terça-feira, 19 de abril de 2016

Após golpe, Eduardo Cunha deve ser anistiado por seus pares

Réu na Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal e acusado por vários delatores de ter recebido propina no escândalo de corrupção, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), reforçou o apoio na Casa contra seu processo de cassação no Conselho de Ética após a abertura do impeachment de Dilma Rousseff.
“O juízo da casa é um juízo político, de conveniência e oportunidade”, afirma o deputado Osmar Serriglio (PMDB/PR), em entrevista ao El País, para quem o processo no Conselho “não vai dar em nada, uma vez que o Cunha tem maioria lá”. Para seus aliados, a punição por ter omitido suas contas no exterior é exagerada.
Paulinho da Força (SDD/SP), um dos maiores defensores de Cunha, foi mais explícito: “ele ganhou força, graças a ele o impeachment passou”. Para o deputado Chico Alencar (PSOL/RJ), a operação abafa para salvar o mandato do presidente da Casa já era prevista (leia aqui).

O que pesa contra Temer na Lava-Jato

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Eduardo Cunha entrega a Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados 2015 a Michel Temer. Foto: Gustavo Lima / Câmara dos Deputados.
O substituto de Dilma teve seu nome citado diversas vezes no escândalo de corrupção.
No domingo, dia 17/4, a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Por 367 votos a 137, os deputados entenderam que as acusações de crime de responsabilidade procedem e impedem Dilma de continuar a governar.
O vice-presidente Michel Temer, que deve assumir a presidência da República caso o Senado confirme a decisão da Câmara, não deve ter vida fácil, entretanto. Ao contrário de Dilma, ele é citado como beneficiário nos escândalos de corrupção investigados na Lava-Jato.
Em planilhas apreendidas pela Polícia Federal na casa de um executivo da Camargo Corrêa, Temer é citado 21 vezes entre 1996 e 1998, quando era deputado pelo PMDB, ao lado de quantias que somam US$345 mil. A investigação ocorreu em 2009, durante a Operação Castelo de Areia, cujo alvo era a empreiteira, e apurava suspeitas de corrupção e pagamento de propina a políticos para obter contratos com o governo. Temer refutou as acusações e a Castelo de Areia não foi adiante.
Em 2014, a Operação Lava-Jato prendeu três diretores da Camargo Corrêa e descobriu uma nova planilha que também apontava para Temer e políticos tucanos. O documento relaciona o vice-presidente a dois pagamentos de US$40 mil por projeto de pavimentação em Araçatuba e pela duplicação de uma rodovia em Praia Grande, cada um deles estimados em US$18 milhões.
Em 2015, Júlio Camargo, ex-consultor da empresa Toyo Setal, em acordo de delação premiada com a Lava-Jato, afirmou que o lobista Fernando Baiano era operador da cota do PMDB no esquema de corrupção da Petrobras, representando principalmente o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e Michel Temer.
No ano passado, o nome de Temer apareceu ligado também à OAS, ao lado de Eduardo Cunha e Renan Calheiros. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgou indícios de que Temer recebera R$5 milhões do dono da empreiteira, José Aldemário Pinheiro, condenado a 16 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
A suspeita partiu de conversas registradas no celular de Pinheiro, apreendido em 2014, em que Cunha questiona o empreiteiro por ele pagar os R$5 milhões a Temer de uma vez e adiar o repasse aos outros líderes do PMDB.
Essa foi uma das informações que fundamentou a ordem do Supremo Tribunal Federal à Polícia Federal para que fosse deflagrada a Operação Catilinárias, que atingiu as principais lideranças do PMDB, como Eduardo Cunha, Renan Calheiros, o senador Edison Lobão (MA) e os ministros Celso Pansera e Henrique Eduardo Alves.
Em fevereiro deste ano, o senador Delcídio do Amaral (MS), em acordo de delação premiada, envolveu Temer em um caso de aquisição ilícita de etanol por meio da BR Distribuidora, ocorrido entre 1997 e 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
No depoimento, Delcídio afirma que Temer chancelou a indicação de João Augusto Henriques e Jorge Zelada a cargos de direção da Petrobras; ambos foram condenados na Operação Lava-Jato, sendo que Henriques é apontado como principal operador do esquema e teria sido apadrinhado por Temer.

PDT expulsa deputados que votaram por impeachment

O PDT anunciou na segunda-feira, dia 18/4, a expulsão de seis deputados federais da legenda que votaram a favor do afastamento da presidenta Dilma Rousseff, durante sessão realizada ontem [17/4] na Câmara dos Deputados. A decisão do partido já havia sido anunciada em dezembro do ano passado, e confirmada sexta-feira, dia 15/4, em reunião da executiva nacional com integrantes da comissão de ética pedetista.
Dos 19 deputados do partido, 12 votaram de acordo com a orientação, um se absteve e seis se posicionaram à revelia, votando pelo impeachment. Foram expulsos: Mario Heringer (MG), Sérgio Vidigal (ES), Giovanni Cherini (RS), Flávia Morais (GO), Subtenente Gonzaga (MG) e Hissa Abrahão (AM). “Todos estão decepcionados e com muita raiva desses parlamentares”, afirmou o vice-presidente nacional da legenda, André Figueiredo.
Os parlamentares ainda poderão se defender no conselho de ética do partido, mas a decisão final deverá ser proferida no dia 30 de maio, em reunião no Rio de Janeiro. Deputados dirigentes estaduais devem ser destituídos imediatamente dos cargos, informa o partido. É o caso de Sérgio Vidigal, no Espírito Santo. Comissões provisórias presididas pelos infiéis também devem ser desmanchadas, o caso de Minas Gerais e Amazonas, presididas por Heringer e Abrahão, respectivamente.
“Os parlamentares do PDT que se sentirem pessoalmente constrangidos a votar contra o impeachment, poderão se abster. Ou fazer declaração pessoal a favor do voto, mas votando contra de acordo com determinação do diretório nacional”, disse o presidente do partido, Carlos Lupi, antes da votação. Na ocasião, Lupi ainda afirmou: “Não há nenhuma chance de o partido participar de um eventual governo Michel Temer”. “Nós combatemos o golpe. Como poderíamos ficar a favor do capitão do golpe?”, questionou.
Em contrapartida, o deputado Abrahão afirmou estar surpreso com a posição rigorosa do partido. “Vou fazer minha defesa. Não acho justo que eu seja punido de forma tão sumária, então acredito que isso possa ser conversado e repensado pela executiva nacional”, disse.

Viradas de casaca mudam placar do impeachment, mas não alteram tendência

Maior caso de infidelidade na votação de plenário ontem [17/4] ocorreu no PR, que orientou pela votação contra o impeachment, mas 26 parlamentares não seguiram o partido
A votação da admissibilidade do impeachment ontem [17/4] na Câmara dos Deputados, por 367 votos a favor e 137 contra (mais duas faltas e sete abstenções), poderia ter sido diferente no placar se parte dos deputados tivesse seguido as orientações de seus partidos e não tivesse “virado a casaca” na última hora. Isso, no entanto, não garantiria a reprovação do impeachment, já que, como se pode verificar na relação abaixo, as viradas de casaca a favor e contra o governo se equivalem: 32 foram contra o governo e 35 a favor.
No exemplo mais gritante de infidelidade partidária, o PR, que é da base aliada, orientou seus 40 parlamentares a votar contra o impeachment, mas 26 deles votaram a favor, incluindo o deputado Tiririca (SP), maior celebridade do partido.
A infidelidade partidária no Brasil não traz maiores consequências. A Lei 9.096/95, sobre a organização dos partidos, prevê o estabelecimento de normas de fidelidade, mas a falta dela não implica perda de mandato ou outras sanções.
Confira na relação abaixo as viradas de casaca que marcaram a votação de ontem [17/4]:
VIRADAS DE CASACA QUE PREJUDICARAM O GOVERNOPRPartido orientou a votar contra. Mas dos 40 deputados, 26 votaram a favor.
Adelson Barreto (SE)
Alexandre Valle (RJ)
Alfredo Nascimento (AM)
Anderson Ferreira (PE)
Bilac Pinto (MG)
Cabo Sabino (CE)
Capitão Augusto (CE)
Christiane Yared (PR)
Delegado Edson Moreira (MG)
Delegado Waldir (GO)
Giácobo (PA)
Dr. João (RJ)
Jorginho Mello (SC)
Laerte Bessa (DF)
Luiz Claudio (RO)
Luiz Nashimori (PR)
Magda Molfatto (GO)
Marcelo Álvaro Antônio (MG)
Marcio Alvino (SP)
Maurício Quintella (AL)
Miguel Lombardi (SP)
Milton Monti (SP)
Paulo Feijó (RJ)
Paulo Freire (SP)
Remídio Monai (RR)
Tiririca (SP)
PDTPartido orientou votar contra. Dos 19 deputados da bancada, 6 votaram a favor.
Giovani Cherini (RS)
Flávia Morais (GO)
Hissa Abrahão (AM)
Mário Heringer (MG)
Sérgio Vidigal (ES)
Subtenente Gonzaga (MG)
VIRADAS DE CASACA QUE AJUDARAM O GOVERNOPMDBPartido orientou votar a favor. Dos 67 deputados, sete votaram contra e um se absteve.
Celso Pansera (RJ)
Elcione Barbalho (PA)
João Marcelo Souza (MA)
Leonardo Picciani (RJ)
Marcelo Castro (PI)
Simone Morgado (PA)
Valtemir Pereira (MT)
PPBancada orientou a votar a favor. Dos 45 deputados, 4 votaram contra.
Macedo (CE)
Roberto Brito (BA)
Ronaldo Carletto (BA)
Waldir Maranhão (MA)
ProsBancada orientou a votar a favor. Dos 6 deputados, 2 votaram contra.
George Hilton (MG)
Odorico Monteiro (CE)
PSBBancada orientou a votar a favor. Dos 32 deputados, 3 votaram contra.
Bebeto (BA)
César Messias (AC)
Janete Capeberibe (AP)
PSDBancada orientou a votar a favor. Dos 37 deputados 8 votaram contra.
Antônio Brito (BA)
Domingos Neto (CE)
Fernando Torres (BA)
Fábio Mitidieri (SE)
Irajá Abreu (TO)
José Nunes (BA)
Paulo Magalhães (BA)
Sérgio Brito (BA)
PTdoBBancada orientou a votar contra. Dos 3 deputados, 2 votaram a favor.
Cabo Daciolo (RJ)
Luis Tibé (MG)
PTBBancada orientou a votar a favor do impeachment. Dos 20 deputados, 6 votaram contra.
Adalberto Cavalcanti (PE)
Arnon Bezerra (CE)
Capitão Fábio Abreu (PI)
Paes Landim (PI)
Pedro Fernandes (MA)
Zeca Cavalcanti (PE)
PTNBancada orientou a votar a favor do impeachment. Dos 12 deputados, 4 votaram contra.
Aluísio Mendes (MA)
Bacelar (BA)
Jozi Araújo (PA)
Ricardo Teobaldo (PE)

De 21 deputados investigados na Lava-Jato, 16 apoiaram impeachment

Dos 21 deputados federais atualmente com mandato na Câmara e que são alvo de investigação no STF (Supremo Tribunal Federal) em decorrência da Operação Lava-Jato, 16 votaram a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, quatro foram contrários e um não compareceu à sessão.
Entre os deputados investigados pela Lava-Jato, o mais atacado ao longo de toda a sessão pelos integrantes do bloco governista foi o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ). O deputado Glauber Braga (PSOL/RJ), por exemplo, o chamou de “gangster” no momento em que foi votar contra o impeachment, enquanto Sílvio Costa (PTdoB/PE) o qualificou de “bandido”.

Impeachment de Dilma ameaça democracia e segurança jurídica da região

A União de Nações Sul-Americanas (Unasul) declarou na segunda-feira, dia 18/4, que o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff “pode chegar a afetar seriamente a democracia regional e a segurança jurídica do hemisfério”.
Para a organização, a decisão tomada na noite de domingo pela Câmara de Deputados do Brasil, favorável por 367 votos a 137 ao prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, “constitui um motivo de séria preocupação para a região”.
“A decisão de continuar o processo de destituição da presidente Dilma Rousseff, sem que tenha existido indício ou discussão aprofundada durante o debate sobre os supostos delitos, constitui um motivo de séria preocupação para a região”, declarou o órgão por meio de um comunicado divulgado em seu Twitter oficial e em seu site.
A Unasul afirmou ainda que confia no Senado brasileiro para deter o processo.
“A eleição democrática e majoritária de Dilma Rousseff não pode ser derrubada em um julgamento por uma maioria parlamentar a menos que exista uma prova que a vincule de maneira direta com a prática de um delito comum, o que até o momento não ocorreu”, segue a nota.
Na última semana, o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, declarou ser contrário ao processo que está sendo conduzido contra Dilma. Ele afirmou que a destituição da presidente por “supostas falhas em atos de caráter administrativo levaria à perigosa criminalização do exercício do governo por razões de índole simplesmente políticas”.
Após a decisão da Câmara, cabe agora ao Senado formar uma comissão para analisar o pedido de impeachment, que depois deve seguir para o plenário, onde a aprovação por maioria simples afastaria Dilma do cargo por até 180 dias e alçaria Michel Temer à presidência interina. Nesse caso, ocorrerá um julgamento no Senado sob o comando do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Ricardo Lewandowski, em que é necessária a maioria de dois terços dos senadores para que Dilma sofra o impeachment.
Leia a íntegra do comunicado:
A decisão adotada ontem [17/4] pela Câmara dos Deputados de continuar o processo de destituição da presidente Dilma Rousseff, sem que tenha existido indício ou discussão aprofundada durante o debate sobre os supostos delitos, constitui um motivo de séria preocupação para a região.
A eleição democrática e majoritária de Dilma Rousseff como presidente constitucional não pode ser derrubada em um julgamento por uma maioria parlamentar a menos que exista uma prova que a vincule de maneira direta e dolosa com a prática de um delito comum, o que até o momento não ocorreu.
Confiamos que o Senado Federal, atuando em consciência como juiz e depois de avaliar a firmeza e pertinência legal das provas levadas, detenha esse processo que pode chegar a afetar seriamente a democracia regional e a segurança jurídica do hemisfério.
Quito, 18 de abril de 2016

Derrota de quem?

Apenas olhe para ontem [17/4] e veja com quem você esteve na Câmara dos Deputados.
Ouça o discurso daquelas pessoas que disseram “sim”, vislumbre a indigência de suas posições, as falas desarrumadas de cretinos com fitas verdes e amarelas, símbolo de um patriotismo senil.
Preste atenção na voz embargada daqueles e daquelas canalhas, daquela gente corrupta escondida sob o manto da hipocrisia, por Deus, pela família, pela netinha que ainda não nasceu.
Ouça a cantilena do passado, dos políticos forjados na fisiologia, no desvio de verbas, no crime de mando, no servilismo a coronéis, no desprezo pela coisa pública.
Sinta – e ainda é possível sentir – o quão repugnante é presenciar a usurpação pura e simples da democracia por um bando de estafetas da política paroquial mais baixa, anões morais comandados, cinicamente, por um amoral banhado pela sujeira da corrupção.
Ouça os tambores das tropas fascistas que ressoaram quando o nome de Brilhante Ustra foi citado, uma besta fera que enfiava as próprias filhas no porão para brincar com mulheres recém-torturadas, a fim de gozar de suas reações.
Coloque-se, ainda que por um instante, no lugar de Dilma Rousseff, uma mulher que sequer foi julgada pelos erros que essa mesma gente alega que ela cometeu.
Uma mulher honesta, íntegra, julgada por um covil chefiado por um corsário da política.
Uma mulher que foi julgada pelo que representa, e não por aquilo que fez ou deixou de fazer.
Uma mulher que, entre outras coisas, acabou perseguida por isso mesmo.
Por ser mulher.
Agora, abra os olhos nessa manhã de segunda-feira, e me diga:
Quem foi derrotado?
#ALutaContinua

20 anos: O massacre em Eldorado de Carajás e a luta pela democracia

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Completam-se no domingo, 17 de abril, 20 anos do massacre de Eldorado de Carajás, no sul do Pará. A data, que coincide agora com a votação do impeachment pelo plenário da Câmara Federal, gerou o Dia Internacional da Luta Camponesa e permanecerá por longos anos gravada na memória dos movimentos sociais do Brasil e de todo o mundo.
Naquele dia, em 1996, a Polícia Militar do Pará, então governado pelo tucano Almir Gabriel, assassinou, a sangue frio e com requintes de crueldade, 19 militantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) que lutavam pela reforma agrária. O Palácio do Planalto estava ocupado por outro fundador do PSDB, o senhor Fernando Henrique Cardoso, mestre da privataria tucana, empenhado em aplicar a indigesta receita neoliberal que fez o país quebrar três vezes, sendo o comando da economia transferido ao FMI.
ImpunidadeO número de vítimas se elevou a 21 após a morte de outros três militantes, gravemente lesados durante o massacre, que deixou 69 trabalhadores e trabalhadoras rurais feridos. Os principais responsáveis pelo crime, a começar por Almir Gabriel e seu secretário de Segurança, Paulo Câmara, que autorizou e ordenou o uso da violência, sequer foram processados. Até hoje, duas décadas depois, prevalece a impunidade.
A Justiça promoveu um simulacro de julgamento em Belém, que livrou a cara da maioria dos assassinos. Nada menos do que 150 policiais participaram do crime, mas apenas dois, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram condenados à prisão em maio de 2012, 16 anos depois, graças à pressão de organizações democráticas nacionais e estrangeiras. Latifundiários da região são acusados de terem pago os chefes da PM pelo massacre.
Violência e impunidade caminham de mãos dadas e fazem parte do cotidiano no campo brasileiro. Estimulada pela impunidade a violência não cede e, pelo contrário, tem crescido de forma assustadora. Segundo dados da Comissão Pastoral pela Terra divulgados nesta sexta, 15, no ano passado “50 pessoas foram assassinadas no campo, o maior número de vítimas desde 2004, e 39% a mais do que em 2014, quando foram registrados 36 assassinatos”.
“Como em anos anteriores”, assinala o relatório da CPT, “a violência se concentrou de forma, pode-se dizer espantosa, na Amazônia, onde foram computados 47 dos 50 assassinatos – 20 em Rondônia, 19 no Pará, 6 no Maranhão, 1 no Amazonas, 1 no Mato Grosso –; 30 das 59 tentativas de assassinato; 93 das 144 pessoas que receberam ameaças de morte; 66 dos 80 camponeses presos. E ainda 20.000.853 dos 21.374.544 hectares em conflito. 527 dos 998 conflitos por terra também lá ocorreram, com destaque para o Maranhão com 120, 99 no Pará e 83 em Rondônia”.
Um retrato do EstadoO massacre de Eldorado do Carajás, com seus desdobramentos, é um retrato histórico do caráter de classes do Estado brasileiro, uma máquina repressiva que serve os interesses dos latifundiários, da grande burguesia e da aristocracia financeira internacional. Ou seja, de velhas classes dominantes que sempre foram avessas às liberdades democráticas e buscam criminalizar as lutas e os movimentos sociais, valendo-se da truculência policial e de uma Justiça complacente com os ricos e implacável com os pobres.
A eleição de Lula em 2002 não mudou este caráter reacionário, embora tenha inaugurado um novo tipo de relacionamento entre governo e movimentos sociais, pautado pelo diálogo e a democracia, bem como o reconhecimento e a legalização das centrais sindicais. Pois não é das entranhas deste mesmo Estado (um Parlamento conservador liderado por um notório corrupto, setores do Judiciário, do Ministério Público, Polícia Federal e TCU, em parceria com a mídia capitalista) que brotam as forças que conduzem o golpe do impeachment?
São personagens que têm total aversão aos pobres, preferem o cheiro do cavalo ao do povo e não reconhecem os trabalhadores e trabalhadores como seres humanos, negam-lhes o direito à cidadania e são visceralmente hostis aos movimentos sociais e suas conquistas. A persistência do trabalho escravo (não só no campo brasileiro, também no centro de São Paulo) é sintomática deste comportamento.
Para seu proprietário, o escravo era destituído de humanidade e direitos, era um mero instrumento de produção. O direito à cidadania do trabalhador livre dos nossos dias também não veio de mão beijada, é produto de muita luta. O capital transforma a força de trabalho em mercadoria e é como tal que o burguês enxerga o proletário moderno. Uma mercadoria especial, que ele oprime e explora para maximizar os lucros.
Barrar o golpeÉ preciso que a classe trabalhadora do campo e da cidade adquira consciência de que a infame oligarquia integrada por latifundiários, burguesia e aristocracia financeira internacional é quem está financiando e respaldando o golpe do impeachment em curso no Brasil. O alvo maior não é Dilma, nem mesmo Lula. São os direitos e conquistas do povo brasileiro: a valorização do trabalho, e em particular do salário mínimo; as políticas afirmativas para negros e mulheres; o combate à intolerância; o diálogo com os movimentos sociais; a CLT; o direito à greve; a democracia; a soberania nacional. O combate à corrupção não é mais que um cínico pretexto.
O objetivo dos oligarcas é o retrocesso social e político em todas as esferas. Para alcançá-lo, aqueles que ocupam o andar de cima da nossa sociedade sabem que precisam calar a resistência popular, aplastar os movimentos sociais e as forças progressistas, criminalizar suas lutas. Em poucas palavras, isto significa impor o autoritarismo.
Em memória das vítimas do massacre de 17 de abril, que tombaram na luta pela democratização da propriedade no campo, devemos multiplicar os esforços de conscientização e mobilização do valoroso e sofrido povo brasileiro para defender a democracia, a soberania nacional e os direitos sociais. Qualquer que seja o desfecho deste domingo não vamos baixar a guarda, pois a luta, como o tempo, não para. O golpe não passará.

A luta só começou

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A melhor saída vai ser as ruas.
A plutocracia venceu.
Quer dizer: por ora, venceu.
Uma Câmara eleita pelo dinheiro das grandes empresas decidiu cassar 54 milhões de votos.
A pior Câmara que o dinheiro pôde comprar decidiu por sabotar a democracia.
Corruptos abraçados a bandeiras brasileiras juraram em nome de Deus combater a corrupção, num espetáculo de cinismo brutal.
Não gosto de maniqueísmo, mas o fato é que o mal venceu. Não se pode classificar de outra forma um grupo que reunia Globo, Eduardo Cunha, Michel Temer, Bolsonaro, Malafaia.
É a escória da escória.
Poucos anos atrás, quando ocorreu um golpe parlamentar no Paraguai, parecia impossível que a mesma coisa pudesse ocorrer no Brasil. Era coisa de republiquetas, pensávamos.
Mas viramos um imenso Paraguai.
Teoricamente, o jogo ainda não está liquidado. Caberá ao Senado chancelar, ou não, o impeachment.
Mas o fato é que alguma coisa se encerrou neste domingo.
Morreu, acima de tudo, a ideia de que a plutocracia brasileira poderia se comportar civilizadamente e não da forma predadora que ao longo dos tempos sempre foi sua marca.
O PT acreditou num milagre, e pagou caro pela credulidade. Num de seus erros mais formidáveis, financiou, com multimilionárias verbas publicitárias e empréstimos em bancos oficiais, a mídia que desempenharia um papel tão crucial na desestabilização do governo.
O PT, na ilusão em que se meteu, se afastou dos movimentos sociais – e das ruas. Voltou às ruas apenas quando os golpistas já tinham avançado demais. As manifestações das últimas semanas deveriam ter começado muito tempo atrás, quando analfabetos políticos manipulados e estimulados pela mídia ocuparam as ruas e passaram a bater panelas.
E agora?
Um grande pensador do passado disse que a situação desesperadora de seu país, paradoxalmente, o enchia de esperança.
É uma frase que se aplica ao Brasil de 2016.
A esquerda brasileira contemporânea – não só o PT – decerto aprendeu com a calamidade que se abateu sobre ela e sobre o país. Sua fragmentação apenas facilitou o trabalho da plutocracia.
Mas segunda-feira a vida continua.
A melhor resposta para o quadro que se armou neste domingo estará nas ruas.
Como disse Jandira Feghali num voto memorável no domingo, dia 17/4, “a luta apenas começou”.

Esquerda no Anhangabaú, direita na Paulista: O muro de São Paulo

Enquanto na capital federal um grande muro erguido no meio da praça dos Três Poderes separa os manifestantes favoráveis e contrários ao impeachment, em São Paulo a segregação é mais sutil: a direita se concentra na avenida Paulista, enquanto a esquerda ocupa o Anhangabaú. A distância entre o vale e o topo da colina não é apenas material, como o muro de Brasília: é essencialmente simbólica.
Como explica Ecléa Bosi em seu livro Memória e Sociedade, as “pedras da cidade” são os suportes materiais da nossa imaginação: cada um desses espaços representa uma experiência vivida, um momento de nossa própria formação. Não é por acaso que a esquerda escolheu o Anhangabaú: uma longa tradição transformou o centro na principal arena das lutas sociais na cidade.
Talvez o marco inicial dessa opção tenha sido a “batalha da Praça da Sé”, em 7 de outubro de 1934. Os integralistas de Plínio Salgado tinham anunciado a realização de um grande desfile no local – uma demonstração de força inspirada na Marcha sobre Roma, de Mussolini. Em resposta, todos os grupos de esquerda – anarquistas, comunistas, trotskistas, sindicalistas–se reuniram para barrar a manifestação. O confronto deixou seis mortos e trinta feridos. Após quatro horas da batalha, os integralistas fugiram.
As manifestações no centro só voltaram a ganhar força em 1945, na redemocratização do país. A princípio, o PCB promoveu um grande comício no Pacaembu para celebrar a libertação de Luiz Carlos Prestes, mas depois adotou o Anhangabaú, como nos grandes comícios realizados em 5 de janeiro de 1947 (com 100 mil pessoas) e 4 de novembro, que reuniu Getúlio Vargas e Luiz Carlos Prestes. O mesmo cenário também abrigou as grandes manifestações da campanha “O Petróleo é Nosso”, em 1948.
A esquerda voltou ao centro durante o regime militar: a missa na Catedral da Sé em memória do jornalista Vladimir Herzog, em 31 de outubro de 1975, foi o maior protesto contra a ditadura realizado após a decretação do Ato Institucional nº 5, em 1968. Depois dele vieram as grandes manifestações da campanha das diretas-já: em 25 de janeiro de 1984, o comício na Sé reuniu cerca de 300 mil pessoas. Foi seguido por outro no Vale do Anhangabaú, em 16 de abril, com mais de um milhão de pessoas.
Na campanha de Lula à Presidência, em 1989, Lula voltou aos palcos preferidos do antigo PCB: depois de um grande comício no Pacaembu, Lula participou no dia 12 de novembro de um gigantesco ato na Sé, que reuniu um público equivalente ao do comício das diretas, em 1984.
Isso não significa que a esquerda também não tenha utilizado a avenida Paulista: ela foi o cenário da comemoração da vitória de Lula na eleição presidencial de 2002, e voltou a ser ocupada pela grande manifestação contra o impeachment de Dilma, em 18 de março deste ano. Mas nunca teve, para a esquerda, a mesma densidade histórica adquirida pelo centro.
A avenida da eliteInaugurada em 1891, a avenida Paulista passou a ser ocupada, a partir de 1910, pelas mansões dos grandes fazendeiros de café. Ela logo passou a abrigar o Carnaval da elite paulistana, conhecido como Corso, que consistia num desfile de carruagens e conversíveis com foliões ricamente vestidos.
A partir de 1956, com a inauguração do Conjunto Nacional, os casarões começaram a ser substituídos por edifícios comerciais, uma tendência que se acentuou após a inauguração da nova sede do Masp, em 1968. A avenida se transformou assim no principal centro financeiro do País.
As manifestações na Paulista são relativamente recentes. Elas começaram de fato quando a torcida do Corinthians decidiu festejar ali o título de campeão paulista de 1977. A partir dos anos 90, como observa Heitor Frúgoli Jr. no livro Centralidade em São Paulo, a avenida passou a ser utilizada para protestos de bancários, metroviários, professores e médicos em greve. Depois passou a acolher a Parada Gay e outras celebrações de vulto, como a Marcha para Jesus, mais tarde empurrada para a zona norte.
Mas, como a avenida sempre abrigou os principais símbolos da riqueza paulistana – antes as mansões dos barões do café, e hoje os grandes bancos e a Fiesp –, acabou sendo adotada pela direita no decorrer da atual crise política. Mas nem sempre foi assim. Até o início dos anos 60, a direita também preferia o centro velho, que até então ostentava um comércio sofisticado (na Barão de Itapetininga) e uma grande concentração de cinemas (na Ipiranga e na São João).
As grandes manifestações contra Getúlio Vargas durante a Revolução de 1932 ocorreram na praça da Sé e no Largo São Francisco. Depois disso, a maior concentração ocorreu em 19 de março de 1964, antes do golpe militar: a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” reuniu cerca de 500 mil pessoas, que seguiram da praça da República até a praça da Sé, passando pela rua Direita.
Após a implantação da ditadura, os conservadores abandonaram as ruas. Só voltaram agora, para exigir o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. E a avenida da Fiesp logo se revelou o lugar ideal para suas manifestações – que tiveram início em 15 de março de 2015 e culminaram no grande protesto do dia 13 do mês passado. Até quando esse casamento simbólico vai perdurar, ninguém sabe. Hoje a Paulista já começa a perder corporações para a Faria Lima, a Berrini, a Marginal Pinheiros. E a disposição da direita de ir às ruas em geral dura pouco. Quando ela voltar, talvez escolha outra avenida.

Homenagem ao sr. Corrupção e ao sr. Tortura

O “sim” reverenciou um réu e um torturador-símbolo.
Octavio Ribeiro, o “Pena Branca”, foi o maior repórter policial da imprensa brasileira sem escrever uma linha. Enturmado com os malandros dos morros cariocas, quartel general dos bandidos da “época romântica”, exímio conversador, bebia nas fontes mais quentes e, dono de um grande poder narrativo, quase sempre contava suas histórias ao redator mais próximo, o que resultava nas reportagens que viravam manchete e lhe deram fama – foi personagem do seriado Plantão de Polícia, da TV Globo – e até um Prêmio Esso.
Outro segredo que só os mais chegados – aos quais chamava carinhosamente de “Piroca” – conheciam era a sua paixão pela cocaína, pelo “pó”, que consumia em quantidades industriais, nariz adentro, a qualquer hora do dia ou da noite. Quando, no entanto, era instado a responder publicamente sobre consumo e liberação das drogas, tinha posição definida: “Sou contra!”. Aos parceiros de vício, que não entendiam a aparente contradição justificava com a simplicidade mais deslavada do mundo: “Piroca, se liberarem para todos não vai sobrar para mim”.
Eu me lembrei dele ao assistir ao desfile de notórios corruptos que anunciaram ontem [17/4], no microfone do plenário da Câmara dos Deputados, seu voto “contra a corrupção”. A lógica embutida no seu súbito acesso de moralidade era a mesma do “Pena Branca”: “Se a corrupção aumentar, vai sobrar menos para mim”. Até mesmo os que nunca se corromperam no passado, nem irão se corromper no futuro, ao gritarem o “sim” ao impeachment, com a justificativa mais inocente sem deixar de ser imbecil – “pelo meu filho”, “pela minha família”, “pelo meu gatinho de estimação” – entregaram o seu voto de bandeja ao réu por corrupção que, por uma dessas peculiaridades do nosso tempo estava presidindo a sessão “histórica” e que foi o maior vitorioso da noite.
Do mesmo modo, todos aqueles que soltaram rojões, estouraram champanhes, bateram panelas, entraram em êxtase na Avenida Paulista e arredores no momento em que a contagem chegou ao ponto de não-retorno fizeram reverência e se curvaram ao sr. Corrupção, que a tudo assistia sem mover um músculo do rosto, como só os psicopatas são capazes. Mas nada disso sequer chegou aos pés da cena mais abominável da noite negra que se abateu sobre o País, mais uma vez.
Cabelo caído na testa, olhos saltando das órbitas, o deputado Jair Bolsonaro dedicou seu voto “sim” ao torturador-símbolo da ditadura, Carlos Alberto Brilhante Ustra, pisando nas vítimas que ele afogou nos banhos de sangue do DOI-Codi, dando ânsia de vômito em todas as pessoas de bem e de novo quebrando o decoro parlamentar, pela enésima vez, mas que não será a última se ele não for expurgado, finalmente, da Casa da Democracia com a qual não sabe e não quer conviver.

A imagem no espelho será a de Eduardo Cunha

Quando o Eduardo Cunha alegou que não tinha mentido sobre suas contas na Suíça porque o que tem na Suíça não são contas, mas trustes que pode acessar como se fossem contas, e ninguém riu, ou perguntou se era certo um cínico declarado presidir a Câmara nacional ou comandar um movimento pelo impeachment da presidente da República, estava, sem querer, dando o mote destes dias. Tudo se resume numa questão de semântica.
Dinheiro em trustes é a mesma coisa que dinheiro em contas? Questão de semântica. O pretexto “oficial” para derrubar a Dilma é o uso das tais pedaladas fiscais. Além da controvérsia sobre a legitimidade de governos recorrerem ao recurso emergencial, tivemos o estranho caso do Tribunal de Contas da União, que depois de um longo e profundo sono, do governo Getúlio Vargas ao governo atual, durante o qual não julgou ou sequer examinou as contas de nenhuma – nenhuma – administração, acordou justamente para julgar as contas da Dilma, por coincidência. E desaprová-las, por nenhuma coincidência.
É na discussão das pedaladas que a semântica entra com mais força, embora, a esta altura, não decida mais nada. O “crime” do qual a Dilma está sendo acusada é crime ou não é crime, eis a questão. Se é crime, já é um crime tradicional, no Brasil, onde vem sendo cometido através dos anos. Pena que o TCU estivesse dormindo em vez de examinando as contas do governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, quando o recurso foi usado com abandono, apenas com outro nome. Se pedalada não é crime, a Dilma é inocente como um, sei lá. Como um Fernando Henrique. Mas é claro que as supostas manobras fiscais são pretextos para um final que vem sendo urdido desde que o povo brasileiro teve a audácia de dar mais votos para a Dilma do que para o Aécio. No dia seguinte às eleições começava o movimento do impeachment. Ou o golpe. Questão, de novo, de semântica.
Seria bom se as pessoas pudessem se encontrar, de vez em quando, com sua própria posteridade. Olhar um espelho mágico e ver como ficou sua imagem na História. Não tenho dúvidas de que muitos votarão pelo impeachment com convicção e não se envergonharão do que fizeram. Mas muitos não escaparão de ver ao seu lado, no espelho, a figura sorridente do Eduardo Cunha. Para sempre.

#ALutaContinua: Ecos e ecas da 1ª fase do golpe

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Foto histórica. Crédito: Mídia Ninja.
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Miguel Arraes se revirando no túmulo.
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Vai faltar usina de compostagem no Brasil para receber tanto lixo.
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União de coxinhas e mortadelas.
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Mas não é a cara do Amigo da Onça, personagem criado pelo Péricles?
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Tucanos de São Paulo.
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Raquel Muniz e o castigo divino 1.
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Raquel Muniz e o castigo divino 2.
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Sílvio Costa mitou.
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Tu pessoa nefasta...
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Anauê!
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É um gozador.
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É do Brasiiiiiil. “Eu não vi, Galvão!”
Votacao_Golpe13A_Motivos_Voto
Pela minha família, pela minha amante e por Eduardo Cunha, voto sim!
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Lula 2018.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Na semana do impeachment, 3 das 5 notícias mais compartilhadas no Facebook são falsas

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Mandado de prisão contra Lula foi um dos boatos.
A “guerra da desinformação” nas redes sociais fez mais de 200 mil vítimas na semana que antecedeu o domingo de votação do impeachment, na Câmara dos Deputados.
Levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP, ao qual a BBC Brasil teve acesso, revela que três das cinco reportagens mais compartilhadas por brasileiros no Facebook entre terça-feira e sábado são falsas.
Apesar de ocuparem o topo do ranking de acessos, as matérias são desmentidas em notas oficiais ou reportagens publicadas pela imprensa.
Criado pelos professores da USP Marcio Moretto Ribeiro e Pablo Ortellado, o grupo investigou o desempenho de 8.290 reportagens, publicadas por 117 jornais, revistas, sites e blogs noticiosos neste período.
EstatísticasOs boatos presentes no “top 5” de compartilhamentos na rede social mais popular do país são os seguintes:
“Polícia Federal quer saber os motivos para Dilma doar R$30 bilhões a Friboi”, do site Pensa Brasil (3º lugar no ranking geral da semana, com 90.150 compartilhamentos)
“Presidente do PDT ordena que militância pró-Dilma vá armada no domingo: ‘Atirar para matar’”, do site Diário do Brasil (4º lugar, com 65.737 compartilhamentos).
“Lula deixa Brasília às pressas ao saber de nova fase da Lava-Jato. Seria um mandado de prisão?”, do site Diário do Brasil (5º lugar, com 58.601 compartilhamentos).
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Boato sobre perdão de dívida de frigorífico por Dilma foi um dos mais compartilhados.
Procurado pela reportagem, o Diário do Brasil disse que a matéria sobre o suposto presidente do PDT “não era exclusiva” e insiste que a notícia é real – ainda que o homem retratado na reportagem não seja presidente regional da legenda, que desmentiu o boato.
Sobre o suposto mandado de prisão contra Lula, o site diz que a reportagem original foi publicada em 10 de março, às vésperas da Operação Xepa – que não trouxe qualquer mandado contra o ex-presidente.
A reportagem fez novos questionamentos e perguntou por que a matéria foi republicada no dia 14, mas não teve resposta. O Pensa Brasil não respondeu aos questionamentos da BBC Brasil.
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Os relatórios também mostram que os “virais falsos” atingem tanto a oposição quanto apoiadores do governo – na última semana, entretanto, os boatos contrários à presidente tiveram maior repercussão.
As estatísticas são divulgadas na página “Monitor do debate político no meio digital”, recém-criada no Facebook.
O principal desmentido aos boatos campeões de audiência da semana vem do PDT, em nota oficial assinada por seu presidente no Distrito Federal, Georges Michel Sobrinho.
Repetida mais de 60 mil vezes, a reportagem falsa diz que um homem chamado José Sílvio dos Santos seria o presidente do partido no DF e teria convocado militantes para atirarem em parlamentares neste domingo.
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Santos, segundo o líder do partido, nunca exerceu cargos na legenda.
“O PDT torna público que este cidadão, por não ter nenhuma autorização para se manifestar em nome da instituição, foi expulso do quadro de filiados do partido”, diz a nota.
Já a reportagem sobre a “doação de R$30 bilhões” pelo governo à Friboi foi desmentida, em entrevista à BBC Brasil, pelo próprio presidente da JBS, que controla o frigorífico – e não foi consultado pela publicação.
Notícias sobre a suposta doação circulam nas redes desde pelo menos 2014, com textos às vezes idênticos. A mais recente – reforçada por mais de 90 mil internautas – afirma que Dilma Rousseff teria “concedido anistia à dívida de R$30 bilhões da Friboi com o BNDES”.
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“A JBS [...] deve R$40 e poucos milhões, que vieram de aquisições que fizemos da Tyson e da Seara”, disse o presidente Wesley Batista à repórter Ruth Costas, em 2015.
Questionado sobre a verba recebida pelo BNDESPar, braço de participações acionárias do banco público, Batista respondeu: “O total de aportes na JBS foi da ordem de R$5 bilhões. Eles compraram isso em ações que hoje, felizmente, valem muito mais”.
“A JBS vendeu participação acionária para o BNDESPar, que participa em 200 ou mais empresas”, disse ainda o presidente da controladora da Friboi.
A quinta história mais compartilhada no Facebook sugere que Lula teria deixado Brasília ao saber de nova fase da Lava-Jato, sob “risco iminente de um mandado de prisão”.
Mas nenhuma etapa da Lava-Jato foi deflagrada desde a publicação, no último dia 13. A última aconteceu no dia 12, com a prisão preventiva do ex-senador Gim Argello (PTB/DF), sem menções ao ex-presidente.
Também não houve mandado de prisão contra Lula.
A ferramenta digital criada pelos pesquisadores mapeia, de hora em hora, todas as reportagens publicadas pelos 117 veículos de comunicação selecionados e verifica seus compartilhamentos a partir de um sistema oferecido pelo próprio Facebook.
Além do levantamento digital, os pesquisadores fizeram pesquisas de opinião em protestos realizados tanto por grupos ligados à direita, quanto à esquerda, na avenida Paulista, em São Paulo.
“Cada lado dessa disputa construiu narrativas mais ou menos simplistas para defender suas posições. Tanto os boatos como as matérias produzidas foram muito compartilhados quando se adequaram a essas narrativas”, explica Marcio Moretto.
“Uma das narrativas de ambos os grupos foi de que o outro era formado pelos verdadeiros corruptos.”
O professor diz que as pesquisas também mostraram que ambos os lados da disputa do impeachment “eram propensos a acreditar em boatos que confirmavam suas narrativas pré-estabelecidas”.
Ele dá exemplos de mitos citados pelos dois lados nas ruas: “‘Lulinha é sócio da Friboi’, de um lado, e ‘Sérgio Moro é filiado ao PSDB’, de outro”.
Para o pesquisador, a popularidade dos boatos tem a ver com a maturidade dos usuários de redes sociais.
“Parte considerável das brasileiras e dos brasileiros entrou na era digital muito recentemente com a popularização dos smartphones. É de se esperar que com o tempo, conforme as pessoas se acostumem com as plataformas e conforme o debate em torno delas amadureça, elas se relacionem com essas ferramentas de maneira mais crítica e menos ingênua”, diz Moretto.
O estudo realizado nos dias anteriores ao impeachment verificou 6,1 milhões de compartilhamentos na rede social. Por questões técnicas, o levantamento não incluiu as reportagens publicadas na segunda-feira, dia 11/4 – e se resumiu a publicações entre terça-feira, dia 12/4, e sábado, dia 16/4.