Qualquer análise sobre o que significa este segundo turno deve ser
precedida por uma correta percepção sobre o que estamos travando: isso
é uma campanha ou é uma guerra?
A última semana de 1º turno e o início da primeira semana do 2º turno
mostram que não estão fazendo campanha contra Dilma. Estão travando
uma guerra.
Campanha insidiosa não é campanha, é guerra. Campanha que abusa do
sentimento religioso não é campanha, é cruzada. Campanha que inventa
frases nunca proferidas por Dilma para demonizá-la não é campanha, é
crime.
A quem interessa esse clima de guerra? A ninguém que cultive um mínimo
de espírito democrático. A ninguém que tenha esclarecimento suficiente
para saber que uma campanha eleitoral não é um plebiscito sobre questões
bioéticas que são complexas, que envolvem os três poderes da
República e que merecem um tratamento sério, e não sua banalização e
uso preconceituoso.
Não era para ser isso, mas o segundo turno pode se tornar uma batalha
do esclarecimento contra o obscurantismo. Voltamos ao século XVIII. É lá,
no século XVIII, que os setores elitistas ultraconservadores insistem em
querer manter o Brasil, em inúmeras questões. E é lamentável que parte
considerável dos que se dizem democratas se renda a esse senhorio e aceite
entrar pela porta dos fundos desse condomínio.
Ao percebermos esse quadro, é preciso uma mudança de postura. Da
candidata, dos partidos, dos militantes, e principalmente dos cidadãos
que vêem sua cidadania ser arranhada pelas patas do reacionarismo; dos
que são ameaçados em seu direito de discernir corretamente sobre o que
está em jogo, diante de uma pregação que não é só destinada ao 2º
turno, mas até a um 3º turno da eleição presidencial.
Todos os setores democráticos e populares, os que votaram em Marina e
mesmo parte dos que votaram em Serra têm o dever de entender o que se
está passando. A candidatura adversária está sendo capturada pelo
reacionarismo. O candidato Serra, que se dizia orgulhoso de sua biografia,
será que ainda faz questão de preservá-la? É o que veremos, não no horário
eleitoral gratuito, mas nas ruas, nos panfletos apócrifos, nas mensagens
que destilam ódio pela internet, nos pronunciamentos de seu vice (seja lá
quem for).
As três principais candidaturas (Dilma, Serra e Marina) fizeram um
primeiro turno relativamente tranqüilo, salvo pelas duas últimas semanas
de ataques irracionais à candidata governista. Dilma com um programa
propositivo, Serra fingindo não ser de oposição e Marina falando,
justamente, contra a polarização (que ela paradoxalmente contribuiu para
produzir, com o 2º turno).
Segundo turno, não tem jeito: é plebiscito. Ele representa um instrumento
de grande importância em nosso sistema político, pois garante que o
escolhido seja de fato respaldado pela ampla maioria dos eleitores. Por
isso, os candidatos são obrigados a mostrar quem são, o que representam e
quem representam.
É disso que se trata: a partir de agora, vai ser preciso dar nome aos bois
e às boiadas. Dilma ultrapassou o teto histórico da votação da esquerda em
primeiro turno, mesmo das votações dadas às campanhas vitoriosas de Lula.
É um feito que demonstra o avanço conquistado pelos movimentos sociais e
suas organizações e pelo amadurecimento do eleitorado brasileiro,
facilitado por um conjunto de políticas públicas que mostrou as diferenças
abissais do governo Lula em relação a qualquer outro governo.
Devemos pensar em três frentes: na política, na questão ambiental e no
desenvolvimento do país. Na política, o que está em jogo é o enraizamento
da participação popular no desenho das políticas públicas e o
fortalecimento das classes sociais menos favorecidas, em sua luta não
apenas por ascensão econômica, mas por protagonismo político. Isso é algo
que incomoda muita gente e que a ultradireita quer eliminar a todo custo.
Na questão ambiental, há uma guerra do setor predatório do agronegócio
contra Dilma. Basta ver que os mapas de votação que dão maioria a Serra
localizam-se fortemente em Estados e localidades que têm os maiores focos
de agronegócio predatório. É só ver quem está do lado de Serra e os
ruralistas que o apóiam.
Já o modelo de desenvolvimento sustentável com inclusão social deve
mostrar suas diferenças com o modelo de desenvolvimento excludente,
privatista e predatório. Vamos ter que lembrar dos vôos de galinha, dos
“inimpregáveis”, dos “vagabundos” (foi assim mesmo que FHC denominou os
servidores públicos aposentados), da época em que se considerava delírio
um salário mínimo de 100 dólares (isso mesmo, hoje daria menos de 170
reais).
Será preciso mostrar o que fizemos em crescimento econômico e em
desenvolvimento social das regiões mais pobres. Teremos que relembrar
o que era a Petrobrás e o BNDES há 8 anos e o que eles representam agora,
ao terem sido transformados em alavancas do desenvolvimento
nacional, com impactos positivos até sobre a América do Sul.
Será preciso mostrar o que se fez política externa, que de um lado
simboliza a importância do Brasil no exterior e, de outro, atiça os que
têm o complexo de vira latas.
Será preciso comparar o que se fez na Saúde no Governo Lula com o caos da
saúde em São Paulo, confrontando as opções de gestão: de um lado, o
fortalecimento da gestão pública; do outro, o desmonte, a terceirização, a
falta de investimentos. Será preciso defender o Plano Nacional de Direitos
Humanos 3, inclusive com a ajuda dos que foram responsáveis pela área de
direitos humanos durante a gestão anterior.
Questões como essas deveriam ser o cerne do debate. Mas isso é para uma
campanha. Para uma guerra, é mais do que urgente que não só os partidos
coligados à candidatura Dilma, mas todos os movimentos de cidadania que
lutam arduamente pela melhoria da qualidade do voto, pelo aperfeiçoamento
da nossa democracia, pela não deturpação e manipulação do debate eleitoral
cumpram a tarefa de alertar os cidadãos e cidadãs sobre as ações perversas
dos que se aproveitam desse momento eleitoral e do espaço dado pela
candidatura adversária para esgrimir suas ignomínias.
É preciso uma nova campanha da legalidade, com um trabalho militante de
recolhimento de denúncias e acionamento penal daqueles que se acham livres
para produzir atentados à democracia. Tenho a certeza de que, se isso for
estancado, deixaremos de travar uma guerra e poderemos
democraticamente iniciar uma campanha.
E poderemos certamente descobrir que os que apostam no envenenamento do
debate eleitoral são provavelmente os mesmos que acabaram derrotados na
luta pela redemocratização do país. Luta que custou muitas vidas e foi
vitoriosa graças a muita mobilização popular.
É essa história que devemos defender neste momento em que não podemos cair
na defensiva, nem nos acovardar pelas ameaças infames dos
profetas do golpismo e dos Zés do Apocalipse.
Arlete Sampaio
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
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