sábado, 17 de abril de 2010

Candidatos com fichas sujas tentam entrar na elite da PM



Militares que integram as unidades de elite passam por rigorosa formação em cursos de combate ao crime

Major Marcus Costa, porta-voz da Polícia Militar, afirma que candidatos passam por uma investigação social

Recrutas que estão fazendo curso para se tornarem PMs possuem antecedentes por crimes como roubo e homicídio

Seis homens acusados de crimes como homicídio doloso, roubo, porte ilegal de arma de fogo e furto estão sendo treinados para ingressar na Polícia Militar do Ceará. A informação, obtida com exclusividade pelo Diário do Nordeste, foi confirmada por uma fonte da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

De acordo com a fonte - que o jornal opta por manter em sigilo - os seis homens estariam sendo treinados para ingressarem em um dos grupos de elite da PM do Ceará, podendo ser o Cotam (Comando Tático Motorizado) ou o grupo Raio (Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas), duas das unidades mais respeitadas dentro da corporação. Uma investigação já estaria sendo desenvolvida pela SSPDS em torno do caso mas, até o momento, os seis rapazes permanecem tendo aulas no curso preparatório.

Ordem

Os seis recrutas foram matriculados por meio de determinação judicial. Eles haviam sido reprovados no último concurso para o preenchimento de vagas nas fileiras da PM e decidiram ingressar com recurso judicial para garantir a efetivação na tropa. Os recursos na Justiça foram deferidos.

A maior parte dos candidatos havia sido reprovada por não haver atingido a pontuação exigida para aprovação no concurso da PM ou por ter ultrapassado o limite de idade permitida no edital do certame.

Mas o fato veio à tona por um acaso. Em um determinado momento, no decorrer do treinamento dos recrutas, um deles foi reconhecido por um policial militar do Batalhão de Choque como autor de um assalto, contra este mesmo PM, em 2003.

O acusado, um homem residente na Região Metropolitana de Fortaleza - que o jornal opta por resguardar a sua identidade, por estar ainda sob investigação - já responde a processos por homicídio doloso, em 2003; porte ilegal de arma de fogo, em 2002; roubo contra o soldado do Batalhão de Choque, em 2003; e crime contra a fé pública, no ano de 2003. Pelo assalto ao policial militar, o acusado esteve preso na Delegacia de Roubos e Furtos (DRF) e chegou a ser recambiado para o presídio.

A partir dele, foi iniciada uma investigação em torno dos outros cinco recrutas que estão sendo preparados para integrarem um dos ´times´ da força de elite da PM do Estado. Coincidentemente ou não, três dos seis moram na Vila Manoel Sátiro, em endereços próximos. Um já foi processado por crime de furto, no ano de 2002. Outro, por crime contra a administração pública. E o terceiro, por crime contra a fé pública.

Mais crimes

Mas restavam dois, ainda. Na investigação, foi descoberto que um deles já respondia por roubo - havia sido preso no 30º DP (Conjunto São Cristóvão), em 2003 - e o outro era acusado de dois homicídios, ambos em 2006, na área do 1º DP (Bairro Ellery). Apesar da investigação ainda estar em andamento, o grupo continua assistindo às aulas e passando por treinamento técnico para, daqui a algumas semanas, ser colocado nas ruas, com armas do Estado nas mãos. E o mais grave, os investigados poderão se tornar membros de grupos de elite, integrando a força policial que utiliza armamento pesado e domina táticas e estratégias especiais no combate à criminalidade.

Segundo fontes da corporação, é comum nos concursos para ingresso de praças e oficiais os candidatos reprovados recorrerem a recursos judiciais com o intuito de ter sua vaga garantida nas fileiras da PM.

O mesmo acontece em relação àqueles policiais que se sentem prejudicados nos processos de promoção. "Há ainda casos mais graves. São policiais que foram excluídos (expulsos) da Polícia, entram com recurso na Justiça e acabam voltando. Muitos têm vários delitos, são pessoas que desonram a farda que vestem, outros são presos pelos próprios colegas de profissão, mas voltam", diz um oficial.

A reportagem apurou que todos os candidatos a ingressarem na corporação são submetidos a uma investigação social, isto é, durante o processo seletivo, suas vidas são investigadas. Além disso, nos editais dos concursos há a exigência da apresentação de atestados de bons antecedentes.

Cabe à própria Corporação, através de seus setores de Inteligência, buscar informações sobre os antecedentes dos investigados. No entanto, mesmo sendo possuidores de registros criminais em suas fichas, mas por não terem ainda recebido condenação definitiva, os candidatos ingressam com recursos na Justiça. "Para efeito legal, como eles não foram ainda condenados, e as sentenças não foram transitadas em julgado (tornando-se definitivas) , eles obtêm o recurso judicial", diz um especialista.

RISCO
Suspeita de infiltração de bandidos na tropa


Com o reconhecimento feito por um PM do homem (agora, recruta) que o teria assaltado, em 2003, a corporação decidiu aprofundar a investigação e acabou descobrindo que, dos seis candidatos que possuem antecedentes criminais, três moram bem perto uns dos outros, exatamente na Vila Manuel Sátiro (zona sul da Capital). Daí então, surgiu a suspeita de que uma quadrilha poderia estar tentando se infiltrar na PM.

Em diversas investigações, realizadas nos últimos anos pela Polícia Judiciária e pela própria Corregedoria Geral dos Órgãos da Segurança Pública (CGOSP), ficou comprovada a participação de policiais militares em delitos graves como assaltos, assassinatos e sequestro.

Suspeita

Um dos casos ocorreu recentemente, quando um soldado da Polícia Militar - que está momentaneamente afastado das atividades por conta de licença para tratamento de saúde - foi detido com uma arma sem registro e com suspeita de ser fruto de contrabando.

Trata-se do soldado PM Jairo Pereira da Silva, que foi detido, na última terça-feira (30) por colegas de farda. Jairo acabou sendo preso por uma patrulha do Batalhão de Polícia de Choque (BpChoque) quando trafegava em um carro conduzindo uma pistola de calibre Ponto 40 (0.40). O militar já é suspeito de outros crimes, como a morte de um homem, em fevereiro do ano passado, em Caucaia.

COMPORTAMENTO
Forças especiais exigem policiais com alta formação


Unidades como o grupo Raio (Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas) e o Cotam (Comando Tático Motorizado), este último pertencente ao efetivo do Batalhão de Polícia de Choque (BpChoque), fazem o diferencial dentro da corporação. São unidades consideradas de elite por terem em seus quadros homens que passaram por um rigoroso teste de seleção e são submetidos, constantemente, a cursos e treinamentos especiais. A presença de candidatos com antecedentes criminais nesses grupos torna-se um risco.

São unidades como o Cotam, Raio e o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) os responsáveis por enfrentar situações de alto risco e enquadradas como ´crises´, tais como sequestros, rebeliões em unidades penitenciárias, enfrentamento a quadrilhas organizadas e resgate de reféns, além de apoio às patrulhas do policiamento ostensivo em áreas que apresentam altos índices de delitos.

Desarmar

O grupo Raio, por exemplo, vem se destacando ao longo dos últimos anos como o recordista em número de apreensões de armas de fogo na Capital cearense e nos Municípios que compõem a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Para alcançar este objetivo, o grupo tem um intenso treinamento de seus componentes, hoje formado por cerca de 80 homens. Um dos requisitos exigidos para o ingresso na sua formação é o do policial militar ter uma ficha limpa dentro da corporação. O mesmo acontece em relação ao Batalhão de Polícia de Choque (BpChoque), considerado a tropa de reação do Comando-Geral da instituição.

A exigência de uma ficha limpa e de uma sólida formação em cursos especiais são requisitos estabelecidos em todas as unidades de elite das polícias militares nos Estados brasileiros.

O Estado do Ceará, particularmente, tem tido uma grande performance neste aspecto, conseguindo enviar para a Força Nacional de Segurança (FNS) oficiais e praças para se integrarem ao efetivo formado por policiais militares de outros Estados, responsáveis por restabelecer a paz em áreas de grandes conflitos, como as favelas do Rio de Janeiro e o combate ao narcotráfico em diversas regiões do País.

ORDEM JUDICIAL
Comando é obrigado a acatar os recursos

Em entrevista, na tarde de ontem, o assessor de Comunicação Social do Comando-Geral da Polícia Militar do Ceará , major PM Marcus Costa, disse que todos os candidatos a ingressar nas fileiras da corporação passam por uma investigação social. Conforme o oficial, geralmente nos concursos surgem fatos como este. "Há casos em que até descobre-se que os candidatos apresentam diplomas falsos de conclusão escolar."

O oficial afirmou ainda que a corporação é obrigada a acatar as decisões judiciais já que, o comandante-geral não tem mais ´foro privilegiado´ , pois a Corporação agora passou a ser um órgão de segundo escalão, sendo subordinada à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, cabendo ao próprio Estado recorrer de decisões judiciais. "Já tivemos casos em que os candidatos reprovados no concurso ingressaram no curso preparatório através de recursos judiciais e os candidatos foram tirados de sala quando a liminar foi cassada."

Sobre o caso denunciado na reportagem, Marcus Costa afirma que não poderia se manifestar concretamente, já que precisaria ter os nomes dos candidatos e saber qual a situação deles na corporação. "Certamente amanhã (hoje) iremos ter mais informações concretas sobre a situação de cada um dos candidatos e o que foi checado na investigação social."

De Fernando Ribeiro e Nathália Lobo

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