quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Desabafo

Não sou escritora, política, ou entendida em assuntos muito profundos como os que estamos debatendo e assistindo no momento. Mas em meio à enxurrada de textos que recebo todos os dias, me vejo na necessidade de reagir. Mais que um texto de posicionamento pessoal, eu quero apenas “vomitar” algumas idéias e sentimentos que estão me corroendo por dentro, e na impossibilidade de poder soltar um grito, me atrevo a escrever e espalhar alguns pensamentos, assim como muitos estão fazendo nestes dias.

Desde os primeiros debates e pesquisas do primeiro turno, até o resultado das eleições tenho tentado refletir sobre a responsabilidade dessas duas mulheres que se dispuseram a assumir o risco de concorrer à presidência da República. Desde há muito tempo queremos ver como mulheres e feministas a nós mesmas representada no Planalto. E para nós mulheres creio que foi fundamental ver essas duas mulheres, diferentes e iguais ao mesmo tempo, demonstrando sua capacidade de articular e mobilizar o Brasil em torno de dois temas tão importantes e urgentes para todo o país, bem como para toda humanidade. A partir desta campanha o rosto da mulher brasileira fará parte dos debates políticos. Não será mais possível ignorar a presença das mulheres na política, porque através delas todas nós estivemos representadas e fomos o alvo das atenções. No rosto de Marina a mulher pobre pode se ver, no rosto de Dilma a intelectual, a empresária, as mulheres que tiveram acesso à educação. Fomos vistas não como objeto de cama e mesa, mas como mulheres capazes de conduzir um país, e representá-lo no mundo.

Após o resultado do primeiro turno recai sobre essas mulheres uma enorme responsabilidade. De um lado a enorme responsabilidade de Marina Silva, por ter complicado a vitória de Dilma no primeiro turno e ter agora que tomar uma posição. Sem Marina, talvez teria sido mais fácil Dilma vencer. Talvez. De outro lado a terrível discussão sobre o aborto, tema nunca encarado de fato por nenhuma candidatura.

Dois temas polêmicos e urgentes e duas mulheres na condução do debate, ainda que o rosto de Marina esteja ausente da tela.

Conheço Marina como a maioria das pessoas. Sua história, sua vida de luta e sacrifício, sua coragem, que se mistura com o seu corpo franzino. Quando a vi em Porto Velho no inter-eclesial me impressionou a sua maneira de falar, mas me veio à mente, algo que às vezes experimento como mulher e pastora. Como é fácil arrancar aplausos no meio de quem pensa como a gente, ou está sedento de novidades. Como é fácil emocionar as pessoas com nossas estórias de vida.

Por sua força e determinação, e também pela estratégia de seus apoiadores, Marina foi capaz de trazer a discussão sobre o Meio Ambiente para o Ambiente Inteiro, em especial junto aos jovens, aumentando a onda verde. Mas toda onda é passageira, e o risco é que a discussão morra na praia, pois onda não se segura. É preciso mais Educação para que a juventude possa assumir essa luta com mais compromisso, e assim no futuro tenhamos um país mais “consciente e consistente” em relação ao Ambiente Inteiro.

Tão doloroso quanto ver a devastação do Ambiente Inteiro é assistir a discussão sobre o aborto, personalizado na candidatura de Dilma. Ninguém em sã consciência é favor do aborto. Assim como ninguém em sã consciência ateia fogo numa floresta em tempo de seca. Ambos são atos criminosos. A diferença é que os crimes contra a Natureza são difíceis de se comprovar. O aborto é fácil, pois a vitima é conhecida, está próxima de nós, e muitas vezes morta.

Se a questão do aborto surgiu nesta campanha, é porque ele é um fato tão grave e tão importante quanto à destruição Meio Ambiente, pois em ambos está presente a preservação da vida, em toda a sua plenitude. Por isso é hipócrita quem defende um projeto e exclui o outro. Se as Igrejas defendem a preservação da Natureza e trabalham o tema Ecologia, não podem deixar de trabalhar a questão do aborto com a mesma força e intensidade. Se é necessário preservar a Natureza é igualmente necessário preservar a Vida da Mulher.

Quando uma mulher recorre ao aborto é porque lhe faltaram todas as informações necessárias para não engravidar: Educação sexual, métodos anticoncepcionais de prevenção, e homens com o mesmo conhecimento e respeito, capazes de impedir que uma gravidez indesejada aconteça. Porque uma gravidez só acontece quando se tem um homem na relação. E aí está o grande problema na questão do aborto. O homem está saindo ileso na discussão. E pior está conduzindo a discussão como quem está fora do problema. Olhando apenas para a vida que foi gerada por ele, e não para a vida que está ameaçada por causa dele. É importante perceber que quem está escrevendo e debatendo mais sobre o aborto são homens, em nome das Igrejas ou de seus próprios interesses. Digo das Igrejas porque por trás da Católica, outras se escondem ou incluem o seu discurso.

A vida da mulher não interessa para os homens, não interessa para as Igrejas, até o momento em que está para acontecer um aborto. Nesse momento todos entram com seus discursos baseados na religião, na ética, na moral, fazendo prevalecer a lei e a justiça.

Discriminalizar o aborto não significa apoiar para que as mulheres realizem o aborto sempre que engravidarem, mas significa não punir com uma pena maior, que aquela que já carregam por conta própria. Se uma mulher tiver que responder como crime por abortar, que também sejam punidos os que cometem crimes contra a Natureza, ou seja, contra o Ambiente Inteiro.

O tema do aborto entrou no debate para aterrorizar as pessoas e não para esclarecer e ajudar a pensar em políticas públicas para as mulheres. Somos mais de 50% das eleitoras e mãe dos outros 50%.

Compete a nós mulheres termos clareza sobre o cuidado com o nosso corpo, clareza sobre os interesses que se tem sobre o nosso corpo. Com o nosso corpo vende-se de sabonete a carros importados. Somos responsáveis pela propaganda e pela compra de milhares de produtos. Somos responsáveis pelo cuidado da Criação Inteira.

Façamos valer a nossa condição de Mulher e o nosso direito a Opinar sem o autoritarismo de quem quer que seja. Estado – Igreja – Marido.

Neusa Tetzner

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