Conselheiro da Oxfam, que denunciou hiper-concentração global de riqueza, sustenta: desigualdade tem sido meticulosamente fabricada, por elite que controla poder ou refugia-se em paraísos fiscais.
Entrevista de Mikhail Maslennikov, via Página/12 e lido no Outras Palavras em 24/1/2016
O relatório da organização internacional Oxfam sobre a desigualdade no mundo, An economy for the 1% (“Uma economia para o 1%”), divulgado nesta semana, mostra que as 62 pessoas mais ricas do mundo – 53 delas homens, com os estadunidenses Bill Gates e Warren Buffet e o mexicano Carlos Slim na liderança – detêm em conjunto a mesma riqueza de 3,6 bilhões de pobres do mundo. Isto equivale dizer que possuem a riqueza de quase a metade da população mundial, que hoje soma pouco mais de 7,3 bilhões.
Os números são apavorantes, caso se acrescente, além disso, que o abismo está crescendo mais rápido do que a própria Oxfam havia predito, há um ano, e que as mulheres são desproporcionalmente atingidas por esta desigualdade. A Oxfam – cujo nome deriva de Oxford, Inglaterra, onde foi fundada em 1942, e de famine que em inglês significa fome – é uma confederação de 17 organizações não governamentais que trabalha em 94 países para encontrar soluções à pobreza.
Mikhail Maslennikov é um matemático e econometrista que trabalha na Oxfam Itália como conselheiro político sobre temas de desigualdade econômica e justiça fiscal. Eis sua entrevista.
Segundo o relatório da Oxfam, 62 multimilionários tem a mesma riqueza que quase a metade do mundo. Como se chegou a esta conclusão?Analisamos a distribuição da receita em escala global. A desigualdade é um sintoma de grande mal-estar social tão forte que até mesmo organizações econômicas internacionais como FMI, OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] e Banco Mundial estão sendo obrigadas a levá-la em conta. Porque se as desigualdades econômicas não fossem tão extremas como agora, o crescimento econômico interno em diferentes regiões do mundo haveria sido favorecido. Na Itália, por exemplo, estima-se que a queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 8%, nos últimos anos, deu-se também em razão das desigualdades econômicas.
E os governos, que papel têm cumprido em tudo isto?Em geral, os governos subestimaram o fenômeno e o favoreceram, em certo sentido, com certas decisões em nível de política pública. A Oxfam concentrou-se nos efeitos produzidos pelas políticas fiscais, especialmente nos sistemas fiscais nacionais que não são suficientemente progressivos (quanto mais se ganha, mais se paga). Em muitos países – um caso eloquente são os Estados Unidos – as alíquotas fiscais para as receitas mais altas foram reduzidas ao mínimo, nos últimos trinta anos. Isto permitiu a concentração da receita nos setores mais favorecidos da população, que pagaram menos tributos para o Estado. Um exemplo de pouca progressividade em matéria fiscal é a Itália, onde a alíquota paga por uma pessoa que ganha 80 mil e por outra que ganha 8 milhões, ao ano, é a mesma.
Você também mencionou os salários...Para analisar a desigualdade também observamos a receita do trabalho nos últimos 25 e 30 anos, analisamos a receita global em razão da receita do trabalho. E concluímos que sobre a ampla desigualdade econômica também incidem as variações remunerativas. O abismo entre os que ocupam cargos de direção e os empregados médios foi ampliada, com o passar dos anos. No relatório, analisamos casos significativos de grandes companhias estadunidenses. Há dados de vários países, como Estados Unidos, Índia e Reino Unido, mas nem todas as companhias têm a obrigação de publicar os salários dos grandes dirigentes. Em outros países, não há qualquer obrigação de torná-los públicos. Nos países em que foi possível analisar, a diferença está se acentuando.
Outros fatores que influíram para aumentar a distância entre ricos e pobres?Também influíram as políticas econômicas dos últimos 30 anos. Houve uma redução dos investimentos nos serviços públicos essenciais, em geral. Para nós, a desigualdade econômica também é uma demonstração de que este modelo econômico fracassou. Quanto mais poder econômico se tem, mais riqueza se possui e mais é possível condicionar as decisões em matéria de política econômica por parte dos governos.
Qual foi o papel do dinheiro enviado aos chamados paraísos fiscais?Quando a concentração da riqueza chega ao pico da pirâmide, tenta-se conservá-la. Uma das formas para isso é defender os privilégios fiscais ou esconder essa riqueza em algum paraíso fiscal. Alguns economistas e a Oxfam têm estimado que cerca de US$7,6 trilhões estão escondidos nos paraísos fiscais. Se fossem pagos os impostos sobre esta riqueza, as receitas fiscais para os governos seriam de US$190 bilhões por ano. Além disso, os paraísos fiscais são o ponto de chegada dos lucros transferidos pelas grandes multinacionais, mas também pelos indivíduos, fora das jurisdições fiscais dos países onde realmente fazem sua atividade. O exemplo é o informe 2012 de grandes companhias estadunidenses que declararam receitas nas Ilhas Bermudas – um paraíso fiscal – por €80 bilhões. Significa 3,3% de todas as suas receitas globais. No entanto, esse número não reflete a real presença econômica dessas companhias nas Bermudas, onde possuem apenas 0,3% de suas vendas globais e 0,01% do custo trabalhista global.
Nesses dias, acontece o tradicional Foro de Davos, na Suíça, que reúne políticos, economistas e empresários de todo o mundo. O que a Oxfam apresentará lá?Queremos fazer um chamado às elites e aos governos, lançando a reivindicação de maior justiça fiscal. Queremos também recordar às elites o nível de desigualdade em que vivemos e a responsabilidade que elas têm. A Oxfam demonstrou que das 200 companhias analisadas – entre as quais estão incluídas as 120 maiores do mundo e uns 100 sócios estratégicos do Fórum –, nove em cada dez estão presentes nos paraísos fiscais. Queremos dizer que o dinheiro enviado para os paraísos fiscais acentua a desigualdade. Ou seja, chamaremos atenção sobre os níveis insustentáveis da desigualdade. Também alertaremos de forma provocadora contra a evasão fiscal das corporações que estejam presentes em Davos.
Em sua opinião, o que cada país deveria fazer para diminuir as diferenças entre ricos e pobres?Como prioridade, acredito que seria preciso redefinir os sistemas fiscais para que sejam mais progressivos e analisar o impacto de novos sistemas sobre os níveis de desigualdade. Além disso, maiores investimentos em serviços públicos essenciais como Educação e Saúde, e políticas de apoio ao Trabalho. E, em plano internacional, os governos deveriam contribuir para uma reforma da fiscalidade internacional, acabando com os paraísos fiscais.
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