quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

De solução a problema: Quem promove o ódio ao Estado?


Protestos em Madri pedem mudanças em políticas do Estado espanhol, com medidas para garantir empregos. Foto de Carlos Delgado / CC Wikimédia.
Faz pouco tempo que aquele que deveria ser promovedor de bem-estar social passou a servir ao mesmo mercado que nasceu e vive de atacá-lo.
Até não faz muito tempo, Richard Nixon, ainda presidente dos Estados Unidos, declarava: “Somos todos keynesianos”. Era a demonstração da hegemonia desse modelo. Foram conservadores – e não a esquerda – os responsáveis pelo Estado de bem-estar social na Europa. Era a confirmação de que se tratava de um consenso geral.
Uma década depois, outro presidente norte-americano anunciou a mudança radical de rumo. Para Ronald Reagan, o Estado deixava de ser solução, para ser o problema. Apontava-se o elemento chave do modelo keynesiano, para torná-lo agora o alvo dos ataques concentrados do neoliberalismo, primeira por parte da direita tradicional, depois também por setores advindos da esquerda histórica.
A partir daquele momento, se deflagrou uma feroz luta de ideias e políticas sobre o papel do Estado, com consequências diretas sobre a economia. O ataque ao Estado muitas vezes não revelava claramente o que se colocava no seu lugar: o mercado. Trata-se de uma mesma operação ideológica, mas com duas caras.
Pelo diagnóstico neoliberal, as economias deixam de crescer, prejudicados pela excessiva quantidade de regulamentações, que travam e desincentivam os investimentos. Se tratariam então de liberar o capital dos limites que o obstaculizariam, para que se implemente o livre comércio, com o que se retomariam os investimentos, a economia voltaria a crescer e todos voltariam a ganhar – era assim que pregavam Reagan e Margareth Thatcher, alegre e ingenuamente.
Mas, como Marx recordava sempre, o capital não está feito para produzir, mas para acumular. Deixado sem travas, ele se transferiu, em proporções gigantescas, para o setor financeiro, em todas as suas modalidades especulativas. As economias não voltaram a crescer, mas se deu uma monstruosa transferência de renda para aquele que se tornou o setor hegemônico dali em diante.
O Estado mínimo é o corolário da centralidade do mercado. E a direita passou a intensificar seus diagnósticos críticos do Estado, de sua capacidade reguladora da economia – como contrapeso à sanha do mercado –, mas também de suas outras funções.
O Estado seria, por essência, ineficiente, desperdiçador de recursos, arrecadador em excesso de impostos dos quais devolveria pouco à sociedade, seria a raiz fundamental da corrupção e o fechamento “impõe” aos saudáveis ingressos de capitais externos e de inovações tecnológicas, gerador de uma imensa burocracia, desalentador dos investimentos. Além de quê, como tema privilegiado do liberalismo, seria fonte de totalitarismos políticos. Por tudo isso, é preciso atacá-lo incessantemente.
Os imensos processos de privatização, de abertura dos mercados, de desemprego de funcionários públicos, de suspensão de toda forma de controle estatal sobre a economia –, tornaram-se o eixo das políticas neoliberais. Medidas que fracassaram em todas as partes do mundo.
No máximo, controlaram a inflação por um tempo, mas aumentando exponencialmente a dívida pública, promoveram a precarização das relações de trabalho, aumentaram o desemprego, o endividamento externo. Para que tudo isso fosse possível, foi necessário incentivar, a todo momento, o ódio ao Estado.
Mas algumas funções do Estado interessam à direita. A primeira delas, essencial, é a repressão. Isso porque as políticas com tais características intensificam as crises sociais e requerem repressão. Requerem também o controle do Judiciário, que legitima governos autoritários. Requerem Bancos Centrais que garantam a liberalização da economia.
É, assim, um ódio seletivo às funções de regulação econômica do Estado, de garantidor e promovedor de direitos sociais, de proteção do mercado interno. E como não estão em posição que lhes permita fazer elogios ao mercado – responsável central pela crise econômica internacional que começou em 2008 e não tem prazo para terminar –, atacam, com ódio, ao Estado, forma encontrada de promover a centralidade do próprio mercado.

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