governos de esquerda e defender velhas pautas com nova linguagem.
“O corpo é a primeira propriedade privada que temos; cabe a cada um de nós decidir o que quer fazer com ele”, brada em espanhol a loirinha de voz firme, enquanto se movimenta com graça no palco do Fórum da Liberdade, ornado com os logotipos dos patrocinadores oficiais – Souza Cruz, Gerdau, Ipiranga e RBS (afiliada da Rede Globo). O auditório de 2 mil lugares da PUC/RS, em Porto Alegre, completamente lotado, explode em risos e aplausos para a guatemalteca Gloria Álvarez (foto), 30 anos, filha de pai cubano e mãe descendente de húngaros.
Gloria ou @crazyglorita (55 mil seguidores no Twitter e 120 mil em sua fanpage do Facebook) ascendeu ao estrelato entre a juventude de direita latino-americana no final do ano passado, quando um vídeo em que ataca o “populismo” na América Latina durante o Parlamento Ibero-americano da Juventude em Zaragoza (Espanha) viralizou na internet.
No principal fórum da direita brasileira, Gloria e o ex-governador republicano da Carolina do Sul David Bensley são os únicos entre os 22 palestrantes, brasileiros e estrangeiros, escalados para os keynote – palestras-chave que norteiam os debates nos três dias do evento, batizado de “Caminhos da Liberdade”.
Radialista há dez anos, hoje com um programa na tevê, Gloria é uma show-woman cativante. Conduz com desenvoltura a plateia formada majoritariamente por estudantes da PUC gaúcha, uma das melhores e mais caras universidades do Sul do país. “Quem aqui se declara liberal ou libertarista que levante a mão?”, pede ao público, que responde com mãos erguidas. “Ah, ok”, relaxa. Sua missão é ensinar a seus pares ideológicos como “seduzir e enamorar os públicos de esquerda” e vencer “os barbudos de boina de Che”, explica a jovem líder do Movimiento Cívico Nacional (MCN), uma pequena organização que surgiu em 2009 na Guatemala na esteira dos movimentos que pediam – sem êxito – o impeachment do presidente social-democrata Álvaro Colom.
A primeira lição é utilizar nas redes sociais o hashtag criado por ela, “república x populismo”, para superar “a divisão obsoleta entre direita e esquerda”. “Um esquerdista intelectualmente honesto tem de reconhecer que a única saída é o emprego, e um direitista do século 21, que já se modernizou, tem de reconhecer que a sexualidade, a moral, as drogas são um problema de cada um; ele não é a autoridade moral do universo”, continua, sob uma chuva de aplausos.
Nada de culpa, nem moral nem social, ensina. A mensagem é liberdade individual, “empoderamento” da juventude, impostos baixos, Estado mínimo – a plataforma da direita liberal (em termos econômicos) no mundo todo: “a riqueza não se transfere, senhores, a riqueza se cria a partir da cabecinha de cada um de vocês”, diz. Da mesma maneira, Gloria rebate programas sociais de assistência aos mais pobres, política de cotas para mulheres, negros, deficientes e até mesmo a existência de minorias: “Não há minorias, a menor minoria é o indivíduo, e a ele o que melhor serve é a meritocracia”.
“Há uma verdade que todo ser humano deve alcançar para ter paz, se não quiser viver como um hipócrita. Todos nós, 7 bilhões e meio de seres humanos que habitamos este planeta, somos egoístas. É essa a verdade, meus queridos amigos do Brasil, todos somos egoístas. E isso é ruim? É bom? Não, é apenas a realidade”, diz, definitiva. “Há pessoas que não aceitam essa verdade e saem com a maravilhosa ideia: ‘Não! [imita a voz de um homem], eu vou fazer a primeira sociedade não egoísta’. Cuidem-se, brasileiros; cuide-se, América Latina! Esses espertinhos são como Stálin, na União Soviética, como Kim Jong-il, Kim Jong-un, na Coreia do Norte, Fidel Castro, em Cuba, Hugo Chavez, na Venezuela.” E por que “seguimos como carneirinhos” atrás desses “hipócritas”? Porque [faz careta e vozinha de velha] “nos ensinam que é feio ser egoísta e que pensar em nós mesmos é pecado. Quantos de vocês já não viram alguém dizer ‘ah, necessitamos de um homem bom, que não pense só em si”, diz, encurvando-se à medida que fala para em seguida recuperar a postura altiva: “Mira, señores, a menos que seja um marciano, esse homem não existe, nunca existiu, nem existirá jamais”. Aplausos frenéticos.
Mas, explica, os “defensores da liberdade” também tem sua parcela de responsabilidade. Eles não sabem comunicar suas ideias, usar a tecnologia para “empoderar os cidadãos” e “libertar” a América Latina. “Se ficarmos discutindo macroeconomia, PIB etc., vamos perder a batalha. Temos que aprender com os populistas a falar o que as pessoas entendem, fazer com que se identifiquem”, ela diz. “E aqui vou lhes dar outro conselho porque dizem que nós, os liberais, somos malditos exploradores”, ironiza. “Encontrei uma maneira muito bonita de definir o conceito de propriedade privada. E com esse conceito de propriedade privada os esquerdistas fazem assim: Ôooooo! [inclina o corpo para trás]”. A propriedade privada, diz, é o que acumulamos em toda uma vida, a partir de nossas primeiras propriedades: corpo e mente. O passado, afirma, não é igual para ninguém, esse acúmulo é pessoal. “Isso nos humaniza, dá um coraçãozinho a nós, liberais, tão desgraçados.” Risos. Aplausos.
“Há pessoas que querem o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia. A ONU agora quer até o direito universal à internet”, desdenha, embora tenha acabado de dizer que a tecnologia é a chave para mudar o mundo. “Imaginem que, nesse auditório, alguns queiram o direito à educação, outros o direito à saúde, outros o direito à moradia. Então, se eu dou a vocês a educação, todos aqui vão pagar por isso, e vocês vão ser VIPs, e eles, cidadãos de segunda categoria. Se eu dou a eles a saúde, todos neste auditório vão pagar pela saúde deles, e eles vão ser VIPs. Se eu dou a esses as moradias, vou ter que tirar de todos vocês para dar moradia a eles, e eles vão ser esses VIPs. Isso não é justiça social, é desigualdade perante a lei”, conclui, novamente sob risos e aplausos.
“Se cada um na América Latina tiver direito à vida, liberdade e propriedade privada, então cada um que vá atrás da educação que queira, da saúde que queira, da casa onde quer morar, sem precisar de super-Chavez, super-Morales, super-Correa”. Ovação. Assobios. Antes de encerrar os 40 minutos de exposição, Gloria convida os presentes a contrapor a visão de mundo que “vitimiza os latino-americanos”, “joga a culpa nos ianques”, mina a “autoestima” e a coragem de assumir riscos que exige o espírito empreendedor. A plateia aplaude de pé.

Em 7 de julho, começam as atividades do banco do Brics

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Líderes do Brics durante cúpula no Brasil, em julho de 2014.
Primeira reunião do conselho administrativo será realizada às vésperas da 7ª cúpula do grupo.
O Banco de Desenvolvimento do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) iniciará suas atividades em 7 de julho, um dia antes do início da 7ª cúpula do grupo, na cidade russa de Ufa. O anúncio foi feito pelo vice-ministro russo das Finanças, Serguei Stortchak, durante o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo.
“Estamos preparando a primeira reunião do conselho administrativo. Esperamos que ela aconteça no dia 7 de julho, em Moscou, e isso representará o início formal da abertura do banco”, declarou Stortchak, citado pela agência de notícias Tass.
O acordo para criação da nova instituição financeira foi assinado em julho de 2014, durante a última cúpula do Brics, em Fortaleza. Em sua fase inicial, o capital do banco será de US$10 bilhões, com previsão de aumento até US$100 bilhões.
Os fundos do banco serão destinados a projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável dos membros do Brics e outros países emergentes.

Na Câmara, deputado sugere criar “bolsa ex-gay”

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Ele, o boto.
A audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara que reuniu “ex-gays” na quarta-feira, dia 24/6, foi marcada por declarações polêmicas e por uma sugestão inusitada. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PSD/RJ) disse que irá sugerir um projeto de lei para a criação de uma “bolsa ex-gay”, destinada a homossexuais que afirmam terem voltado a ser heterossexuais.
O pastor Robson Staines, 43, convidado para dar seu testemunho, criticou a proibição do oferecimento de “tratamento” para a homossexualidade, conhecido como “cura gay”. “A grande maioria dos consultórios psicológicos são verdadeiras fábricas de homossexuais”, disse o pastor.
A audiência, convocada pelo deputado Marco Feliciano (PSC/SP), integrante da chamada “bancada evangélica”, já havia causado racha junto a integrantes da comissão. Parlamentares ligados ao movimento LGBT, como a deputada Érika Kokay (PT/DF), alegaram que a audiência era uma forma de voltar a discutir o projeto de lei da “cura gay”.
Kokay e o deputado Jean Willys (PSOL/RJ), outro parlamentar ligado ao movimento LGBT e gay assumido, não participaram da audiência, que contou a presença quase majoritária de parlamentares que pertencem à bancada evangélica. Cinco militantes LGBT participaram do evento e empunharam bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo da causa.
A proposta da “cura gay” foi apresentada pelo deputado federal João Campos (PSDB/GO) e previa que psicólogos pudessem oferecer tratamentos a pacientes homossexuais. Campos é o atual presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso.
Em 1999, uma resolução do Conselho Nacional de Psicologia proibiu a terapia para a “cura gay”. Em julho de 2013, em meio à repercussão do caso, Campos retirou o projeto da pauta da Câmara. Mesmo evitando o termo “cura gay”, parlamentares da bancada evangélica defenderam que homossexuais possam procurar tratamento terapêutico para deixar de ser gays.
Feliciano negou que a audiência fosse uma tentativa de “ressuscitar” o projeto da “cura gay”, mas defendeu que gays possam procurar auxílio técnico para se “reorientarem”. “Se [homossexualidade] é uma orientação sexual, essa orientação pode sofrer uma reorientação ou uma desorientação [...] essas pessoas [ex-gays] pediram apenas o direito de existir, o direito de serem assistidos”, afirmou. Segundo Feliciano, o intuito da audiência era expor o preconceito ao qual ex-gays são submetidos.
O deputado Ezequiel Teixeira (SD/RJ) foi mais direto e questionou a resolução do Conselho Federal de Psicologia que impede profissionais de oferecerem terapias para “tratar” a homossexualidade. “Quem é que fez essa decisão? Quem compõe essa comissão? Isso não é democracia”, disse Ezequiel.
Relatos de ex-gayEntre os relatos feitos durante a audiência pública, um dos que mais chamou atenção foi o do pastor Robson Staines. Segundo o pastor, ele teria se “transformado” em homossexual após ter sido estuprado quando criança. “Eu achava que eu era sujo pra me envolver com meninas. Esse homem me viciou. Na verdade, eu nunca fui gay. Eu nasci hétero, mas a vida me levou para esse caminho”, disse o pastor.
Ele criticou a atuação dos psicólogos que, segundo ele, o orientaram “sair do armário”. “Quando você vai ao psicólogo, você fica aterrorizado. Eles dizem ‘Não...você tem que sair do armário’”, afirmou Staines.
Outro depoimento que chamou atenção foi o do pastor Joide Pinto Miranda. O pastor disse que “virou” homossexual por conta da ausência paterna e que chegou a colocar até 4,5 litros de silicone no quadril e atuar como travesti.
O religioso afirmou conseguiu apoio para deixar de ser homossexual na igreja e hoje é casado e pai de um filho. Ele exibiu um banner em que, de um lado, havia uma foto de Joide como travesti, usando um biquíni e, no outro, uma foto do pastor ao lado de sua família.
“Bolsa ex-gay”O deputado Sóstenes Cavalcante disse que, inspirado pelas bolsas a usuários de crack e a travestis criadas pela Prefeitura de São Paulo, irá sugerir a criação de uma “bolsa ex-gay”. “Eu questionei o prefeito de São Paulo [Fernando Haddad] que fez um ‘bolsa crack’, eu questionei por que ele fez um bolsa prostituta. Tem lá um monte de bolsa. A partir de hoje, no mais curto espaço de tempo, vou protocolizar um projeto pela dor de vocês, um projeto de bolsa ex-gay”, afirmou.
A sugestão arrancou risadas dos presentes à audiência.
Em janeiro, a Prefeitura de São Paulo anunciou o pagamento de bolsas para que travestis possam voltar a estudar. Em 2013, a Prefeitura iniciou o pagamento de bolsas para pacientes que se submeterem a tratamentos de desintoxicação.

Na Alemanha não existe saúde gratuita, além disso ter um plano é obrigatório, caro e ruim

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Além dos altos preços dos planos, remédios custam mais caro do que no Brasil.
Ivana Ebel, via Fala, Alemôa em 18/6/2015
Eu já falei por aqui que nem tudo na Alemanha são flores. Não me entenda mal: eu adoro viver aqui e se a balança não pendesse para o lado alemão, pode ter certeza que eu já teria me mudado. Não tenho vocação para masoquista e nem sou uma árvore. Mas esta semana esbarrei com um daqueles perrengues que me deixam louca da vida: a saúde.
Para começar, um aviso. Não existe saúde gratuita na Alemanha. Não há nada parecido com o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Não há assistência gratuita – a não ser em projetos de caridade – para quem não esteja no sistema. Isso vale também para turistas: quem não tem um seguro pode ser barrado na fronteira. Aqui se paga caro por saúde, bem caro e ter plano é obrigatório.
Bom, eu não cheguei aos 40 ainda e pago, por mês, mais de R$800,00 de plano. Ok que é para mim e para meu marido, que foi aceito como meu dependente e isso não altera o valor, mas convenhamos que a conta é bem salgada. Ainda mais que não tenho a opção de não pagar e, mesmo pagando, não tenho acesso aos serviços que deveria ter.
O esquema todo aqui é o seguinte. Existem uma série de planos de saúde públicos (incluindo o meu). Ou seja, mesmo com os mais de 30% de impostos descontados em média dos salários, o Estado me obriga a pagar, todos os meses, por um plano de saúde. Posso escolher ainda um plano privado, mas caso minha conta comece a subir muito ou determinados serviços que eu possa precisar não estejam cobertos pela apólice, a coisa complica. Existem raras situações que permitem um usuário retornar do seguro privado para o público. Nesse caso, a opção é: ser refém do governo ou de uma empresa.
Não quero dizer aqui que o SUS é perfeito: não é. Mas existe. Tem filas, faltam médicos, sobram queixas: mas muita gente é atendida, recebe remédios e exames de qualidade sem pagar um centavo por isso. Na Alemanha não. E o tempo que se leva para marcar um médico por aqui, com o plano bem pago, é de deixar qualquer um a beira da morte. Hoje, depois de ligar para todos os endocrinologistas da cidade, consegui uma consulta! Uhuuu… Para o final de novembro.

O contrassenso comum

A seguir, dez convicções que se vão tornando senso comum e que, por serem ilusórias e absurdas, constituem o novo contrassenso comum.
Em 1926, o poeta irlandês W.B. Yeats lamentava:
“Falta convicção aos melhores enquanto os piores estão cheios de apaixonada intensidade”.
Esta afirmação é mais verdadeira hoje que então. Admitamos por hipótese que os melhores no plano pessoal, moral, social e político são a maioria da população e que os piores são uma minoria. Como vivemos em democracia, não nos devia preocupar o fato de os piores estarem cheios de convicções que, precisamente por serem adotadas pelos piores, tenderão a ser perigosas ou prejudiciais para o bem-estar da sociedade. Afinal, em democracia são as maiorias que governam. A verdade é que hoje se vai generalizando a ideia de que as convicções que dominam na sociedade são as apaixonadamente subscritas pelos piores, e que isso é a causa ou a consequência de serem os piores que governam. A conclusão de que a democracia está sequestrada por minorias poderosas parece inescapável. Mas se aos melhores falta convicção, provavelmente também eles não estão convictos de que esta conclusão seja verdadeira, e por isso ser-lhes-á difícil mobilizarem-se contra tal sequestro da democracia. Torna-se, pois, urgente averiguar donde vem no nosso tempo a falta de convicção dos melhores.
A falta de convicção é a manifestação superficial de um mal-estar difuso e profundo. Decorre da suspeita de que o que se difunde como verdadeiro, evidente, e sem alternativa, de fato, não o é. Dada a intensidade da difusão, torna-se quase impossível ao cidadão comum confirmar a suspeita e, na ausência de confirmação, os melhores ficam paralisados na dúvida honesta. A força desta dúvida manifesta-se como aparente falta de convicção. Para confirmar a suspeita teria o cidadão comum de recorrer a conhecimentos a que não tem acesso e que não vê divulgados na opinião publicada, porque também esta está ao serviço dos piores. Vejamos algumas das convicções que se vão tornando senso comum e que, por serem ilusórias e absurdas, constituem o novo contrassenso comum:
A desigualdade social é o outro lado da autonomia individual. Pelo contrário, para além de certos limites a desigualdade social permite aos que estão nos escalões mais altos alterar as regras de jogo de modo a controlar as opções de vida dos que estão nos escalões mais baixos. Só é autónomo quem tem condições para o ser. Para o desempregado sem subsídio de desemprego, o pensionista empobrecido, o trabalhador precário, o jovem obrigado a emigrar, a autonomia é um insulto cruel.
O Estado é por natureza mau administrador. Muitos estados (europeus, por exemplo) dos últimos 50 anos provam o contrário. Se o Estado fosse por natureza mau administrador não seria tantas vezes chamado a resolver as crises económicas e financeiras provocadas pela má gestão privada da economia e da sociedade. O Estado é considerado mau administrador sempre que pretende administrar setores da vida social onde o capital vê oportunidades de lucro. O Estado só é verdadeiramente mau administrador quando os que o controlam conseguem impunemente pô-lo ao serviço dos seus interesses particulares por via do fanatismo ideológico, da corrupção e do abuso de poder.
As privatizações permitem eficiência que se traduz em vantagens para os consumidores. As privatizações podem ou não gerar eficiência, sendo sempre de questionar o que se entende por eficiência, que relação deve ter com outros valores e a quem serve. As privatizações dos serviços públicos quase sempre se traduzem em aumentos de tarifas, seja dos transportes, da água ou da eletricidade. As privatizações de serviços essenciais (saúde, educação, previdência social) traduzem-se na exclusão social dos cidadãos que não podem pagar os serviços. Se o privado fosse mais eficiente, as parcerias público-privadas ter-se-iam traduzido em ganhos para o interesse público, o contrário do que tem acontecido. O engodo da proclamada excelência do setor privado em comparação com o setor público atinge o paroxismo quando uma empresa do setor público de um dado Estado é vendida a uma entidade pública de um outro Estado, como aconteceu recentemente em Portugal no setor da eletricidade, vendido a uma empresa pública chinesa, ou quando a aquisição de um bem público estratégico por um investidor de um país estrangeiro pode ser financiada por um banco estatal desse país, como acontece no caso da venda em curso da companhia aérea, TAP, com o possível financiamento da compra do investidor brasileiro por parte do banco estatal brasileiro BNDES.
A liberalização do comércio permite criar riqueza, aumentar o emprego e beneficiar os consumidores. Tal como tem vindo a ser negociada, a liberalização do comércio concentra a riqueza que cria (quando cria) numa pequeníssima minoria enquanto os trabalhadores perdem emprego, sobretudo o emprego decentemente remunerado e com direitos sociais. Nas grandes empresas norte-americanas que promovem a liberalização os diretores executivos, CEOs, ganham 300 vezes o salário médio dos trabalhadores da empresa. Por outro lado, as leis nacionais que protegem consumidores, saúde pública e meio ambiente serão consideradas obstáculos ao comércio e, nessa base, postas em causa e provavelmente eliminadas. Estão em curso três grandes tratados de livre comércio: a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), Acordo de Comércio de Serviços (TiSA), Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). Pelas razões acima, cresce nos EUA (e na Europa, no caso do TTIP) a oposição a estes tratados.
A distinção entre esquerda e direita já não faz sentido porque os imperativos globais da governação são incontornáveis e porque a alternativa a eles é o caos social.Enquanto houver desigualdade injusta e discriminação social (e uma e outra têm vindo a aumentar nas últimas décadas), a distinção faz todo o sentido. Quando se diz que a distinção não faz sentido só a existência da esquerda é posta em causa, nunca a da direita. Setores importantes da esquerda (partidos socialistas) caíram na armadilha deste contrassenso comum, e é urgente que se libertem dela. Os “imperativos globais” só não permitem alternativas até serem obrigados a isso pela resistência organizada dos cidadãos.
A política de austeridade visa sanear a economia, diminuir a dívida e pôr o país a crescer. Nos últimos 30 anos, nenhum país sujeito ao ajustamento estrutural conseguiu tais objetivos. Os resgates têm sido feitos no exclusivo interesse dos credores, muitos deles especuladores sem escrúpulos. É por isso que os ministros que aplicam “com êxito” as políticas de austeridade são frequentemente contratados pelos grandes agentes financeiros e pelas instituições ao seu serviço (FMI e Banco Mundial) quando abandonam as funções de governo.
Portugal é um caso de sucesso; não é a Grécia. Este é o maior insulto aos melhores (a grande maioria dos portugueses). Basta ler os relatórios do FMI para saber o que está reservado a Portugal depois de a Grécia ser saqueada. Mais cortes nas pensões, mais redução de salários e mais precarização do emprego serão exigidos e nunca serão suficientes. Os “cofres cheios” apregoados pelo atual governo conservador português são para esvaziar ao primeiro espirro especulativo.
Portugal é um país desenvolvido. Não é verdade. Portugal é um país de desenvolvimento intermédio no sistema mundial, uma condição que dura há séculos. Foi essa condição que fez com que Portugal fosse simultaneamente o centro de um vasto império e uma colónia informal da Inglaterra. Devido à mesma condição, as colónias e ex-colónias têm por vezes desempenhado um papel decisivo no resgate da metrópole. Tal como o Brasil resgatou a independência portuguesa no tempo das invasões napoleônicas, o investimento de uma ex-colónia (Angola) vai hoje tomando conta de setores estratégicos da economia da ex-metrópole. Nos últimos 30 anos, a integração na UE criou a ilusão de que Portugal (e a Espanha e a Grécia) podia ultrapassar essa condição semiperiférica. O modo como a atual crise financeira e económica está a ser “resolvida” mostra que a ilusão se desfez. Portugal está a ser tratado como um país que se deve resignar à sua condição subalterna. Os portugueses devem contribuir para o bem-estar dos turistas do Norte, mas devem contentar-se com o mal-estar do trabalho sem direitos, da crescente desigualdade social, das pensões públicas desvalorizadas e sujeitas a constante incerteza, e da educação e saúde públicas reduzidas à condição de programas pobres para pobres. O objetivo principal da intervenção da troika foi o de baixar o patamar de proteção social para criar as condições para um novo ciclo de acumulação de capital mais rentável, ou seja, um ciclo em que os trabalhadores ganharão menos que antes e os grandes empresários (não os pequenos) ganharão mais que antes.
A democracia é o governo das maiorias. Esse é o ideal, mas na prática quase nunca foi assim. Primeiro, impediu-se que a maioria tivesse direito de voto (restrições ao sufrágio). Depois, procurou-se por vários mecanismos que a maioria não votasse (restrições fácticas ao exercício do voto: voto em dia de trabalho, intimidação para não votar, custos dos transportes para exercer direito de voto etc.) ou votasse contra os seus seis interesses (propaganda enganosa, manipulação mediática, indução de medo face às consequências do voto, sondagens enviesadas, compra de votos, interferência externa). Nos últimos 30 anos, o poder do dinheiro passou a condicionar decisivamente o processo democrático, nomeadamente através do financiamento dos partidos e da corrupção endémica. Nalguns países a democracia tem vindo a ser sequestrada por plutocratas e cleptocratas. O caso paradigmático são os EUA. E alguém pode afirmar de boa-fé que o atual congresso brasileiro representa os interesses da maioria dos brasileiros?
A Europa é o continente da paz, da democracia e da solidariedade. Nos últimos 150 anos, a Europa foi o continente mais violento e aquele em que os conflitos causaram mais mortes: duas guerras mundiais, ambas causadas pela prepotência alemã, o holocausto, e os genocídios e massacres cometidos nas colónias de África e da Ásia. O preconceito colonial com que a Europa continua a olhar o mundo não europeu (incluindo as outras Europas dentro da Europa) torna impossíveis os diálogos verdadeiramente interculturais, esses sim, geradores de paz, democracia e solidariedade. Os valores europeus do cristianismo, da democracia e da solidariedade são em teoria generosos (mesmo se etnocêntricos), mas têm sido frequentemente usados para justificar agressões imperialistas, xenofobia, racismo e islamofobia. O modo como a crise financeira da Europa do Sul tem sido “resolvida”, o vasto cemitério líquido em que se transformou o Mediterrâneo, o crescimento da extrema-direita em vários países da Europa são o desmentido dos valores europeus. Na Europa, como no mundo em geral, a paz, a democracia e a solidariedade, quando são apenas um discurso de valores, visam ocultar as realidades que os contradizem. Para serem vivências e formas de sociabilidade e de política concretas têm de ser sete conquistadas por via de lutas sociais contra os inimigos da paz, da democracia e da solidariedade.

O ódio está no DNA da classe dominante

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Sentimento está no DNA da classe dominante brasileira, que historicamente derruba, pelas armas se for preciso, toda ameaça a seu domínio, seja qual for a sigla.
Não vi a entrevista do Jô com a Dilma, mas, conhecendo o Jô, sei que ele não foi diferente do que é no seu programa: um homem civilizado, sintonizado com seu tempo, que tem suas convicções – muitas vezes críticas ao governo – mas respeita a diversidade de opiniões e o direito dos outros de expressá-las. Que Jô fez uma matéria jornalística importante e correta, não é surpresa. Como não é surpresa, com todo esse vitríolo no ar, a reação furiosa que causou pelo simples fato de ter sido feita.
A deterioração do debate político no Brasil é consequência direta de um antipetismo justificável, dado os desmandos do próprio PT no governo, e de um ódio ao PT que ultrapassa a razão. O antipetismo decorre, em partes iguais, da frustração sincera com as promessas irrealizadas do PT e do oportunismo político de quem ataca o adversário enfraquecido. Já o ódio ao PT existiria mesmo que o PT tivesse sido um grande sucesso e o Brasil fosse hoje, depois de 12 anos de pseudossocialismo no poder, uma Suécia tropical. O antipetismo é consequência, o ódio ao PT é inato. O antipetismo começou com o PT, o ódio ao PT nasceu antes do PT. Está no DNA da classe dominante brasileira, que historicamente derruba, pelas armas se for preciso, toda ameaça ao seu domínio, seja qual for sua sigla.
É inútil tentar debater com o ódio exemplificado pela reação à entrevista do Jô e argumentar que, em alguns aspectos, o PT justificou-se no poder. Distribuiu renda, tirou gente da miséria e diminuiu um pouco a desigualdade social – feito que, pelo menos pra mim, entra como crédito na contabilidade moral de qualquer governo. O argumento seria inútil porque são justamente estas conquistas que revoltam o conservadorismo raivoso, para o qual “justiça social” virou uma senha do inimigo.
Tudo isto é lamentável, mas irrelevante, já que o próprio Lula parece ter desesperado do PT. Se é verdade que o PT morreu, uma tarefa para investigadores do futuro será descobrir se foi suicídio ou assassinato. Ele se embrenhou nas suas próprias contradições e nunca mais foi visto ou pensou que poderia ser a primeira alternativa bem-sucedida ao domínio dos donos do poder e acordou um dia com um tiro na testa?
De qualquer maneira, será uma história triste.

A direita abraça as redes sociais

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A ascensão dos grupos conservadores nas redes sociais – da revolta “pop” ao uso de perfisfake e robôs importados da campanha eleitoral.
Aos 37 anos, o carapicuibano André Ricardo de Paulo não sabe explicar com precisão qual sua tendência política. “Eu não sei me definir ainda. Posso dizer que sou conservador politicamente e liberal no sentido econômico”, diz. “Não tem como negar que estão ligados à direita.” Mas alguns anos atrás André sabia perfeitamente o que era: “Não tinha consciência política”. Em 2002, na campanha eleitoral que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, votou nulo simplesmente por não conhecer nada sobre o tema. Em 2006, votou pela reeleição do ex-presidente. “Nós achávamos o máximo o Lula no poder. O Lula é um fenômeno, sair de onde ele saiu e chegar aonde chegou.”
Hoje em dia, depois de ter buscado se informar, André está seguro de que “o Brasil vive uma ditadura disfarçada e que Lula e Dilma fazem parte do mesmo projeto: espalhar o comunismo na América”, explica ele, na varanda da casa dos sogros, uma coleção de puxadinhos de concreto em Carapicuíba, cidade da grande São Paulo, onde mora com a família da esposa – os pais e os cunhados –, além dos dois filhos.
Na rua, crianças empinam pipa, um boteco atende aos moradores, e do outro lado as casas sem reboco enfileiram-se vermelhas. “Não é uma favela, é uma periferia. É a visão do Marrocos”, diz, colocando em seguida em cima da mesa um livro grosso, orgulhoso, O mínimo que você tem que saber para não ser um idiota, de Olavo de Carvalho. Explica: “Não tive tempo ainda para ler isso precisa de uma dedicação, né?”.
Até cerca de sete anos atrás, André nunca tivera tempo de pensar em política. Trabalha desde os 14 anos. Foi office-boy, operador de telemarketing, assistente administrativo. Hoje tem sua pequena empresa que fornece serviços de telefonia. “Trabalhei praticamente todos os fins de semana, desde cedo”, diz. Tudo mudou quando um primo lhe indicou a leitura da página do filósofo e polemista Olavo de Carvalho no Facebook. “Logo nas primeiras coisas que eu vi do Olavo já percebi que eu tava errado. É tão claro.” Desde então, André visita a página todos os dias, além de seguir outros colunistas como Felipe Moura Brasil e Rodrigo Constantino, da Veja. Faz eco às bandeiras abraçadas por seus autores preferidos: defende o Estado mínimo, é a favor da redução da maioridade penal, ataca o que chama de “gayzismo” – a imposição do modo de vida homossexual sobre a sociedade – e acha que políticas como Bolsa Família e cotas “deixam as pessoas acomodadas”.
Como centenas de milhares de brasileiros, o “despertar” político de André tem tudo a ver com a sua crescente intimidade com a internet. Hoje ele usa sua página no Facebook para compartilhar notícias de interesse, propagando informação para seu círculo. ”Já tive posts de cem comentários, até uns 150 likes. Isso aí vai pra tanto lugar que você não imagina”, orgulha-se. “Não confio em mídia nenhuma a não ser nas alternativas”, explica, citando os sites Mídia sem Máscara, de Olavo de Carvalho, e Folha Política.
Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, realizada pelo Ibope, a internet é de longe o meio de informação que mais cresce entre os brasileiros. Metade da população já usa internet. Desde o ano anterior, aumentou de 26% para 37% o número daqueles que a utilizam todos os dias. Sessenta e cinco por cento dos jovens na faixa de 16 a 25 anos se conectam todos os dias durante mais de cinco horas, em média. Entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo as mais utilizadas o Facebook (83%), o WhatsApp (58%) e o YouTube (17%). Apenas 7% leem jornais diariamente. A tevê continua sendo o meio mais usado: 73% disseram assistir diariamente.
“A internet é hoje em dia um campo de batalha entre a velha ordem repressora e os projetos de liberação das jovens gerações. Todos esses projetos sociais estão presentes na internet, e é por ela que se chega às mentes das pessoas”, analisa o sociólogo catalão Manuel Castells, professor da Universidade do Sul da Califórnia (USC, na sigla em inglês), que estuda o impacto da tecnologia na cultura e na política. “É o verdadeiro lugar do poder.”
Quem influencia a rede?No dia 2 de junho o ídolo de André, o filósofo Olavo de Carvalho, participou de um hangout no YouTube de quase duas horas com um time de “estrelas” da nova direitaonline. Fábio Ostermann, fundador do Movimento Brasil Livre, o cantor Lobão, Beatriz Kicis, procuradora do Distrito Federal e membro do Revoltados Online, além do ativista Dalmo Accorsini, discutiam qual seriam “os próximos passos contra o PT”. Foi apenas mais um de dezenas de hangouts parecidos que, a cada 15 dias, reúnem “influenciadores” da rede conservadora. Uma semana depois, na última terça-feira, os principais perfis compartilhavam freneticamente imagens e slogans exigindo que o TCU rejeitasse as contas do governo Dilma por ter segurado repasses de cerca de R$40 bilhões, aparentando um melhor equilíbrio nas contas. Os e-mails dos juízes do TCU foram compartilhados nas redes e receberam centenas de mensagens. Um deles chegou a receber mais de 800 e-mails na manhã do dia 17. Deu resultado. “Já tivemos contas muito piores, mas o momento é outro. O país cobra mais fiscalização, e a presidente é impopular. Essa decisão não seria tomada contra Lula no auge da popularidade”, teria dito um deles, segundo a Folha de S.Paulo.
Em comum, os diversos canais online de direita apostam em um discurso agressivo contra todas as “causas” que combatem, uma violenta oposição ao atual governo e a descrença generalizada na mídia e nos jornalistas (com exceção de Veja) cuja cobertura consideram governista. “Os panelaços foram chamados pelos articulistas da Veja, que se engajam politicamente, são articuladores do processo, atores políticos. Mas também surgiram novas lideranças e microlideranças de opinião”, diz o sociólogo e ativista digital Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC.
Embora tenha raízes nas manifestações em junho de 2013, o novo ativismo digital de direita teve seu papel ampliado e consolidado durante a campanha eleitoral do ano passado, quando diferentes grupos se uniram em torno da candidatura oposicionista de Aécio Neves. Depois de uma campanha agressiva, marcada pelo uso de robôs, perfis fakee fabricação indiscriminada de boatos por todos os lados, o debate que hoje domina as redes segue o mesmo padrão virulento, chegando até, por vezes, ao discurso do ódio. “O crescimento dessas redes produziu uma crise dentro da internet brasileira. Discursos como o do deputado Jair Bolsonaro, com grande repercussão, esse discurso de ódio, de apologia à repressão, tem um grande impacto, por exemplo, sobre a situação das mulheres na rede – um tema que eu estou estudando”, analisa o professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos de Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo.
Malini estuda há um ano a atividade de 411 páginas de direita no Facebook, avaliando sua influência. Até junho, aquela com maior número de seguidores era a do comediante oposicionista Danilo Gentili (10,9 milhões), seguida pela TV Revolta (3,5 milhões) – canal que ganhou fama pelo YouTube – e por Felipe Neto, também celebridade no YouTube (2,6 milhões). O deputado federal Marco Feliciano (2,6 milhões) é o quarto mais popular entre os listados pela equipe do Labic, um dos dois políticos a entrar na lista dos mais populares, além de Jair Bolsonaro. Na quinta posição está a página assumidamente machista Orgulho de ser Hétero (1,9 milhão). Se considerada a popularidade das páginas – quantos perfis estão “falando sobre elas” –, outros nomes que promovem conteúdos viralizantes entram em cena. Na primeira semana de junho, a página abertamente machista Orgulho de Ser Hétero teve maior alcance, de 665 mil, seguido por Revoltados Online (557 mil), pela página de Bolsonaro (532 mil) e por Danilo Gentili (467 mil). “Passar a retuitar continuamente um agregado de sujeitos/perfis, passar a dar like continuamente em páginas nunca antes conhecida expressam novas ações político-afetivas que precisam ser levadas mais a sério pela ciência política contemporânea”, explica Malini.
Explore abaixo o grafo interativo das principais páginas de direita, produzido pelo Labic para esta reportagem (se estiver lento, acesse o mapa diretamente aqui).
Malini conseguiu identificar cada uma das agrupações por afinidades políticas, no que ele chama de “perspectiva”. No grupo vermelho, encontram-se as páginas mais populares. “São páginas de miscelâneas noticiosas contra o governo do PT, em defesa dos principais valores do conservadorismo (família heteronormativa, trabalho e Deus). O tema principal dessa perspectiva relacional é uma cruzada antipetista, mas é um agrupamento irradiador e acompanhador de notícias”, explica. O grupo verde inclui páginas que se autodenominam de direita e conservadoras. “A temática nacionalista – a defesa da pátria, a valorização da essência da nação – aparece como elemento central das páginas que formam essa perspectiva. É um “não aos comunas” como um não a qualquer transformação social nos valores do conservadorismo. Faz todo sentido que as páginas “faca na caveira” estejam em associação com as de ‘direita’. Porque a repressão passa, no imaginário ainda autoritário brasileiro, pelo uso da força policial, como se esta fosse a produtora exclusiva da ordem.”
A perspectiva lilás representa aqueles grupos identificados religiosamente, como o de Marco Feliciano. “É menor em número, mas muito forte do ponto de vista político”, explica Malini.
Finalmente, o grupo azul aparece mais isolado. Trata-se de páginas mais jovens, ligadas ao Movimento Brasil Livre e seguidores, cuja pauta principal é o impeachment da presidente. “É curioso que as páginas mais ao centro ainda não estejam mais ligadas a eles. Essa perspectiva possui, em seus conteúdos, uma prioridade de articular internet e rua, difundindo relatos e convocações de atos e manifestações do movimento. São mais anti-Dilma do que anti-PT.”
Outras descobertas interessantes sobre “quem pauta a rede” de direita vêm da empresa de monitoramento e intervenção digital Interagentes, capitaneada por Sérgio Amadeu. A equipe monitorou através do Twitter dois eventos importantes: o panelaço contra o discurso de Dilma Rousseff no dia 8 de março e a repercussão nas redes da marcha de 12 de abril. Os levantamentos mostram que as “autoridades” – atores que conseguem obter maior adesão ao discurso que disseminam na rede – variam de um dia para o outro. Aparecem nomes como Danilo Gentili, o senador Ronaldo Caiado, Lobão, Blog do Noblat e Veja, mas também contas de autoria desconhecida como @coroneldoblog, @marisascruz, @edmilsonpapo10 e @MirandaSa. Como no Facebook, os ataques violentos comandam o tom. Veículos mais tradicionais, como o G1, acabaram sendo usados apenas para corroborar o ativismo conservador.
No dia 8, o tuíte mais retuitado foi o de uma cobertura do site em 2008, que anunciava que a presidente chegava a um evento: “Dilma chega”. Teve mais de 18 mil retuítes. No auge do protesto virtual, entre as 21h e 22h, houve 78.793 menções ao assunto do panelaço, ou 22 tuítes por segundo.
Um mês depois, um grupo igualmente articulado partiu em defesa do governo, como mostra o grafo relativo à manifestação do dia 12 de abril. Diante do número de manifestantes, inferior aos protestos de março, conseguiram levar a hashtag#AceitaDilmaVez aos trending topics do Twitter, ganhando repercussão na imprensa tradicional. Em seguida, perfis opositores como DaniloGentili, SenadorCaiado, Lobão fizeram campanha para subir a hashtag #SaiDilmaVez, conseguindo ultrapassar por um período a frase governista, que teve no final 101.140 ocorrências contra 41.813 da tag #SaiDilmaVez. ”A lógica de disputa entre hashtags é similar à lógica panfletária: cada lado usa os recursos que tem a fim de ocupar mais espaço. Ela é, no entanto, uma amostra da disposição dos militantes de disputar o espaço das redes”, diz a análise da Interagentes.
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Grafo da Interagentes mostra a polarização dos tuítes contra e a favor do governo.
No mito e no gritoAinda há poucas pesquisas sobre o comportamento das pessoas que têm se articulado em torno de pautas conservadoras. Uma delas, realizada pelos professores Pablo Ortellado (USP) e Esther Solano (Unifesp) na avenida Paulista naquele mesmo 12 de abril, é bastante reveladora. Entre os 571 entrevistados, apenas 15,4% tinham entre 16 e 25 anos – exatamente o mesmo tanto de pessoas entre 56 e 65 anos. O grupo mais representativo, com 21,1%, tinha entre 46 e 55.
Twitter_Grafico02_Concordancia
Cerca de 64% afirmaram concordar com a frase “O PT quer implantar um regime comunista no Brasil”. Para 56%, o Foro de São Paulo – organização que reúne partidos de esquerda latino-americanos – quer criar uma ditadura bolivariana no país. Outras frases como “O PT trouxe 50 mil haitianos para votar na Dilma nas últimas eleições” e “Fabio Luiz Lula da Silva, o Lulinha, é sócio da Friboi” também são tidas como verdadeiras por mais de metade dos entrevistados. Trata-se de mentiras puras e simples, mas que podem ser encontradas em dezenas de sites, blogs, páginas do Facebook construídas pelos novos círculos de direita. “A minha hipótese é que a descrença nas instituições que se vê na pesquisa – os manifestantes não confiam em ninguém, nem nos partidos, nem nos movimentos, nem nas ONGs, nem na imprensa – resulta numa espécie de revolta antipolítica, um pouco niilista”, analisa Pablo Oretalldo. “Há uma explicação antipolítica para o funcionamento do mundo: são pessoas juntando as coisas de uma maneira excessivamente simples, tentando explicar fenômenos complexos. Só que fazendo isso com descrença e sem apoio na imprensa, por exemplo, o que significa sem apoio nos mecanismos da imprensa que são a verificação dos fatos, a apuração do contraditório.”
Para ele, os novos meios digitais criaram as condições para dispensar os meios tradicionais – para o bem e para o mal. “É como se a utopia do faça você mesmo, do seja você mesmo a mídia dos movimentos de comunicação alternativa tivesse se convertido no seu oposto, num pesadelo no qual as pessoas se informam para reforçar ideias preconcebidas, sem verificar os fatos, sem escutar o outro lado e, sobretudo, sem refletir.” Entre os entrevistados, 26,6% dos manifestantes disseram confiar “muito” nos conteúdos compartilhados via WhatsApp. O índice de confiança sobe para 47,3% quando a rede social é o Facebook.
“Outro elemento é a forma do ódio que se expressa na contundência da análise. Chamou muito a atenção que o Paulo Henrique Amorim, por exemplo, seja tão popular entre eles – não é o conteúdo, não é a posição política, mas a forma contundente de expressão que casa com essa disposição antipolítica desses novos movimentos conservadores.”
Olavo_Carvalho23_LivroOlavo foi um dos primeiros a entender a redeFundado em 2002 por Olavo de Carvalho, o site Mídia sem Máscara representou um passo importante – e uma grande sacada – na carreira daquele que seria o grande precursor da nova geração de direita na rede. Desde 1998, ele passou a juntar no site olavodecarvalho.org todos os textos de sua autoria, na época publicados por grandes veículos como Jornal da Tarde, Bravo!, Primeira Leitura, O Globo, Época, Zero Hora, Jornal do Brasil. Aos poucos, passou também a publicar na íntegra todas as entrevistas que dava e a usar seu blog como meio de “denúncia” de que seus textos eram “censurados” pelos jornais – ou seja, rejeitados pelos editores. Afinal, com o Mídia sem Máscara, abriu mão dos jornais e revistas e passou a denunciar o que chama de “esquerdismo” da cobertura tradicional e atacar a mídia incansavelmente.
Com 17 livros publicados, escritor contumaz com uma produção gigantesca de artigos, ensaios, entrevistas, palestras, Olavo de Carvalho construiu um memorial online de si mesmo e, muito antes do fenômeno dos haters da internet ser detectado, já havia arregimentado – e insuflado – o que chama de “antiolavismo”. Ao longo de seu percurso,contou com apoios de peso como o financiamento do Independent Republican Institute(IRI), ao site Mídia sem Máscara. Ligado ao partido republicano dos EUA, o IRI é conhecido pelo apoio a movimentos oposicionistas no continente. Foi o IRI, por exemplo, que ministrou “cursos de treinamento político” para 600 líderes da oposição haitiana antes do golpe contra Jean-Baptiste Aristide em 2004. Também foi palestrante da Atlas Foundation, em Washington, elogiado pelo presidente da entidade Alejandro Chafuen pelas “mais valiosas realizações que ele já tinha visto no campo da ciência política”, segundo o própriofez palestras em diversas edições do Fórum da Liberdade entre 2000 e 2005.
De filósofo erudito que atacava a obra de Marilena Chauí pelo seu estilo “elíptico” até autor de posts coléricos no Facebook como “Que pensar de pessoas que querem ensinar os meninos de escola a dar os cuzinhos e chupar picas desde a mais tenra idade, mas enrubescem, escandalizadas, e quase desmaiam de indignação tão logo ouvem um palavrão ou uma piadinha anti-PT?”, Olavo de Carvalho adaptou-se ao debate na rede e arregimentou seguidores influentes. Hoje, aos 67 anos, responde pessoalmente aos comentários na sua página de Facebook, que tem 150 mil seguidores, tem 6 mil seguidores no seu canal de YouTube, participa quinzenalmente de hangouts. Alguns dos principais “influenciadores” da internet hoje em dia, como Felipe Moura Brasil, orgulham-se de serem chamados de seus alunos. Olavo resume: “Minha esperança é que os meus alunos, com o tempo, consolidem um genuíno estilo brasileiro de alta cultura: inseparavelmente popular e erudito, engraçado até ao ponto de matar de rir, com clarões de lucidez escandalosa que parecem loucura à primeira vista. Sem folclorismos veados. Profundamente cristão sob uma aparência enganosamente obscena. Aristóteles no programa do Alborghetti. Cogito ergo Mussum. Isso há de acontecer, se Deus quiser”.
O papel de junho de 2013Para o sociólogo Manuel Castells, há elementos semelhantes entre os protestos de rua que ocorreram em 2015 e aqueles de 2013. “Ambos são movimentos em rede, espontâneos (ainda que haja intervenção de políticos), representativos dos novos tipos de movimentos sociais na sociedade de rede. Os dois concentram sua crítica na corrupção política de todo o sistema político. Mas são muito distintos. Pela composição de classe, popular em 2013 e de classe média-alta em 2015. Pela sua idade, muito mais jovem em 2013. Pela sua ideologia: crítica e antissistema em 2013; neoliberal, com alguma tendência golpista em 2015. E pelo seu objetivo: a mudança social em 2013. A diminuição da presidente e ataque à esquerda e ao PT, com apoio do PSDB, em 2015. Ideologicamente, portanto, são muito distintos.”
Porém, a análise do buzz na rede durante aqueles dias aponta no sentido contrário. Foi em junho de 2013 que “autoridades” de direita surgiram pela primeira vez como mobilizadoras na internet. “A partir do dia 17, que foi quando rolou aquela pancadaria, junho já estava em disputa. A análise da rede deles mostra que quem estava chamando era gente na raiz dessa direita”, explica Sérgio Amadeu. Entre as páginas que conseguiram atrair grande repercussão em seus posts, estudadas pela Interagentes, já aparecem nomes como A Verdade Nua e Crua, o Movimento Contra a Corrupção (MCC) e Quero o Fim da Corrupção – além do Anonymous Brasil, grupo que, diferentemente do movimento internacional, no Brasil propaga bandeiras de direita. “O discurso da direita manteve-se estável desde então”, diz Amadeu. “A direita gostou da rua”, complementa Tiago Pimentel, também da Interagentes. Páginas que propagam a luta contra a corrupção, como o MCC, cresceram exponencialmente durante os protestos. Aberta no começo de 2010, a fanpagedo MCC no Facebook tinha angariado alguns milhares de fãs até o início de 2013. Hoje, ela tem mais de 1,4 milhão. Em maio, um post propondo “Joaquim Barbosa para presidente em 2108” obteve mais de 124 mil compartilhamentos.
Hoje, a página do MCC no Facebook é um dos perfis mais influentes da rede conservadora, assim como o site Folha Política, ao qual é ligada. O site, que se diz de “jornalismo independente”, é especialista em usar o sensacionalismo como arma para fabricar “fatos” que, de tanto serem repetidos, passa a ser vistos como verdade. “Ministro de Dilma confessa a jornalista da Veja que PT quer promover guerra civil no país”, diz um vídeo postado no site. “Lula comemora e debocha da demissão de centenas de trabalhadores, revoltando internautas” é o título de outro vídeo, proveniente do canal de YouTube Ficha Social – o mesmo que tornou famoso Kim Kataguiri, a “cara pública” do Movimento Brasil Livre.
Tanto o site do MMC (contracorrucao.org), quanto o Folha Política foram abertos pelo bacharel em direito pela USP Ernani Fernandes Barbosa Neto, segundo revela uma pesquisa avançada de DNS. É impossível descobrir quem registrou ou sites através de uma pesquisa simples de domínio (Whois), porque todos pagam para ter os dados do fundador mantido em privacidade. Porém, o e-mail de Ernani Fernandes aparece como administrador do servidor principal de todos esses sites em pesquisas feitas com ferramentas como a “dig”, que pode ser consultada no site digwabinterface (veja aqui eaqui).
Ernani também aparece como administrador de outros sites antigovernistas que foram criados entre o começo de 2013 e o final de 2014, como Política na Rede (criado em 6 de agosto de 2013, tem quase 400 mil fãs no Facebook), Folha do Povo (criado em 26 de dezembro de 2013, tem mais de 93 mil mil seguidores no Facebook), Humor 13 (Criado em 30 de janeiro de 2014, conta com mais de 364 mil curtidas na fanpage) e Correio do Poder (Criado em 7 de setembro de 2014, tem mais de 55 mil seguidores).
Ainda em 2013, ele começou uma parceria com João Almeida Vitor Lima, o “João Revolta”, segundo uma entrevista dada por este ao canal Youpix. Procurado por e-mail pela reportagem, Ernani não respondeu à mensagem.
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Formado em Rádio pela Faculdade de Belas Artes, João Revolta credita à parceria com Ernani Fernandes o crescimento do seu canal do YouTube, que hoje conta com mais de 38 mil inscritos, 3,5 milhões de seguidores no Facebook e uma produção para lá de intensa – e cara. Ernani dirigiu e fez o roteiro de uma série de vídeos do TV Revolta, enquanto dirigia também vídeos do canal Confronto Entrevistas no YouTube, uma espécie de “talk show” que tinha João Almeida como apresentador. Boa parte da produção conjunta, no entanto, não pode ser mais acessada, pois o canal original TV Revolta foi suspenso do YouTube em março de 2014 depois de diversas denúncias de usuários. Pouco depois, estava no ar o canal TV Revolta. Durante as eleições, João aumentou significativamente as postagens no seu site tvrevolta.com.br: em vez de 2 ou 3 posts, como costuma fazer, ele conseguiu postar 20 novos posts a cada mês, sempre com base em vídeos – a grande maioria produzidos pelo canal Ficha Social. Seu último vídeo próprio, criticando a entrevista de Dilma a Jô Soares em 12 de junho deste ano, foi assistido por mais de 500 mil pessoas.
Para alcançar tamanha popularidade, a página da TV Revolta no Facebook apela aos temas que viralizam. Um post com diversas fotos de cachorros em que estava escrito “vira-latas não são lindos, feio é o seu preconceito” chegou a ter 21 mil compartilhamentos e 77 mil curtidas. Além dos ataques pessoais centrados em Dilma e Lula, posts satíricos contra a Copa, críticas à TV Globo, imagens de autoajuda, citações filosóficas e campanhas pelo direito dos animais também estão entre as postagens que fizeram dela um fenômeno nas redes. “A filosofia de João Revolta é usar a linguagem informal para atrair o telespectador. Para representar a raiva, João Revolta usa uma mesa e diferentes artefatos, usados para quebrar objetos durante a gravação dos vídeos”, explicou João Almeida na entrevista ao Youpix. “O objetivo do canal TV Revolta e da página TV Revolta no Facebook sempre foi e sempre será dar voz ao povo ignorado pelas mídias tradicionais.”
Como muitas “sub-redes” ou clusters, as páginas ligadas a João Almeida e Ernani Fernandes ganharam proeminência ainda maior durante a eleição, tendo sido fundamentais nos movimentos pós-eleição. A Pública entrevistou jornalistas que trabalharam nas três campanhas e especialistas em marketing digital, além dos coordenadores das três principais campanhas à Presidência, para ouvir sua avaliação daquela que ficou conhecida como a campanha mais agressiva nas redes.
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Xico Graziano. Foto: Reprodução/PSDB-PA.
Um exército de robôsEx-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, o tucano Xico Graziano, responsável pela coordenação das redes de apoio e mobilização online da campanha de Aécio Neves, observou de perto o crescimento dos grupos conservadores durante a campanha eleitoral. Tanto que credita a eles boa parte do que ele considera ter sido uma vitória de Aécio na internet. “Cá entre nós, hoje em dia nenhum partido político tem prestígio entre os jovens. Nenhum. Então, não tínhamos ilusão, nem tive nunca ilusão sobre isso”, explica. “Nós contamos com grupos muito importantes que faziam apoio no segundo turno à candidatura do Aécio e que eram muito articulados em rede, que estão aí até hoje. Era um pessoal contra o PT, obviamente eles ajudaram muito na campanha e nós fomos capazes de nos articular a esses grupos. Não fomos só nós, houve uma conjunção de forças contra o status quo, contra o PT, que a campanha do Aécio capitalizou.” Xico Graziano vê com bons olhos o crescimento da organização de direita na internet. “Esses grupos conseguiram articular uma direita que existe no Brasil. Isso é muito bom. Do ponto de vista democrático, é importante as coisas estarem mais claras. E aí você vê a predominância do Bolsonaro, do Caiado, como representantes políticos desses grupos. Mas ao mesmo tempo esses grupos acabaram diminuindo um pouco de tamanho. Porque eles se caracterizaram como grupos de direita e, na campanha, cresceram mais do que isso porque eram contra o PT. Ser contra o PT aglutina mais gente do que ser de direita e defender teses de direita radical.”
Já Leandro Fortes, que coordenou as páginas sociais de Dilma Rousseff e do PT, ataca fortemente o crescimento desses grupos, a quem atribui, ao lado da campanha de Aécio, uma série de boatos contra a atual presidente. “O grau de virulência contra Dilma também se explica por outro elemento, velho em si, mas que só agora também começou a aparecer sem disfarces nas eleições: o machismo”, diz. “Com a ajuda da mídia e sem pudor algum, montou-se uma estrutura de assassinato de reputação, difamação e calúnia em torno da candidatura de Aécio Neves para detonar Dilma e o PT nas redes.”
Por seu lado, a campanha de Dilma é tida por Caio Túlio Costa e Stephanie Jorge, coordenadores da campanha de Marina Silva, como a mais agressiva nas redes. “A determinação do PT em ‘desidratar’ ou ‘desconstruir’ a candidata Marina se fez na própria internet, dada a facilidade do uso do anonimato, pseudônimos e robotização nas redes. Marina foi vítima da mais sórdida campanha de boatos que se pode fazer online, na televisão e no boca a boca. Esse discurso mais agressivo – e muitas vezes de ódio – está presente na rede, nas manifestações de rua, nas manifestações sindicais, nas manifestações dos movimentos sociais. Virou uma questão político-cultural, e, acreditamos, sua existência está nas lides do PT – talvez em reação ideológica a um contradiscurso que, já em si, também tinha os germes deste ódio.”
Xico Graziano assume que a campanha do PSDB também usou fakes e robôs, um expediente que, segundo ele, é amplamente utilizado na publicidade e foi importado para a campanha de 2014. “Todas elas usaram esses artifícios”, diz. “Eu fiquei meio decepcionado. Na campanha de todo mundo, você tinha muito disso, era robô retuitando. De repente você tinha um tuíte, você tinha mil retuítes, tava na cara que aquilo lá era falso. Era robotizado pra você entrar nos trending topics. Aí você tuitava os trending topics, aí todo mundo, uau!, soltava foguete, comemorava o sucesso, e não servia para nada”, diz. Ele nega ter usado essas estratégias na sua equipe, que, segundo diz, focou o trabalho também no engajamento offline. ”Hoje o que a gente percebe são dois movimentos que o meu grupo criticou na campanha. O publicitário vê a internet como meio de propagar mensagem. Então, quase usando como televisão, daqui pra lá, só. E os ‘experts de redes’ acham que importante é você criar audiência. Então você bota robô, bota um monte de coisa pra dizer ‘ah, meu Twitter tem 50 mil, tem 20 mil’, com fake, com tudo, mas não traz engajamento. Você traz potência. Coisa que as empresas gostam de pagar. E pagam caro por isso.”
De fato, robôs que ajudam na indexação do Google, fábrica de likes e perfis fake são hoje de uso comum na promoção digital de empresas, segundo conta Cassio Politi, diretor da Tracto, uma agência de “content marketing” – o que ele considera uma “má prática” do mercado. “Você pode pagar para ter 1 milhão de views no YouTube. Você paga US$50 para um carinha que tem milhares de perfis fake no YouTube, Twitter e Facebook ver seus vídeos. E o Facebook, hoje, é uma grande loja de likes. Se você tem um número grande de visualizações, depende 20% da qualidade do conteúdo e 80% do quanto você pagou para o Facebook para promover o conteúdo”, diz. Algumas agências, conta, criam perfis de “reserva” nas redes, para serem acionados quando há uma novidade sobre a marca. “A técnica é fazer os comentários positivos logo de cara, porque eles entendem que os primeiros vão dar o tom do discurso dos demais.”
A Pública conversou com integrantes das três campanhas, que produziram conteúdos, fizeram monitoramento e denúncia de boatos e administraram páginas anônimas para entender os bastidores da batalha suja que tomou conta das redes sociais – e que ecoa até hoje. Todos pediram anonimato e serão aqui apresentados sem indicação de cargo ou local.
“Foi a eleição do marketing do robô. Era uma quantidade absurda dos dois lados”, diz uma jornalista que já trabalhou em diversas campanhas petistas e esteve envolvida em uma campanha para governador. “Foram milhares de perfis falsos, usados para retuitar posts da campanha oficial, dando a impressão de popularidade.”
Ela afirma que a “intervenção” a partir de perfis fake no Facebook começa com o monitoramento. “O monitoramento detecta que tem muita gente metendo o pau no candidato na parte de comentários de um site ou pelo Twitter. Daí pensamos: que pessoa daria credibilidade para essa discussão? Porque não pode ser qualquer um. Por exemplo: uma professora de 30 anos que faça um discurso equilibrado. Ela sempre pondera os dois lados, mas depois defende no discurso o nosso lado. Ou, então, pondera para depois mudar de lado ao longo da campanha.” Ela diz que, para conseguir uma foto para o perfil, a equipe costuma buscar imagens na internet. “Umas fotos antigas, que não se pareça mais com a pessoa. E um Photoshop resolve isso.” É também importante pensar nas demais características que correspondam ao personagem ou “persona”, outro jargão do mercado. “Ela tem que ter o conjunto completo do perfil: a profissão, que livros leu. Aí você vai curtindo coisas ali pra ela. Você, em duas horas, cria um perfil de uma pessoa”, diz ela. Em uma campanha, as equipes dedicadas a isso chegam a ter 20 pessoas. O intuito desses perfis é chamar atenção para um argumento a favor do candidato ou partido. “Você faz barulho, faz volume.”
Segundo ela, uma mesma pessoa consegue administrar cerca de seis perfis ao mesmo tempo e, muitas vezes, o conteúdo é preparado por uma equipe de comunicação. “O saco é que você tem que trabalhar em vários browsers ao mesmo tempo.”
Um membro da equipe digital de Aécio Neves revela que um dos grandes métodos dessa campanha foi o “aluguel” de perfis já famosos no Twitter – alguns com mais de 1 milhão de seguidores – que receberam dinheiro para passar a fazer comentários positivos sobre determinado candidato. O expediente é amplamente usado também pelas agências de publicidade que compram posts pagos, por exemplo, em blogs de determinado nicho – como o de moda ou culinária – ou em contas de Twitter dos famosos. “O pessoal veio oferecer perfis para mim. Ofereceram uma lista com vários, cem perfis, eram pessoas que já tinham perfis bombando.” Ele nega que tenha aceitado a oferta. Segundo ele, Aécio Neves – que manteve a própria equipe durante a campanha, encabeçada pelo mineiro Pedro Guadalupe (uma rápida pesquisa revela que ele possui domínios como dilmamente.com.br, dilmabolada.com.br, brasilpoder.com.br, dilmavez.com.br e mudamemso.com.br) – possui uma série de perfis fake próprios, que funcionam há alguns anos.
No Facebook, explica ele, o objetivo de criar perfis fake não é o mesmo dos robôs de Twitter. “Não são para disseminar histórias, mas para interagir. Isso funciona. Não é muito complexo elaborar esse perfil. Ele é feito muito mais para intimidar quem escreve do que para gerar votos. Ele tem um efeito psicológico forte em quem escreveu.”
Um integrante da campanha de Dilma Rousseff conta que administrava páginas populares no Facebook que traziam mensagens de apoio à candidata. “Todas essas páginas querem parecer que são feitas pela militância. Só que ninguém se dedica tanto de graça”. Ele trabalhava até dez horas por dia, em parceria com um designer, para produzir posts que ressaltavam notícias positivas sobre a candidata, ou negativas sobre os oponentes. “Vinham orientações gerais da campanha sobre o que se devia atacar ou ironizar em cada um dos oponentes”, explica. “O lance é: você não fala o tempo todo daquilo que você quer falar; você cria coisas que fazem sucesso para depois colocar o que você quer.” Para mascararem a origem das postagens, esses funcionários das campanhas usam o VPN, um serviço pago que dificulta a identificação do IP da conexão de rede. Enquanto serviço não é oferecido pela empresa, geralmente uma agência de publicidade ou assessoria de imprensa, eles têm que buscar locais onde possam acessar a internet sem ser identificados. ”Eu cheguei a fazer postagens petistas de um café evangélico”, afirma. O entrevistado diz que se decepcionou com a presidente – em quem votou – pelas ações tomadas quando eleita. Mas sua decepção vai além: apesar de “ter se divertido” ao criar conteúdo viral na campanha, acredita que o seu trabalho ajudou a empobrecer o debate. “Eu criei críticas muito vazias para ganhar audiência. Você usa clichês muito idiotas. Por exemplo, usar o termo ‘coxinha’. Acho muito ruim.”
Para o professor Fábio Malini, “o efeito dos bots no Brasil foi aumentar a temperatura do debate eleitoral”. Ele explica que a motivação emocional se dá em rede em torno da velocidade da publicação de muitas mensagens. “Quando a velocidade aumenta, mil tuítes a cada minuto, isso só vai aumentando o nível de ansiedade em torno daquele tema. Isso provoca no usuário essa movimentação toda na timeline, cria um efeito imediato, provado em estudos do próprio Facebook, de criar um engajamento maior”. Para ele, os perfis faketiveram na última campanha o papel de “gerar emoção” na política. “A gente está vivendo uma experiência política que é nova na nossa experiência moderna: a emoção na pauta política.” Porém, ele alerta que o Facebook de 2015 não é o mesmo de 2013 “Antes a organicidade era muito grande. A Mídia Ninja por exemplo se irradiava a muitos usuários. No final de 2014, o Facebook decidiu que só vai ter mídia orgânica quem paga. Logo o Facebook se tornou uma máquina na qual quem tem grana consegue propagar sua informação pra mais gente. Criou-se o abuso de poder econômico”.
O uso de fakes durante as eleições é ainda mais cercado de tabu porque é proibido fazer propaganda eleitoral paga na internet. O que deixa de fora do debate atual esse importante elemento, um dos grandes legados da eleição: a robotização da disputa política. “Isso é muito danoso à democracia. É o poder do mais forte, aquele que tem dinheiro para gerar a detratação do oponente, para criar campanha e tendência”, diz Malini. “A nossa hipótese, no Labic, infelizmente se realizou: hoje bots servem tanto para a direita quanto para a esquerda, e são usados em diversas causas também fora da campanha eleitoral.”
Foram estruturas como essas que trouxeram à tona boatos contra candidatos e até outros membros das campanhas, tendo um impacto que vai além dos votos. Muitos dos boatos seguem online e são reativados de tempos em tempos, mobilizam os seguidores de esquerda e de direita e são tidos como verdade, como comprovou o levantamento de Pablo Ortellado.
Um dos boatos mais marcantes da campanha de 2014 dizia que o doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, teria sido envenenado pelo PT. O boato surgiu após Youssef ter sido internado no hospital, no dia 25 de outubro, véspera do segundo turno. A primeira menção a envenenamento, às 18h45, veio em um perfil de Twitter que até hoje é usado sistematicamente para retuitar menções contra o governo. A seguir, os perfis que apoiavam a eleição de Aécio passaram a repercutir o boato – incluindo desde perfis menos conhecidos como @esperancaetica até o Twitter do Lobão. Um tuíte que teve repercussão foi o do dr. Angelo Carbone, um advogado de São Paulo que se dedica a fazer campanha antigoverno no Twitter.
Twitter_Angelo_Carbone_YoussefA campanha de Marina Silva encontrou uma boataria orquestrada dizendo que ela iria acabar com o Bolsa Família quando eleita. Dilma chegou a mencionar em um discurso em São Paulo que o Bolsa Família poderia acabar “se eles forem eleitos”. A campanha oficial na tevê criticou a ligação com Neca Setúbal, herdeira do Banco Itaú e coordenadora da campanha de Marina Silva, afirmando que a candidata pretendia entregar o poder aos banqueiros. “Os banqueiros assumem um poder que é do presidente e do Congresso”,dizia o vídeo.
Já o portal Brasil 29 – que hoje traz notícias como “Venezuela: câmeras filmam interior do ônibus e mostra cagaço tucano” – foi criado em outubro do ano passado. Em plena corrida eleitoral, no dia 10 de outubro, postou um texto falando do aeroporto de Cláudio, que pertence ao tio de Aécio Neves. Só voltou a postar em novembro.
O ativista e estudioso da cultura digital Marcelo Branco, que já foi ele mesmo alvo de boatos em 2010, quando coordenou as redes sociais da então candidata Dilma Rousseff, critica a campanha de 2014. “As redes sempre foram espaço de divergência, de posições totalmente antagônicas, mas no final o objetivo era fazer uma síntese disso. Hoje em dia, é todo mundo se xingando o tempo inteiro. As campanhas eleitorais são hoje um momento da despolitização da política.” Um boato que segue recorrente utilizou o nome WikiLeaks para atacá-lo: dizia que ele, com hackers famosos e o Lula, planejaram desde 2005 uma fraude nas urnas eletrônicas. Foi publicado no site falso do WikiLeaks em 2010 e neste ano foi republicado na página do Facebook Revoltados Online. “Uma calúnia ‘investigativa’ inacreditável. Mas o pior é que a maioria que lê aquilo acredita.” Ainda hoje, a hipótese de que houve fraude nas urnas eletrônicas mobiliza as redes de direita. Marcelo Branco foi ainda alvo de boatos pessoais envolvendo sua falecida esposa em 2010. “Foi uma coisa que me fez nunca mais querer fazer campanha política”, diz.
Após a batalha final, restam os robôsAcabada a disputa eleitoral – “campanha é guerra”, disse um membro da campanha petista à Pública–, sobram os destroços. Sites como Plantão BrasilPortal MetrópoleBrasil 29Correio do PoderFolha PolíticaAlerta Total e páginas no Facebook como O Exército das EstrelasPô, Serra! e Soldadinho de Chumbo continuam ativos, produzindo muito conteúdo duvidoso. “A partir de novembro, as redes sociais pró-Dilma foram murchando até serem quase extintas. Principal vetor de propagação do projeto dilmista nas redes, o site Muda Mais acabou. Os robôs que atuaram na campanha foram desligados e a movimentação dos candidatos do PT foi encerrada”, avaliou o ex-ministro da Comunicação Thomas Traumann, em relatório interno que foi vazado para a imprensa. “A tática do PSDB foi exatamente a oposta. Cerca de 50 robôs usados na campanha de Aécio continuaram a operar mesmo depois da derrota de outubro. Isso significou um fluxo contínuo de material anti­Dilma, alimentando os aecistas e insistindo na tese do maior escândalo de corrupção da história, do envolvimento pessoal de Dilma e Lula com a corrupção na Petrobras e na tese do estelionato eleitoral. Tudo com suporte avassalador da mídia tradicional. Simultaneamente, a partir do final de janeiro, as páginas mais radicais contra o governo passaram a trabalhar com invejável profissionalismo, com uso de robôs e redes de Whatsapp”.
A Pública conseguiu localizar alguns robôs e fakes de Twitter usados na campanha eleitoral que seguem bastante ativos. Alguns perfis fake ganharam notoriedade e fazem parte dos círculos de direita, como @Protest_A, que possui um blog com apenas duas postagens e uma página de Facebook que não existe. Outros são absolutamente automatizados, apenas retuitando links a partir de palavras-chave, como @brasil_levanta, criada em maio de 2013, e @BR45IL100PT. A @br45ilnocorrupt, conta ligada à ONG Brazil no Corrupt-Mãos Limpas, que criou a campanha “Viva Bolsonaro” e agora capitaneia a campanha “Marcha do Panelaço – 7 de setembro”, tem uma óbvia automatização das postagens, que se repetem e reproduzem tuítes de um determinado número de perfis de direita como o de Lobão.
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Outros perfis mudaram de tema. Contas como @LaraFreittas_, @IvonePeixoto_, @BrunaSteffs e @Edenmoraes_, que compartilharam notícias favoráveis a Aécio Neves e seus aliados em estados como Espírito Santo e ajudaram a propagar hashtags #aecio45, #aecionaglobo #aecionarecord, #aeciopramudar, #corrupcaonapetrobras e #viradadoaecio, passaram a elogiar desbragadamente os novos lançamentos da Friboi, marca do grupo JBS, entre outras empresas.
A foto fake de Lara Freitas foi retirada deste perfil no Badoo, enquanto a de Bruna Sheffs foi retirada desta notícia, a de Ivone Peixoto desta entrevista e a de Eden Moraes deste perfil.
Perfis de grande impacto no debate atual carregam ainda a marca de terem sido “inflados” para passar a impressão de autoridade na rede. Assim, o perfil @Dilmabr, criado para a eleição, possui mais de 2,3 milhões de seguidores falsos – 63% do total – segundo uma autoria feita através do site Twitter Audit. Do mesmo modo, o perfil de Danilo Gentili, um dos mais importantes “influenciadores” de direita, possui mais de 6 milhões de seguidores falsos, 58% do total de 10,5 milhões. Cada auditoria do site recolhe uma amostra de 5 mil seguidores e verifica a quantidade de tuítes, a data do último tuíte e a relação de seguidores com interações. Não se trata de uma auditoria oficial do Twitter, mas a métrica dá um bom indício de contas que podem ter aumentado seus seguidores de maneira artificial.
“A internet evolui tecnologicamente e organizativamente”, analisa o sociólogo Manuel Castells. “Hoje em dia, tudo o que ocorre na sociedade se expressa na internet, a liberação e o terrorismo, o feminismo e o pornô, comércio de tudo e culturas alternativas. Tudo se expressa na internet e é decisivo para qualquer projeto, negócio ou atividade. Portanto, é normal que haja fortes campanhas de direita, financiadas por grupos internacionais conservadores como as Indústrias Koch, presentes no Brasil; que isso ocupe espaços na internet e que, como tem mais dinheiro, tenha mais atividade”, diz o sociólogo. “Além disso, o surgimento de robôs é uma mudança fundamental. Mas há uma diferença. Os grupos poderosos têm dinheiro e poder institucional e têm tudo, televisão, jornais, internet e qualquer meio de comunicação de massa. Mas os movimentos críticos somente têm a internet, com algumas exceções. Por isso, a defesa da liberdade na internet e a utilização da internet são essenciais para os movimentos críticos ao sistema.”
Castells conclui: “O que é certo é que a comunicação dos jovens passa pelas redes sociais, e por isso os partidos e movimentos de todo tipo intervêm nas redes sociais, porque a única coisa segura sobre o futuro é que são os jovens de hoje que o farão. Quem mais influenciar a mente dos jovens no espaço da comunicação construirá as bases do poder – conservador, reformista ou revolucionário – no Brasil”.