No país da mídia que se acanalha, onde os jornalistas viraram porta-vozes de seus patrões e a sordidez passou a ser o método político louvável, anda há quem recuse a legitimidade da traição e da conspiração. Com muito mais delicadeza e competência que eu, Janio de Freitas também revisita a carta de Michel Temer, um verdadeiro strip-tease de seu caráter, onde nem o latim é véu suficiente para lhe cobrir a face golpista.
Em 1954, Carlos Lacerda, que tinha ao menos a coragem de estar do outro lado, era O Corvo.
Em 2016, temos apenas A Ratazana.
Ou um par delas, no comando de um ninho de camundongos.
DUAS PALAVRAS BASTAM
Janio de Freitas, na Folha
Janio de Freitas, na Folha
Pela primeira vez, a palavra foi relacionada a Michel Temer por Dilma Rousseff na terça-feira, dia 12/4. Sob as tensões hostis das atuais circunstâncias, a palavra demorou: o comedimento verbal de Dilma, a atacada, no qual “golpista e golpismo” foram o tom mais elevado, pode ficar como um caso excepcional. A palavra, na frase transcrita por Bernardo Mello Franco: “Se ainda havia alguma dúvida sobre o golpe, a farsa e a traição em curso, não há mais”. Traição.
O rompimento pessoal e do PMDB com Dilma, conduzido por Michel Temer de ponta a ponta, com auxílios de Romero Jucá como “laranja”, foi incomum em política. Mais do que não ser uma reação, como seria próprio de um rompimento político, o orientado por Temer não teve nem sequer um fato anódino para invocar. O partido era parte do governo, detentor do maior número de ministérios e de cargos em todas as reformulações ministeriais, ainda hoje com peemedebistas no governo. Ministros indicados pelo próprio Temer ou pelo PMDB sob sua presidência.
Para ter algo a dizer, em duas ocasiões Michel Temer precisou recorrer à combinação de ridículo e inverdade. Em uma, teria “passado quatro anos como vice-presidente decorativo”. À parte a impropriedade pessoal do adjetivo, nos seus longos e improdutivos anos como deputado, Temer poderia propor emenda constitucional que desse ao vice-presidente mais atribuições do que o fixado pela Constituição. Nem ao menos cogitou do tema.
Temer diz agora: “Nesse período em que fui [foi, já?] vice-presidente, nunca tive um chamamento efetivo para participar das questões do governo”. Participou, sim, de muitas reuniões políticas e deliberativas na Presidência. Também várias vezes convidado a assumir a coordenação política do governo, ao aceitá-la, afinal, não mostrou mais trabalho e habilidade do que para o velho “é dando que se recebe”. Só agravou o que estava errado na coordenação política. Em pouco tempo, deixou a atividade por iniciativa própria, esgotados os cargos a ceder e os colegas a favorecer. E a sinceridade de sua queixa era tão decorativa que quis ser o companheiro de Dilma na reeleição.
A outra queixa foi a falta de convite para estar na conversa entre Dilma e o vice-presidente do EUA, Joe Biden, que, segundo Temer, veio aqui para estar com ele. Os vices em viagem são portadores de mensagens dos seus presidentes aos presidentes visitados. A conversa com Dilma era mesmo só com Dilma. E Biden, sabedor da lamúria de Temer, ainda teve a gentileza (ou a ironia) de prometer-lhe um encontro como consolo.
A divulgação do “discurso da vitória” seguiu o método Temer: o ridículo na explicação inconvincente. Elio Gaspari observou que nos 14 minutos dessa presunção “faltou não só a palavra” – corrupção –, “faltou qualquer referência ao tema”. Não à toa. É só olhar, como fez com desalento certo ministro do Supremo, quem está à volta de Temer. Dos “anões do Orçamento” a Eduardo Cunha, a coleção é completa. Incluído, claro, o recordista, quando governador, de transações anuladas por fraude com as grandes empreiteiras.
Se é um sinal para a Operação Lava-Jato e seus desdobramentos, cabe-lhe interpretar. Por mim, pelo que já vi, nisso não percebo sinal, mas certeza.
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