quinta-feira, 12 de março de 2015

Reforma política e corrupção

Corrupcao_Charge01O custo total das campanhas da última eleição foi de R$5 bilhões. A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema de corrupção.
Há um clamor público, uma revolta de todas as classes da sociedade, contra as revelações de corrupção.
Quando terá começado a corrupção? Quem são os culpados? É um fenômeno exclusivamente brasileiro ou do mundo subdesenvolvido ou humano em geral? A quem interessa? Ocorre apenas no setor público? Será uma característica inata da sociedade brasileira?
Os incidentes de corrupção que a Operação Lava-Jato vem desvendando e que vazam para a imprensa, sem provas e a conta gotas, por quem deveria preservar o sigilo das investigações e a reputação dos acusados (mas não culpados por que não foram julgados) estariam relacionados com o financiamento de campanhas eleitorais.
O sistema de financiamento de campanhas eleitorais está vinculado à representação de interesses econômicos no Legislativo e no Executivo. O caso do Judiciário é um tema a parte, ainda que de grande interesse.
O candidato Aécio Neves gastou em sua campanha eleitoral, de acordo com as declarações ao TSE, cerca de R$201 milhões. A candidata Dilma Rousseff gastou cerca de R$318 milhões. O custo total das campanhas para presidente, governador, senador e deputado foi de R$5 bilhões.
De onde vieram esses recursos? Certamente (ou muito raramente) não vieram da fortuna pessoal dos candidatos, mas sim de doações, principal ou quase exclusivamente, de grandes empresas privadas.
O custo das campanhas é em extremo elevado devido aos custos de produção e de veiculação de programas de televisão, das viagens que se fazem necessárias devido à extensão territorial do país, dos custos de material de propaganda e de sua distribuição.
O objetivo dos que defendem o financiamento privado das campanhas eleitorais está vinculado à principal característica da sociedade brasileira que é a concentração de renda e de riqueza.
A concentração de renda é, em geral, estimada a partir dos rendimentos do trabalho conforme declarados à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE.
Os rendimentos do capital, isto é os lucros, os juros, os aluguéis, são subdeclarados na PNAD e a Secretaria da Receita Federal não publica esses dados de acordo com a sua distribuição por faixa da população, ainda que sem quebra de privacidade dos declarantes do Imposto de Renda.
A estimativa é de que os rendimentos do trabalho correspondam a cerca de 48% da renda nacional.
O salário mínimo é de R$788,00, o salário médio do trabalhador brasileiro é inferior a R$2.300,00 por mês e 90% dos brasileiros ganham até cinco salários mínimos por mês.
São 13,7 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família. Isto significa que cerca de 50 milhões de brasileiros tem rendimento mensal inferior a R$77,00. Por outro lado, há, no Brasil, cerca de 46 bilionários e 10.300 multimilionários, estes com patrimônios pessoais superiores a R$23 milhões.
Muitos são os mecanismos de concentração de renda e de riqueza.
Entre esses mecanismos estão às taxas de juros, o sistema tributário, os créditos do Estado a empresas e o sistema de aluguéis.
Quanto mais elevadas às taxas de juros “autorizadas” ou permitidas pelas autoridades monetárias maior a transferência de riqueza de devedores, que são a enorme maioria da população, para os credores privados, detentores do capital, e do Estado para os seus credores.
O sistema tributário pode ser regressivo ou progressivo. O sistema se diz regressivo quando a maior parte dos impostos arrecadados provêm da maioria da população, sem distinção de seu nível de renda (imposto sobre o consumo, por exemplo) e se diz progressivo quando os indivíduos detentores de maior riqueza ou de mais alto nível de renda pagam mais impostos mesmo em proporção a sua riqueza ou renda. É fato que um sistema regressivo de tributação concentra renda e riqueza. As isenções de impostos, as restituições e as desonerações para empresas ou indivíduos acentuam a concentração de renda.
Os créditos fornecidos pelo Estado privilegiam em geral as maiores empresas e, portanto, seus proprietários que são os indivíduos mais ricos da sociedade.
A leniência do Estado para com a evasão de tributos ou com seu não pagamento (por exemplo, pela não criminalização da evasão, pelo parcelamento e perdão das dívidas tributárias) também concentra renda e riqueza. São brasileiros os proprietários de US$530 bilhões depositados em paraísos fiscais.
A concentração de renda e de riqueza em mãos de uma ínfima minoria da população brasileira tem importantes efeitos sobre o sistema democrático e sobre os episódios de corrupção.
Os indivíduos detentores de riqueza e renda tem interesse em preservar os mecanismos de concentração e interesse em que não surjam instrumentos legais (leis ou programas) que desconcentrem riqueza e renda.
Ora, as normas (as leis) que definem a estrutura e o mecanismo de riqueza, propriedade e renda (legislação trabalhista, tributária, monetária, da propriedade rural e urbana etc.) são elaboradas no Legislativo, eventualmente no Executivo e cada vez mais no Judiciário.
Em um país de grande concentração de riqueza e renda, de elevado grau de urbanização, de grande penetração dos meios de comunicação, de sistema democrático e eleitoral relativamente livre de fraudes, seria natural que a enorme maioria da população (que é pobre ou no máximo remediada) elegesse a maioria dos representantes no Congresso, que deveriam ser como ela pobres e remediados e, portanto, legisladores dispostos a redistribuir a riqueza e a renda ou pelo menos a minorar os mecanismos de concentração.
Não é isto o que ocorre.
A ínfima minoria milionária e bilionária tem, assim, de procurar instrumentos para influir no processo político para evitar esse tipo de legislação e de ação redistributiva no Executivo. Essas, quando ocorrem, são taxadas de comunistas, socialistas, nacionalistas, e hoje em dia de bolivarianas.
O primeiro e mais importante desses instrumentos é o financiamento privado (empresarial) das campanhas eleitorais.
O segundo instrumento é o controle dos partidos para que estes escolham como seus candidatos indivíduos que sejam favoráveis à sua visão (isto é, daquela minoria) da sociedade, ainda que não sejam eles mesmos, do ponto de vista pessoal, detentores de riqueza e renda elevadas.
O terceiro instrumento é o controle dos meios de comunicação para convencer a população das deficiências do Estado, do caráter corrupto dos candidatos dos partidos e das políticas populares (isto é, daqueles comprometidos com programas de reforma social que leva à desconcentração de riqueza e renda).
O quarto instrumento é a campanha permanente dos meios de comunicação de desmoralização da atividade política, do Estado e dos políticos para manter a maioria do povo afastada da política. Uma das formas de manter o povo afastado da política seria a aprovação do voto facultativo como se este fosse apenas um direito e não um dever.
A campanha pela reforma política deve se concentrar no tema central do financiamento empresarial das campanhas, que é a verdadeira fonte de corrupção e de controle oligárquico, não democrático, da sociedade por aqueles que concentram o poder econômico e controlam os meios de comunicação.
Os representantes das forças conservadoras no Congresso Nacional já se empenham para votar o projeto que consagra o financiamento privado, isto é, empresarial, das campanhas eleitorais.
A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema fundamental de corrupção do processo político que tem como objetivo impedir a desconcentração de riqueza e renda que torna o Brasil um dos países mais injustos do mundo.

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