A lição mais óbvia que a Lava-Jato deixa é a necessidade de uma reforma política. Mas isso não é o que Eduardo Cunha e Gilmar Mendes pensam.
Guilherme Boulos, via Carta Maior
O início de 2015 está marcado por uma ofensiva da direita na sociedade, no Executivo e no Congresso Nacional. Na sociedade, as forças conservadoras têm se mostrado capazes de canalizar a insatisfação popular e oferecer uma saída à direita ao esgotamento do modelo petista. O tema do impeachment, alavancado pelas denúncias de corrupção, está sendo utilizado como mote aglutinador, principalmente para mobilizar as camadas médias urbanas.
Evidentemente, a força desta ofensiva está lastreada no controle da mídia pelos setores mais conservadores. Estimulam de modo aberto um clima de ingovernabilidade, mais com um interesse em deixar o governo Dilma na lona do que propriamente em nocauteá-lo com o impeachment.
Mas esta operação midiática não explica por si a insatisfação contra o governo. Os ataques e denúncias de corrupção foram uma constante nos últimos 12 anos e isso não foi suficiente para derreter o apoio popular nem para evitar três vitórias eleitorais seguidas do PT para a presidência da República.
O aumento da insatisfação popular está relacionado a uma outra ofensiva da direita, desta vez no próprio Executivo Federal. A política agressiva de ajuste fiscal – simbolizada por Joaquim Levy – está sendo recebida como uma traição pelos setores populares que apoiaram Dilma. O povo votou em mudanças e recebeu arrocho.
Se há ainda quem subestime a guinada à direita na economia, enumeremos alguns fatos acumulados apenas nos três meses posteriores à eleição: indicação de um quadro do Bradesco para a Fazenda; MPs 664 e 665 que dificultam o seguro-desemprego e concessão de pensões; três aumentos sucessivos na taxa de juros; declaração favorável à abertura de capital da Caixa; previsão de corte de R$80 bilhões no Orçamento de 2015; e, mais recentemente, suspensão do programa Minha Casa Melhor e corte da tarifa social de energia para cinco milhões de famílias, combinado a um reajuste médio de 32% nas tarifas.
É a crise, estúpido! – respondem os economistas da ordem. Mas por aqui já estamos suficientemente calejados para saber que ajuste neoliberal não é a única saída para a crise. É a saída da elite financeira, a saída à direita.
A implementação do ajuste tira do governo o apoio popular necessário para enfrentar a crise política. Enfraquece-o e com isso aumenta o poder de barganha e extorsão do Congresso Nacional, onde a ofensiva direitista é ainda mais flagrante.
A eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara foi desastrosa, mais para as forças progressistas do que para o governo. Cunha é um negociante, que deverá inflacionar seu apoio, mas provavelmente sem inviabilizar a governabilidade de Dilma. Mas Cunha também é um sujeito organicamente comprometido com pautas conservadoras e é aí onde parece estar disposto a radicalizar mais. Foi enfraquecido com a denúncia da Lava-Jato, mas não deve ser subestimado.
Em um mês como presidente, Cunha esforçou-se por abrir todas as portas do inferno. Recauchutou projetos contra a união homoafetiva, o direito ao aborto e os indígenas. Anunciou para abril a votação do PL 4330, que estende de forma ilimitada a terceirização, ferindo a CLT mortalmente. Deixou claro que engavetará qualquer projeto de democratização das comunicações. E fez coro com os tucanos na ofensiva privatista em relação a Petrobras.
Mas não para por aí. A cereja do bolo é a PEC 352/13 (PEC Cunha/Vacarezza) que, dentre outros pontos, enxerta na Constituição Federal o financiamento empresarial de campanhas eleitorais. O que ele chama de reforma política é na verdade uma contrarreforma.
É escandalosa a tabelinha de Cunha com Gilmar Mendes para assegurar o retrocesso. Mais escandaloso ainda é que isso esteja sendo operado em meio ao estouro da Lava-Jato, que revelou o uso sistemático dos contratos da Petrobras para obtenção de financiamento empresarial de campanha.
A lição mais óbvia que a Lava-Jato deixa é a necessidade urgente de uma reforma política no país. Este e boa parte dos escândalos de corrupção que estouraram no Brasil nas últimas décadas estão associados ao modelo de financiamento eleitoral.
Há iniciativas importantes em curso, como a própria ADI 4650 da OAB, engavetada há um ano por Gilmar Mendes, mesmo com maioria já assegurada no STF, que ensejou a campanha “Devolve Gilmar!”; o projeto de iniciativa popular da Coalizão pela Reforma Política Democrática, que já tem mais de 500 mil assinaturas; e a campanha por uma Constituinte Exclusiva do sistema político.
Está claro que só avançarão com ampla mobilização popular.
De forma geral, o enfrentamento ao avanço da direita dependerá de um processo de mobilização ampla e independente, que seja capaz de direcionar à esquerda a insatisfação popular decorrente da crise econômica e política.
A contrarreforma política, o ajuste fiscal e os projetos antipopulares no Congresso compõem um quadro geral de avanço da direita e deve ser enfrentado em seu conjunto pelas forças populares.
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