Ernest Mandel foi um dos maiores teóricos marxistas da segunda metade do século XX e o principal dirigente da Quarta Internacional fundada por Leon Trotsky. Empenhou todo seu humanismo revolucionário, sua energia, seu conhecimento e sua vasta cultura a serviço da luta pelo socialismo com democracia e da construção do internacionalismo dos povos.
Nos tempos revolucionários de 1968, teve a honra de ter sua entrada proibida, ao mesmo tempo, nos Estados Unidos e na União Soviética, nos países do Leste Europeu e na França, Alemanha e Espanha, entre outros.
Mandel esteve várias vezes no Brasil nos anos 80 e 90, e contribuiu com sua imensa bagagem marxista revolucionária para os debates promovidos pelo Jornal Em Tempo e a construção da Tendência Democracia Socialista, sempre acompanhando com muito interesse o desenvolvimento da luta de classes no país, o surgimento da CUT e a construção do PT como partido socialista de massas.
Ernest Mandel foi o economista marxista mais importante das últimas décadas do século XX, autor de obras de referência como Tratado de Economia Marxista e Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx nos anos 1960, e do clássico Capitalismo Tardio nos anos 1970, no qual previu o início da onda longa recessiva do capitalismo antes que isso fosse reconhecido por todo o mundo. Na década de 1980, publicou suas análises sobre As ondas longas do capitalismo e sobre O significado da Segunda Guerra Mundial. Nos anos 90 escreveu suas duas últimas obras de fôlego: Trotsky como alternativa; O poder e o dinheiro, esta, infelizmente, ainda inédita no Brasil.
Morreu há 15 anos, deixando importante legado para a organização internacional dos socialistas, base fundamental para a construção do socialismo no século XXI. Uma conjuntura política desafiadora, complexa, com uma diversidade de potenciais sujeitos políticos, que ele não viveu. Mas ajudou a preparar muitos e muitas para enfrentá-la.
Economia política e democracia socialista
Na cultura do marxismo da segunda metade do século XX, será difícil encontrar um autor como Ernest Mandel, que tenha, ao mesmo tempo, dado uma contribuição imprescindível à economia política e a uma teoria da transição democrática ao socialismo. Essa singularidade do marxismo crítico de Mandel certamente se relaciona com o caráter classicizante de sua reflexão, isto é, ao fato de ele dialogar diretamente com a obra de Marx, extraindo dela as fontes de sua renovação para a contemporaneidade.
Esse sentido clássico do marxismo de Ernest Mandel revela-se principalmente na busca de uma visão de totalidade dinâmica do capitalismo, nela inserindo as perspectivas da emancipação. Isto é, nesse campo de reflexão há uma permanente recusa em separar a economia da política, fechando os espaços para um determinismo econômico, de um lado, e para um programa de emancipação sem bases sociais de sustentação, de outro.
No ensaio “Ernest Mandel e a crise do capitalismo tardio”, de Francisco Louçã, é esta primeira dimensão que vem à tona. A teoria de Mandel sobre os ciclos longos do capitalismo, segundo Louçã, teria repensado criticamente as contribuições de Rosa Luxemburgo, Hilferding, Grossmann e Boukharin, que ainda se assentavam na análise dos ciclos de reprodução de O Capital. Na perspectiva de Mandel, a teoria sem história é muda e a história sem teoria é cega. Daí a necessidade de repensar as ondas longas de desenvolvimento do capitalismo na “realidade histórica da onda longa (enquanto) totalidade integrada”, com particular atenção ao poder e aos novos modos de coordenação das economias e das sociedades.
Está ainda para ser escrita, em parte porque a própria cultura do socialismo democrático vive ainda um período de formação, a contribuição decisiva de Mandel para uma teoria da transição democrática ao socialismo. O documento “Democracia socialista e ditadura do proletariado”, no qual teve papel-chave, elabora pela primeira vez uma perspectiva revolucionária que pensa a transição ao socialismo com pleno pluralismo partidário e respeito aos direitos humanos. Em uma época na qual quem ainda mantinha a idéia de revolução, em geral, fechava-se aos valores da democracia, e quem se abria aos valores normativos da democracia tendia à social-democratização de suas perspectivas, tal unidade entre o valor da revolução e da democracia foi transcendente.
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