Assisti, ontem, 30 de Março, o ruidoso “Conexão Repórter” do excelente jornalista Roberto Cabrini. Sempre que posso, quando estou por ali, assisto ao jornalista e suas abordagens polêmicas.
E ao saber do tema, sobre a ditadura militar brasileira, postei-me em frente à televisão ávido por poder ouvir, como milhões de brasileiros, o que haveriam de nos dizer figuras como Jarbas Passarinho, Sebastião Curió e outros.
Dentre as tantas questões do programa jornalístico, dos depoimentos, das informações prestadas e das aparições canhestras (aqui não se incluem os presos políticos) um aspecto me deixou absolutamente revoltado: a de que José Genoíno haveria delatado seus companheiros na guerrilha do Araguaia.
E essa acusação parte de quem, ora meu deus, dos covardes que transformaram todos os cômodos do país em aparato de tortura.
Poderemos acreditar que há verdade naqueles que se utilizaram da tortura para arrancar confissões? Creio que não, jamais.
Genoíno foi preso depois de uma semana da invasão militar às matas do Araguaia, no Pará. Sua prisão ocorrera em 19 de Abril de 1972, se não estou enganado. E sabe-se que desde o primeiro momento fora bastante torturado e a única delação havida naquele momento foi o inocente cão, criado pelos guerrilheiros, que acompanhava o combatente disfarçado de camponês.
Nesta primeira investida das tropas federais sete guerrilheiros foram presos e, diferente das duas outras campanhas, não foram mortos. Se Genoíno e os outros seis tivessem sido presos nas duas campanhas seguintes teriam sido mortos, covardemente, pelas mãos de quem o acusa de delação, o bandidesco Major Curió.
A sorte (que sorte, afinal? da tortura?) destes guerrilheiros se explica pelo fato de que, na primeira campanha militar, de cerco e aniquilamento, as forças de repressão do estado não tinham à dimensão do que representava as Forças Guerrilheiras do Araguaia, sua relação com as massas e a extensão geográfica da área de atuação.
Na cabeça dos generais de então, os militantes do PC do B no Araguaia pareciam estar em fase de “refrescamento”, que no jargão daqueles tempos é o mesmo que dar um tempo e se esconder por aí em algum lugar paradisíaco.
Acontece que os intentos dos comunistas eram bastante sérios. E fazer a guerrilha no campo, no Araguaia, não fora nenhuma ode romancesca, mas a preparação para pôr fim ao regime do terror, da tortura, da submissão do Brasil aos interesses internacionais. Por isso, no Araguaia, a segurança não era tática, era estratégica.
Não pensem vocês que um pouco mais de cem homens e mulheres resistiram a milhares de soldados apenas pela força do heroísmo, heroísmo houve e muito. Resistiram por tanto tempo porque tinham relação na massa e porque atuavam de forma organizada.
Quando Genoino foi preso no inicio do contencioso, já estava no Araguaia desde 1970, portanto um pouco mais de dois anos. Mesmo que a carne lhe traísse, o que não nos daria o direito a nenhuma pedra na mão porque os métodos da tortura buscavam enlouquecer pessoas, ele, o preso Genoino pouca informação poderia fornecer.
O rigor, e os caluniadores da esquerda à direita também precisam saber disso, de segurança dos guerrilheiros foi algo decisivo para a sustentação da própria luta. Genoíno saberia, talvez, de alguns depósitos. E pelo que sei sustentou, mesmo apanhando muito, em segredo, até o lugar onde morava com seus companheiros de armas. Assim o fez para que os camaradas empreendessem fuga.
Quem dominava todo o quadro da guerrilha era a Comissão Militar, desbaratada apenas em fins de 1973.
Acontece que sei de umas coisas do Genoíno que pouca gente sabe e, pronto, vou contar.
Preso no Araguaia foi levado à Brasília, ao Pelotão de Investigações Criminais do Ministério do Exército. O PIC fora um dos principais centros de coação e barbárie que o país já conheceu.
Lá no PIC, desde outubro de 1971 estavam meus pais, presos. Minha mãe grávida deste que ora relata essas coisas todas. Aliás, Paulo e Hecilda foram os que repercutiram naquelas condições a presença dos presos no Araguaia. E segundo a memória o Genoíno estava todo quebrado, havia sido muito torturado o que não era um privilégio apenas daquele cearense, que havia sido dirigente da UNE.
Meus pais conheceram Genoíno na prisão nas duras condições da tortura. Minha mãe até aprendeu canções da guerrilha com Ryoko Kayano, presa em Marabá e até hoje esposa do ex-Deputado Federal. Meu pai deu os primeiros cigarros ao araguaiano.
E vejo no programa do Cabrini, figuras que têm sangue nas mãos, acusar o ex-preso de delator. Não poderia, para quem viveu aqueles tempos, haver acusação mais infame. Torturador é torturador sempre e o cachimbo sempre deixa a boca torta.
Vou contar uma passagem de delação de meu pai e minha mãe.
Eu já havia nascido e minha família, da parte dos Fonteles, estava em Brasília lutando para atenuar o sofrimento do jovem casal preso.
Antônio, um dos irmãos mais velhos de meu pai visita minha mãe e ela, sabedora que o esposo estava sendo violentamente barbarizado e tendo informações “quentes” de alguns presos decide entregar ao cunhado um pequeno papel com alguns nomes destes subversivos. Acontece que tais militantes políticos já estavam mortos.
Antônio, o irmão médico, percorre os macabros corredores do PIC com o pequeno papel da delação dos mortos enfiado no ânus e dá o do guaraná para o soldado de plantão para rapidamente passar aquela informação ao meu pai.
De pronto, aquele preso político engoliu a informação. Uma informação recheada de merda, recheada de medo. Meu pai passou meses delatando os mortos para atenuar a tortura. Os companheiros eram companheiros até depois de mortos e precisavam uns dos outros, uns vivos, outros mortos. Assim era naqueles tempos.
Acontece que a vida para o preso era tênue, sempre. Não poderia haver mais vida depois de uma sessão da cadeira-do-dragão ou do pau-de-arara. Todos combatiam a loucura e protegiam suas cabeças, como santuários sagrados de onde brota a consciência, a mesma consciência que exige na atualidade a prisão dos torturadores.
E o Genoíno é acusado, pelos torturadores, de delação?
Sou do PC do B desde menino e o ex-deputado saiu do Partido numa luta interna pesadíssima no início da década de 1980 e, em nossa formação, naqueles anos, havia aquela coisa contra os “liquidacionistas”, havia o combate ao grupo que formou o antigo PRC (Partido Revolucionário Comunista) que foi importante para desenvolver o pensamento político dos comunistas. Assim como foi também o combate à Perestroika.
Poderia pegar contenciosos antigos e acusações recentes (algumas delas claramente para golpear o Governo Lula) , contra o Genoíno, e deitar e rolar porque sou sectário e o melhor dos bolchevistas.
Falo isso porque escutei tanta asneira de um pretenso dirigente estadual de meu Partido, que não reflete a opinião da maioria, que sinceramente decidi escrever esse arrazoado.
Assim o faço por dois motivos.
O primeiro é que quem torturou e atuou pela covardia jamais poderá falar a verdade, aliás sempre terá medo da verdade. Não é por mera coincidência que o Major Curió está por detrás das ameaças contra aqueles que querem descortinar, em definitivo, o Araguaia. Aliás, neste sentido, só poderá haver êxito no trabalho de localização dos desaparecidos políticos do Araguaia se a ave do mau-agouro da repressão estiver engaiolado. E não apenas isso, precisa estar incomunicável tal o perigo que representa, inclusive do ponto de vista da integridade física daqueles que procuram localizar os restos mortais dos combatentes do Araguaia.
O segundo é o fato de que na luta política você fala comprovando, sempre. A cultura política de meu Partido sempre preconizou o estudo, a argumentação e a lealdade. Calúnia é para tiranos e se não tomarmos cuidado vamos ver aparecer fantoches tipo Carlos Lacerda que, a bem da verdade, na juventude foi ácido em pretensos discursos comunistas.
Ademais o preso do Araguaia ficou em cárcere por cinco anos e o inicio de tudo aquilo que sabemos sobre a epopéia nas matas do Pará têm a sua contribuição.
Talvez seja daí o fato de que os lobos da infâmia jamais o esqueceram e o querem, para sempre, no pau-de-arara.
Paulo Fonteles Filho
sábado, 2 de abril de 2011
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