sexta-feira, 16 de julho de 2010

A conjuntura depois da Copa (e antes da TV)

Estamos frente a um cenário muito positivo para a eleição de Dilma presidenta e para uma ampla vitória do PT. Esse cenário somente se configurará depois de muita disputa, e extremamente dura, concentrada no tempo da TV e na mobilização político-eleitoral na rua. Mas é uma disputa sob a perspectiva de uma grande vitória.
É importante tentar compreender os movimentos que se expressam na cena eleitoral para buscar extrair mais do que as necessárias decorrências eleitorais. É nesse sentido que abordamos aqui o que nos parecem três aspectos essenciais: a derrocada da antiga hegemonia neoliberal; a construção de uma nova hegemonia política (a partir de Lula) em torno da candidatura Dilma; e o lugar do PT na vitória possível que está se delineando.

A derrocada neoliberal: profunda, mas desigual

A estagnação de Serra nas pesquisas desde que está na praça como candidato revela, em primeiro lugar, a incapacidade de se restaurar a hegemonia neoliberal. A dificuldade de reorganizar o amplo campo da direita mostra-se nos seus palanques estaduais e mesmo na dificuldade de unificar o PSDB. Isso ficou claro também no episódio da indicação do vice de Serra, cômico e esvaziado de qualquer potência política.

Serra expressa hoje incapacidade de formular uma alternativa nacional frente ao governo Lula, oscila entre o mimetismo e a oposição. Sua essência neoliberal está no caráter anti-PT e anti-esquerda que encarna. Já se disse que ele não seria propriamente um candidato de direita, mas da direita. Se algum dia essa diferença fez sentido, hoje é puramente semântica. É cada vez mais uma candidatura da direita e de direita. Em certa medida, ele está entre refundar um pólo ideológico opositor ou buscar uma saída eleitoral imediata.

Seria ingenuidade pensar que a direita se expressa somente através da candidatura Serra. Mais ainda, imaginar que interesses das classes dominantes tenham aí seu único conduto, ou que só se apresentariam em momentos eleitorais (e não no processo de governo, em que seus interesses e representantes se mostram ativos e influentes).

O partido da direita é muito mais amplo. Observe-se o papel desempenhado pelos grandes e oligopólicos meios de comunicação. Esse setor desenvolve o maior esforço em “edificar” uma alternativa Serra. Mas, além disso, ele também parece jogar com a sua derrota e começa a buscar condicionar a candidatura Dilma de várias formas, sendo a mais ilustrativa delas a busca de separação cirúrgica entre PT e candidatura Dilma, proclamando o que é aceitável e o que não é (via de regra, o programa “radical” do PT). Esse movimento de contenção já foi visto em outros momentos em relação ao próprio Lula. É verdade, no entanto, que no curso recente, esse amplo partido da direita perfilou-se na oposição a Lula e no ódio ao PT. Quiçá isso nos ajude nos combates contra os cantos de sereia que teremos pela frente.

A construção da nova hegemonia

Depois de dois anos de lançada como pré-candidata pelo presidente Lula, a companheira Dilma firma-se como favorita em todas as pesquisas, que a apontam, no quesito “expectativa de vitória”, como nova e primeira presidenta do Brasil. Desde quando iniciaram, as pesquisas sobre sua intenção de voto mostram crescimento contínuo e consistente em termos de declaração espontânea e estimulada. Quando se associa a essas medidas o nível de aprovação do governo e se verificam os setores que ainda não foram alcançados pelo debate eleitoral – e supondo que a TV joga um papel amplificador na consolidação de todos os aspectos positivos que conformam a identidade político-eleitoral da nossa candidata e chega a todos os setores do eleitorado – é possível dizer que alcançamos um patamar de favoritismo na corrida presidencial.

A afirmação de Dilma ocorreu, em primeiro lugar, no próprio PT, que a reconheceu como sua legítima candidata – a Democracia Socialista foi a primeira corrente a defendê-la, em agosto de 2008; depois disso, o movimento Mensagem ao Partido, no início de 2009, também assumiu sua pré-candidatura, que demorou um certo tempo a ser assumida de modo consensual pelo partido. Em segundo lugar, ela vai sendo reconhecida pela ampla base política e social que tem no presidente Lula a referência política fundamental. E, em terceiro lugar, vai assumindo uma identidade político-eleitoral com capacidade de conquista frente à população.

O que está ocorrendo é a formação de uma maioria política – ou, mais corretamente, uma hegemonia em construção – na sucessão de Lula, fortemente identificada com ele e com o governo, que precisa completar-se com a “utopia concreta” do futuro do Brasil pós-Lula, mas com Lula, com o PT e, obviamente, com Dilma presidenta.

A explicação superficial (isto é, da imprensa conservadora) para esse fenômeno tem sido a popularidade de Lula ou os altos índices de aprovação ao governo. Essa lógica costuma atribuir aos programas sociais essa aprovação, como se houvesse uma troca utilitária entre o povo pobre e o presidente. Não que esses fatores não existam, mas eles apenas desenham alguns traços de um processo político-social e de um sujeito histórico em formação muito mais substantivo e profundo.

A divulgação de dados econômicos e sociais que mostram que a centralidade da evolução recente do Brasil está na elevação do emprego e da “renda” do trabalho bastaria para desmontar a visão simplista conservadora. A histórica aversão ao povo professada pela direita revela-se, mais uma vez, limitadora da sua compreensão do Brasil.

Injeção de programa

Nossa interpretação do “fenômeno Dilma”, em contrapartida, deve partir da compreensão de que o Brasil de hoje está à esquerda quando comparado com 2002, ou seja, que o legado do governo Lula é um país menos liberal e mais “democrático-popular”. Desde as conquistas do 1º mandato e, sobretudo, desde o embate do 2º turno de 2006 com Alckmin, que culminou com a derrota do neoliberalismo por um projeto nacional de desenvolvimento democrático e popular, passando pelo enfrentamento da crise internacional sob uma perspectiva de esquerda, Lula conquistou uma larga maioria – uma hegemonia “em construção” – para um projeto de nação com democracia, efetiva participação popular nos frutos do desenvolvimento e soberania nacional. É necessário frisar que esse é um processo em andamento, e que, desde o ponto de vista do programa socialista do PT, esse projeto ainda não alcançou o estágio de democratização (e transformação) do poder, mas sim o de representação no poder de um projeto que tem esse potencial.

Esse legado tem como autêntica representante a companheira Dilma. Ela, cada vez mais, assume a liderança de uma nova etapa do projeto inaugurado por Lula. Seu papel fundamental na condução do governo e no enfrentamento da mediocridade neoliberal comparece na definição da sua identidade; sua formação de esquerda também.

Além de representar um legado com sentido democrático-popular, a companheira Dilma deve assumir uma identidade socialista-democrática, que só pode ser conferida como expressão partidária. É o PT que assegura essa identidade, essencial para que, além da continuidade de um projeto, se acentue o seu avanço qualitativo. Essa unidade entre candidatura e partido ainda não está plenamente constituída, mas, como um objetivo determinante, pode e deve ser construída ainda no processo eleitoral.

Assim, devemos agregar um elemento na conformação do atual período de disputa de rumos do Brasil: o fortalecimento de um partido socialista de massas ao longo de todo o ciclo histórico pós-regime militar. Diferente de outros processos de ruptura antineoliberal na América Latina, esse tem sido o elemento estratégico que nos distingue como “caso nacional” e que nos dá enorme potencial transformador.

A fobia anti-PT desenvolvida no seio das classes dominantes sempre motivou intensos ataques ao partido. Profundos equívocos internos, como o de 2005, forneceram pretextos para esse ódio de classe. Mas o PT resistiu, é a referência política para grande parte das amplas massas que se identificam com Lula; é, de longe, o partido preferido pelos que têm simpatia partidária. E, mais importante, o PT aprofundou o seu caráter de partido dos “de baixo” e da classe trabalhadora, em grande medida, em decorrência da ação do governo Lula. Mas não só.

Ainda que parcialmente, o partido superou a crise de 2005 e as vacilações programáticas do 1º governo, afirmando-se dentro das suas melhores tradições socialistas e democráticas. Evidentemente, trata-se de um processo em curso, mas que se reforça com a eleição de Dilma e com a possibilidade de abrir um novo período político mais promissor para a defesa do socialismo democrático. Longe do vaticínio sectário dos que romperam “pela esquerda” – e que hoje vivem uma profunda interrogação sobre seus experimentos partidários –, o PT vem consolidando suas bases nas classes trabalhadoras, o seu programa anti-neoliberal e seu potencial de desenvolvimento socialista.

O PT dentro da luta pela vitória

Muitas vezes se pensa o partido somente pelas suas instâncias de direção; esquece-se de compreendê-lo como referência histórica do governo e de movimentos sociais, sobretudo a CUT. Essa unidade é que deve ser traduzida na disputa política e na construção da identidade socialista-democrática da candidatura presidencial da companheira Dilma.

Nesse contexto, podemos dizer que a vitória de Dilma pode se constituir como uma vitória socialista, e, nesse caso, abrirá um novo e mais promissor período na história nacional.

Não apenas porque em torno da candidatura Dilma se estrutura uma ampla frente, mas porque depende do PT imprimir à hegemonia política em construção uma perspectiva socialista democrática: essa é a razão fundamental da exigência do papel de direção do PT sobre o conjunto da campanha. Essa construção da hegemonia torna-se mais importante ainda em uma disputa na qual o PMDB ganha força, com mais nitidez, na coalizão nacional, bem como em chapas que disputam os governos em estados centrais do país.

Esse papel não compete apenas à direção formal do PT – que tem, por certo, tarefas insubstituíveis que precisa cumprir –, mas à direção real do partido, o que inclui sua presença no governo e nos movimentos sociais. E certamente, nessa dimensão ampliada e real de direção partidária, Lula e Dilma têm lugar destacado de liderança. Nada mais equivocado do que considerá-los “externos” à direção real do partido.

Cabe a essa direção real e ampliada – naturalmente, ouvindo os partidos aliados, principalmente os de esquerda – sintetizar o programa para o próximo governo, para o qual nosso 4º Congresso deu uma contribuição importante que deve se somar às práticas e conhecimentos mais avançados conquistados no governo e às contribuições dos movimentos sociais.

Muito mais que um documento, o programa é um elo a ser construído com a ampla base social que apóia nossa candidatura. E que pode se movimentar em defesa dessas posições. Nesse sentido, é fundamental uma campanha “programática”. Sempre que a nossa candidatura assume essa postura, a direita recua e fica ainda mais na defensiva.

De outro lado, não há hegemonia sem força. É fundamental que o PT cresça dentro da vitória de Dilma. Nisso se destaca a conquista de governos estaduais, onde já governamos e onde podemos chegar ao 2º turno e vencer, como em SP. Também contribui a conquista de estados onde o PT, ainda que não lidere a chapa majoritária, tem papel fundamental, sobretudo aqueles encabeçados por partidos de esquerda.

Essas são vitórias que, junto com a eleição presidencial de Dilma, aprofundam a mudança na correlação de forças. A formação de bancadas maiores e mais coesas no congresso e nas assembléias estaduais é outra frente destacada nessa conquista de força e que será decisiva para a luta pela reforma política.

Nesse contexto de extrema defensiva das forças neoliberais no plano nacional, há bastante legitimidade para se avançar no programa de transformação do Brasil e na conquista de novas posições que aprofundem a revolução democrática que temos defendido.

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