sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Aécio no comando do PSDB


Aécio Neves acumula aliados e vitórias, enquanto Serra tenta manter-se à tona. Do resultado da disputa depende ofuturo do PSDB e da oposição. Por Leandro Fortes e Sergio Lirio. Foto: Ed Ferreira/AE

A posse dos novos deputados federais e senadores, em 1º de fevereiro, marcou também o fim das férias da oposição. Iludiu-se, porém, quem esperava a apresentação de uma agenda de contraposição ao governo Dilma Roussef. Em vez disso, a plateia assistiu a um bate-boca entre os grupos que disputam a hegemonia no PSDB e em seu satélite, o DEM. Alguns lances poderiam ser confundidos com brigas familiares no subúrbio, o que levou um gaiato e experiente senador a sugerir a CartaCapitalque, por trás das cenas explícitas de descortesia, talvez esteja uma estratégia das legendas de se aproximar das massas.

Rodrigo Maia, presidente do DEM, chegou a comparar a situação atual de José Serra, derrotado nas eleições presidenciais do ano passado, à do ditador egípcio Hosni Mubarak: “O projeto presidencial de 2010 tem de entender que já passou e está como o governo do Egito: caiu e só falta desocupar o espaço”. Senador eleito por São Paulo e um dos poucos serristas que têm coragem de se expor, Aloysio Nunes Ferreira atacou a coleta de assinaturas de apoio à manutenção de Sérgio Guerra no comando do PSDB, cargo cobiçado por Serra: “É um método odioso para qualquer tipo de indicação partidária, ainda mais para o presidente nacional do partido”. Nunes Ferreira ainda desdenhou de Aécio ao dizer que sua candidatura à Presidência da República não era “natural” e que havia outros nomes.

A contenda parece totalmente favorável a Aécio. Enquanto Serra conta com Nunes Ferreira e a velha simpatia da mídia, em especial a paulista, o senador mineiro acumula cada vez mais força no tucanato, tem a preferência inconteste das lideranças que hoje importam no DEM e transita bem em alas do governismo – PSB, PDT e PP apreciam seu estilo. Além disso, unidos pela aversão a Serra, Aécio e o governador paulista Geraldo Alckmin teriam feito um acordo: trabalhar em conjunto para enterrar o serrismo e dividir o comando da legenda. Antes desconfortável no PSDB, a ponto de discutir no ano passado sua desfiliação, o neto de Tancredo parece ter o ninho à sua inteira disposição. Tanto que a boataria sobre quem poderia deixar o partido se inverteu. Agora é Serra quem teria cogitado sair, espalha-se na praça. O mais provável, no entanto, é que os boatos tenham surgido de uma meia-verdade somado a um raciocínio tortuoso. O ex-governador paulista tenta evitar que seu aliado Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, troque o DEM pelo PMDB. Se a permanência de Kassab no Democratas for impossível, Serra preferiria que o amigo fundasse uma nova agremiação – tanto para evitar que o prefeito caia na órbita dilmista quanto para deixar uma porta aberta, caso não encontre mais espaço entre os tucanos.


Há quem dê como certa a filiação de Kassab ao PMDB, com as bênçãos do vice-presidente Michel Temer. No núcleo serrista e mesmo entre tucanos paulistas não alinhados ao candidato presidencial derrotado, essa migração não parece tão clara. Não se descarta, inclusive, a permanência de Kassab onde sempre esteve ou, hipótese mais remota, seu ingresso no PSB, no qual se tornaria realmente a grande liderança do partido em São Paulo (no PMDB, ao contrário do que o próprio Kassab imagina, não seria tão fácil herdar os votos e a máquina do quercismo ou mesmo virar o principal cacique).

O jogo é mais complexo para o grupo aecista porque os eventos não têm ocorrido exatamente como relata a mídia. Se existe uma aliança entre o mineiro e Geraldo Alckmin, ela é mais circunstancial do que se imagina. O governador paulista preferiria se manter equidistante na disputa. Alckmin irritou-se, ante a coleta de assinaturas a favor da permanência de Guerra na presidência do PSDB, por ter sido obrigado a manifestar apoio a Serra em nome das conveniências locais. Também reclama de uma parte da herança “maldita” herdada no estado. Os serristas entregaram as contas públicas equilibradas, mas a boa contabilidade foi obtida graças às concessões e vendas do patrimônio estatal (o mais sintomático, a venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil). Com o projeto presidencial em mente, Serra procurou capitalizar os cofres estaduais para investir nos últimos anos de mandato. Em consequência, Alckmin ficou sem ter o que privatizar, à exceção da complicada Cesp, estatal de energia, que não pode ser vendida enquanto o governo federal não decidir sobre a renovação das concessões no setor. Resumo: suas chances de encher os cofres, fazer investimentos e mostrar serviço ficaram sensivelmente limitadas. Sua equipe econômica será obrigada a mágicas. Além disso, Alckmin considera ter Serra extrapolado no confronto com os professores estaduais – sua intenção é reconquistar parte da categoria com aumento de salários, mais contratações e melhores condições de trabalho.

Ainda assim, Alckmin e Serra se falam ao menos de três em três dias – embora a iniciativa parta quase sempre do ex-governador. O contato com Aécio é esporádico, quando não inexistente. Quem conhece Alckmin interpreta sua estratégia: mesmo se perder a disputa interna agora e para sempre, Serra e o recall dos 44 milhões de votos obtidos em 2010 não poderão ser simplesmente ignorados. Sua posição terá peso e o governador de São Paulo, apesar de cultivar o estilo provinciano, acalenta o projeto de disputar novamente a Presidência. Há limites, portanto, na suposta aliança café-com-leite.

É nessas nuances que Serra deposita esperanças. Na quarta-feira 9, diante das sucessivas notícias desfavoráveis a suas pretensões de presidir o PSDB, desembarcou em Brasília no seu velho estilo. Nos bastidores, reclamou e ameaçou a bancada do partido. Diante das câmeras, mostrou-se cândido, como se a disputa pelo comando da legenda não o consumisse nas madrugadas em que passa acordado. Com a modéstia peculiar (ele que, na campanha, praticamente se apresentou como o descobridor do Brasil e o mentor da República), propôs um 11º mandamento: “Não atacarás o seu companheiro de partido para não servir ao adversário”. E ofereceu até uma versão apropriada ao Twitter: “Tucano não fala mal de tucano”. Anotou, Moisés?

Aécio, que tinha um compromisso fora do Congresso, achou por bem cancelá-lo para não faltar ao almoço e evitar a impressão de desfeita. Serra foi tratado com respeito e deferência, mas não angariou uma mísera nova simpatia no Parlamento. Nem conseguiu reverter o ânimo das bancadas em optar por Guerra e não por ele no comando do PSDB. Os dois lados andam no fio da navalha, pois experts em Serra afirmam que ele seria capaz de levar o tucanato à ruína final se assim lhe convier. A ver.

Mineiro e paulista não se viam desde o fim das eleições de 2010. Em janeiro, Aécio saiu de férias. Na volta, enfiou-se em reuniões com aliados de Minas Gerais sem se preocupar com os destinos nacionais da legenda. Em recentes encontros partidários, disse estranhar a reação do correligionário à manifestação dos deputados em prol da reeleição de Guerra. Explica-se: em novembro de 2010, menos de uma semana após a vitória de Dilma Rousseff, Serra participou em São Paulo de uma reunião de tucanos na casa de Andrea Matarazzo, ex-secretário estadual de Cultura, na qual teria apoiado de forma eloquente a permanência de Guerra. À luz dos últimos acontecimentos, interpretam os aecistas, a intenção seria interditar a possibilidade de o colega mineiro se credenciar para a vaga. Erro fatal.

Aécio nunca quis presidir o partido. Seus olhos miram algo bem maior e produtivo a seus planos: liderar a oposição no Congresso. Ao apoiar Guerra na casa de Matarazzo, Serra conseguiu, ainda sem saber, dar força a um aliado de Aécio no partido e cavar a própria cova. Não bastasse, o tucano paulista, preocupado com os próprios botões, descuidou-se do DEM e viu o mineiro levar outra: o baiano ACM Neto foi eleito o líder demista na Câmara. A conta da derrota deve ser creditada ainda ao desafeto Rodrigo Maia, que atuou na operação com prazer indisfarçável.

Surgido das entranhas do PMDB, o tucanato sofre de decrepitude precoce pelo fato de ser um partido que se pretende defensor da social-democracia, mas não possui base social. As duas vitórias eleitorais de Fernando Henrique Cardoso, ancoradas no Plano Real, criaram a falsa ilusão de consistência, expressa no projeto de 20 anos no poder de Sérgio Motta. A tripla derrota para Lula mostrou o quanto a legenda se resume a um amontoado de caciques rumo à aposentadoria. As exceções são Aécio e o paranaense Beto Richa, mas este é um político de expressão regional. Portanto, as opções na mesa não opõem apenas os projetos pessoais do mineiro e de Serra. Trata-se da sobrevivência da legenda – ou de uma ideia – no momento em que o futuro aponta para uma profunda reconfiguração do quadro partidário brasileiro. No momento, a beligerância serrista soa menos promissora que a oposição propositiva defendida por Aécio.

“Desse embate virá uma nova posição do PSDB em relação ao governo Dilma”, analisa o cientista política Murillo de Aragão. Segundo ele, o perfil de oposicionista puro de Serra, adotado pelo partido desde a crise do chamado “mensalão”, em 2005, deixou a sigla escrava de uma única circunstância: esperar os escândalos aparecerem no governo federal para, então, crescer com o apoio da mídia. “O PSDB passou a viver dessas migalhas de escândalos, erros e desacertos do governo alheio.” A única saída possível, diz, é abandonar a discussão centrada em nomes e, antes que seja tarde, pensar em como reestruturar a agremiação de modo a redefinir o seu papel.

Na visão dos aecistas, ao tentar impedir a recondução de Guerra à presidência da legenda, Serra acabou por criar uma divisão onde antes havia consenso. Discretamente, o senador mineiro tenta forçar o ex-governador paulista a abrir mão do personalismo baseado no poder do núcleo paulista e, generosamente (o que seria surpreendente), ouvir as demandas nacionais. Sem isso, avaliam, o partido caminharia para, talvez, a derradeira derrota eleitoral em 2014. Aécio, dizem seus apoiadores, teria se apresentado como candidato em 2010 não por voluntarismo, mas para agregar ao PSDB uma disposição maior ao diálogo, alternativa à política de enfrentamento nutrida em uma pretensa “excepcionalidade” paulista. Queria abrir canais de diálogo com o PSB do pernambucano Eduardo Campos e com o PMDB. O mineiro também se vê em melhores condições de atrair o PDT e o PP, hoje aliados do governo. “Qualquer aproximação com o PSDB só será possível com Aécio Neves à frente”, afirma o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). “O estilo de Serra é o do confronto.”

Um dos sensos comuns diz que se colhe o que se planta. De qualquer maneira, surpreende o atual estado de abandono de Serra – e a total falta de constrangimento de seus correligionários em lançar tomates sobre ele. A começar por Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, da Rede TV!, exibida no domingo 6, FHC criticou o uso do tema aborto na campanha eleitoral. Segundo o ex-presidente, a exploração política do assunto causou-lhe desconforto. Para quem não se lembra, o assunto, fomentado pela campanha serrista, frequentou a mídia com assiduidade até que uma ex-aluna revelou que Mônica Serra, mulher do candidato, havia confidenciado a um pequeno grupo de estudantes ter se submetido a um aborto durante o exílio. Após a revelação, o assunto desapareceu como por encanto – passou do topo das “preocupações nacionais” à quase completa irrelevância. Quatro dias antes, FHC, escanteado no debate eleitoral de 2010, fora reabilitado no programa partidário exibido nas tevês e rádios. Já Serra, o derrotado, nem sequer foi mencionado.

A exclusão de Fernando Henrique da campanha eleitoral e a vergonha de Serra de defender as privatizações realizadas entre 1994 e 2002, quando o partido estava no Palácio do Planalto, foram outros fatores fundamentais para alimentar as divergências do ex-governador paulista com seu colega mineiro. Passadas as eleições, Aécio buscou se aproximar de FHC (seria a entrevista à Rede TV! resultado dessa aproximação?). E obteve reciprocidade: o ex-presidente, que defende a antecipação da escolha do candidato do partido para 2012, tem dito ser o senador a melhor opção.

Se ficar sem a presidência do PSDB, o mais provável, Serra terá de arrumar uma forma de se viabilizar politicamente e se manter forte na bolsa de apostas nos próximos anos. Tanto pior se o governo Dilma for bem-sucedido. Em entrevistas recentes, ele negou a intenção de se candidatar à prefeitura de São Paulo. Seu cálculo está correto: disputar a eleição municipal, em geral desconectada da presidencial, seria abrir mão de liderar a oposição nacionalmente e admitir a aposentadoria. Mas Alckmin está dispoto a convencê-lo do contrário. Para o governador, Serra é não só o melhor, mas o único nome tucano. Com a possibilidade de Kassab engrossar as hostes dilmistas no estado, a posição do PSDB na capital ficará bem frágil. Ninguém duvida que o PT apostará alto na disputa de 2012. Conquistar a prefeitura – sozinho ou, eventualmente, em parceria com Kassab – permitiria aos petistas sonhar com o que parece impossível atualmente: lançar um nome competitivo ao governo paulista, último bastião de resistência do tucanato nas últimas duas décadas.

Resta uma última pergunta: nessa altura, Serra move-se por alguma fidelidade partidária ou seu projeto pessoal é a única coisa que interessa?

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