Demétrio Magnoli é um sociólogo que ficou famoso quando passou a afirmar que não há racismo no Brasil. Desde então vem ganhando a vida com palestras sobre o tema, entrevistas na TV e artigos publicados em jornais. Demétrio não é negro. E, por não ser negro, não pode sentir na pele o racismo. Como não sente, julga não haver. Não há, para ele, experiência empírica possível.
É claro que o fato de ser branco não o desqualifica como intelectual dedicado à análise de questões raciais. Florestan Fernandes era branco e escreveu excelentes tratados sobre o racismo brasileiro como, por exemplo, O Negro no Mundo dos Brancos. O problema de Demétrio é um só: estar à serviço de uma visão de mundo conservadora, que enxerga no debate sobre o racismo uma tentativa de subverter a ordem estabelecida.
Eu não me surpreenderia se Demétrio Magnoli começasse a pregar, agora que o ódio contra o Nordeste foi revivido pela elite paulista, que os nordestinos realmente são uma ameaça à democracia, visto que "são analfabetos e votam na esquerda porque dependem das esmolas do governo". Estou exagerando, mas acho que o sociólogo queridinho da mídia seria bem capaz de dizer a mesma coisa com palavras diferentes. Ele foi, afinal, o porta-voz dessa gente careta e covarde ao longo de toda a eleição.
Para Demétrio Magnoli, o racismo brasileiro é uma invenção
Não é preciso muito esforço para verificar que o discurso de Demétrio Magnoli encontra guarida na imprensa porque está de acordo com seus interesses de classe. Até o momento, com exceção do Jornal da Record, poucos foram os veículos que repercutiram o caso da estudante paulista Mayara Petruso, aquela que pediu a morte de nordestinos pela internet e está sendo intimada pela OAB de Pernambuco. Dentre esses poucos veículos que registraram o episódio, nenhum publicou o nome da criminosa.
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Estou certo de não estar cometendo nenhuma injustiça contra os jornalistas. Sou, afinal, um deles. E acredito ter autoridade para afirmar, sem margem para dúvidas, que se a moça em questão fosse pobre, negra e nordestina, não somente seu nome estaria estampando manchetes, como sua foto já teria sido amplamente divulgada. Fatalmente, a réu não escaparia da prisão. E as revistas semanais teriam farto material para satisfazer sua indignação seletiva.
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Mas Mayara Petruso é branca, universitária, tem sobrenome e mora em um bairro nobre de São Paulo. Sua identidade deve ser protegida. Não porque possa ser inocente – há provas o bastante para incriminá-la na internet –, mas porque “poderia ser a nossa filha”. É o que pensam – e dizem entre paredes – os donos dos jornais. Para a elite, Mayara não cometeu crime algum. Apenas externou, de modo inconsequente, o que pensa a classe de onde ela vem.
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O racismo, o preconceito, a xenofobia e o facismo são características mais ou menos presentes nas classes médias e altas da região Sul e Sudeste. Digo mais ou menos presentes porque tais defeitos também compõem o imaginário das elites do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em São Paulo, a coisa parece pior porque acaba contaminando inclusive os pobres, muitos emigrantes, que chegam à metrópole, incorporam seus valores e assumem para si o discurso discriminatório.
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Mayara Petruso não é a única a desejar a morte de nordestinos, mas se tornou símbolo do facismo que pautou a campanha do PSDB nestas eleições. O ódio de classe e de gênero, incorporado na figura do sr. José Serra e de seu vice-candidato, o playboy Indio da Costa, fugiu do controle e suas consequências podem ser trágicas. Ao misturar política e religião, a direita dividiu a sociedade e reacendeu conflitos que estavam adormecidos. Eles têm culpa, mas não são os únicos culpados.
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Se a política tende a aflorar o facismo em época de eleição, ele é gestado, todos os dias, pela mídia. O preconceito contra pobres, negros, índios, mulheres, nordestinos, homossexuais, latino-americanos etc, é reforçado e transmitido deliberadamente por programas como o CQC, cujo objetivo é constranger ou agredir entrevistados e desqualificar ou ofender minorias.
preconceito é gestado em programas como o CQC, de Danilo Gentilli]
o CQC e os programas de humor, as telenovelas e os jornais, também não são os únicos culpados. Florestan Fernandes dizia que o racismo brasileiro vigorava porque o Estado sempre garantiu, através da violência, que as vítimas “se colocassem em seu devido lugar”. Essa cultura enraizada faz com que muita gente, inclusive intelectuais como Demétrio Magnoli, considere o racismo uma ficção inventada por grupos minoritários incapazes de “conseguir as coisas por méritos próprios”.
Destituídas de direitos, as vítimas do racismo raramente entram em conflito com seus agressores porque não têm respaldo social. Se o preto apanhou da polícia, alguma coisa errada ele fez. Se a bicha fanchona foi espancada na rua, é porque mereceu. O racismo, tal qual o facismo, sobrevive na reprodução de mentiras que são passadas de pai para filho e alimentam as gerações de ódio contra aqueles que são considerados diferentes.
Tudo isso, somado ao fato de que as minorias, ou seja, os diferentes, conseguiram um avanço social considerável durante oito anos de governo Lula, fez com que o ódio contra os nordestinos eclodisse de forma assustadora assim que as urnas revelaram a vitória de Dilma Rousseff. O ressentimento dos ricos diante do progresso dos pobres é a explicação que mais me convence.
Para a elite, as desigualdades regionais nunca foram motivo de preocupação. A miséria do Nordeste, afinal, servia para fornecer mão-de-obra barata na construção civil, porteiros que trabalhavam por um prato de comida, empregadas domésticas tratadas como verdadeiras mucamas, além de uma legião de mendigos para satisfazer a sanha piromaníaca dos pitbulls separatistas. Se estes semi-escravos estão desaparecendo do mercado é que alguma grande mudança está ocorrendo no Nordeste.
O elevado crescimento econômico do Brasil é uma ameaça à manutenção do conforto das elites, posto que suas regalias sempre foram mantidas graças ao atraso das regiões Norte e Nordeste e à exploração de seres humanos abandonados à própria sorte. Se o Brasil se torna mais justo e menos pobre, não apenas desaparece a mão-de-obra barata, como também o sentido de hierarquia se perde. Aos poucos, “aquela gentinha” vai levando uma vida cada vez mais parecida com a de seus patrões.
O que este cearense da cabeça-chata está fazendo ao meu lado na poltrona do avião? Quem essa negrinha pensa que é para frequentar o mesmo clube que eu? Como pode o filho do porteiro estar cursando faculdade na classe da minha filha? Que petulância da minha faxineira, agora está vindo trabalhar de carro! Onde é que vamos parar?
Enfrentar o separatismo dessa gente é o nosso próximo desafio. Não deixaremos que a minoria racista mantenha o País no atraso.
Bruno Ribeiro
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
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