quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Porto Alegre: No rastro do antropoceno

Domingo, dia 31 de janeiro, quase dois dias depois de uma tempestade com ventos de 120 km e com impacto de um furacão categoria 1, conforme definição do Metroclima, serviço meteorológico da cidade, metade da população está sem água e 140 mil residências sem luz. Moro no alto da Avenida Oscar Pereira, zona periférica, onde no início da manhã os moradores fizeram um bloqueio com paus e árvores queimando, mas em casa temos luz, desde a madrugada. Sem água. O calor que chegou a 39,3 graus na sexta-feira, dia do temporal ontem passava dos 30. Sem luz, três das seis estações de abastecimento de água da capital gaúcha, continuam sem funcionar. O Presídio Central, onde estão mais de quatro mil detentos continua sendo abastecido com carro pipa. Os bairros Menino Deus, Cidade Baixa e Bom Fim foram os mais atingidos – trata-se do coração cultural e boêmio da cidade.

Sábado, dia 30, 9 horas. Como de costume cheguei à feira ecológica para as compras da semana. Pelo caminho, sinaleiras sem funcionar, muitas árvores caídas – mais de 300 no total -, vidros quebrados, telhados que despencaram – incluindo o do Shopping Praia de Belas, empresa que a RBS participa. Cenário de destruição. Na rua do Brique, como chamamos a José Bonifácio, as velhas tipuanas, a espécie que predomina, estavam detonadas, muitas no chão e galhos espalhados pela via. Ao lado, onde já é o Parque da Redenção, o cenário era pior. Muitas árvores estraçalhadas. Muitas pessoas estavam no local fotografando, todos chocados, incluindo eu, que tive vontade de chorar.



Raios que caíram durante 60 minutos



O rastro do Antropoceno, a marca da espécie humana na superfície e na atmosfera do planeta, era visível. Uma energia muito grande e concentrada tinha se dissipado sobre Porto Alegre, na forma de chuva, raios e muito vento. Na sexta-feira, observava a concentração do calor da janela de casa, em frente ao Morro da Embratel, assim chamado porque concentra a maioria das antelas da cidade. Embaixo o vale, onde fica o bairro 1º de Maio. Desde que comecei a identificar os ventos do ciclo extratropical que chegam à costa do Rio Grande do Sul, associei o barulho que fazem as árvores no topo do morro com a velocidade dos ventos. Se o barulho é ensurdecedor os ventos estão acima de 100 km. Foi o que ocorreu na sexta-feira, às 22 horas. Marquei no relógio e fiquei acompanhando. Logo em seguida, as nuvens avançaram por dentro do vale e no topo do morro. E os primeiros estrondos iniciaram. Uma sequência que durou exatamente 60 minutos. Um atrás do outro, com relâmpagos que clareavam a noite.

O fato de morar perto das antenas aumenta o pavor, quando a sequência de raios é alucinante. Nunca tinha visto isso. Clarões durante uma hora e estrondos em série. Em julho de 2014 outra tempestade desse tipo varreu o estado. Caíram raios a cada três segundos. Nesta, do dia 29 de janeiro, não dava para contar até três. No Brasil caem 50 milhões de raios todos os anos. Entretanto, a questão maior é que o aquecimento global tem aumentado o número de eventos climáticos extremos e acelerando a intensidade e, em consequência, seus estragos. Em duas décadas foram mais de 600 mil mortos. A Organização Meteorológica Mundial, da ONU, divulgou no final de 2015, que o El Niño em vigor é o mais forte desde 1950. O El Niño já é um fenômeno climático extremo envolvendo o aquecimento das águas do Pacífico – ficaram mais de dois graus acima da média.



Não vemos o CO2, mas ele é uma ameaça real



O Secretário executivo da OMM, Michel Jarraud disse no início de 2016 que as temperaturas no ano passado estiveram um grau acima da média, desde a era pré-industrial, como resultado de uma mistura de um El Niño excepcionalmente forte e as mudanças climáticas:

“- A temperatura média da superfície em 2015 quebrou todos os recordes anteriores por uma grande margem. Além disso, 15 dos 16 anos desse século foram os mais quentes, sendo que 2015 superou os anos anteriores no aumento da temperatura. O El Niño e a mudança climática devem interagir e um modificar o outro de forma nunca vista antes. Em breve iremos viver em uma atmosfera em que o teor médio de CO2 irá exceder 400ppm – partes por milhão. Não vemos o CO2, que é uma ameaça invisível, mas ele é uma ameaça real”, disse Michel Jarraud, ao anunciar o relatório completo da OMM para março próximo.


O Metroclima da Prefeitura de Porto Alegre classificou a tempestade como “macroburst”, um fenômeno meteorológico incomum, onde uma forte corrente descendente de vento se espalha de modo radial, a partir de um ponto cultural, sendo capaz de gerar rajadas tão fortes e destruidoras quanto as de um tornado intenso. Os caminhões do departamento de limpeza pública já recolheram mais de 360 toneladas de restos de árvores. Não há previsão de quando a água voltará. O governador não está na cidade, nem o prefeito, os respectivos vices comandam os trabalhos. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário será avaliado pelo moderador, para que se possa ser divulgada. Palavras torpes, agressão moral e verbal, entre outras atitudes não serão aceitas.