A operação descobriu um elefante – a Mossack Fonseca – e agora não sabe como escondê-lo para não comprometer os Marinho.
Está ficando cada vez mais interessante o jogo da Lava-Jato. As novas peças do tabuleiro mostram uma reviravolta no chamado modus operandi da Lava-Jato, uma inversão total da estratégia original, de cobrir a operação com o manto do legalismo e da isenção.
Fato 1 – Na semana passada, a decisão “inadvertida” de Sérgio Moro de vazar informações sobre um inquérito supostamente sigiloso sobre o sítio de Atibaia.
Fato 2 – No rastro da porteira aberta, procuradores e delegados vazam para a revista Vejaa relevante informação sobre as caixas de bebida de Lula, transportadas de Brasília para o sitio em Atibaia.
Ou seja, uma armação que coloca em risco a imagem de isenção da Lava-Jato e que resulta em um factoide que despertou reação indignada até de juristas inicialmente a favor da operação, como Walter Maierovitch, um ícone na luta contra o crime organizado, por meramente ser uma invasão da vida privada de Lula.
Fato 3 – O procurador Carlos Fernando dos Santos, o mais imprudente dos procuradores da Lava-Jato, em entrevista ao Estadão escancara o viés partidário da operação. “A Força Tarefa Lava-Jato ainda pretende demonstrar além de qualquer dúvida razoável que todo esse esquema se originou dentro das altas esferas do governo federal”.
Se acha assim, que investigue. Qual a razão para sair apregoando suspeitas?
O bordão anterior de que “a Lava-Jato investiga fatos, e não pessoas” é substituído por insinuações graves contra as “altas esferas do governo federal”, modo pouco sutil de se referir a Lula.
Qual a razão desse açodamento? O que teria ocorrido internamente na Lava-Jato, para essa mudança no modus operandi?
Há uma articulação nítida entre três operações: a Lava-Jato, a Zelotes e a do Ministério Público Estadual de São Paulo. As três visam pegar Lula.
Ao mesmo tempo, aparentemente houve alguma perda de controle da Lava-Jato sobre seus vazadores, que se comportam como os “radicais, porém sinceros” do regime militar, expondo questões altamente delicadas no modo de atuação de Moro e seus rapazes.
O caso SolarisO pepino começou com o caso Solaris, o edifício que tem o tal tríplex que pretendem atribuir a Lula.
Na investigação sobre o Bancoop, o MPE de São Paulo já tinha levantado o fato de alguns apartamentos do edifício estarem em nome de uma lavanderia, a Murray Holding LLC.
A Lava-Jato julgou que estaria ali a pista para pegar Lula já que os apartamentos não vendidos do Solaris teoricamente deveriam ser de propriedade da OAS. Mesmo já estando sob investigação do MPE, a Lava-Jato se apropriou do tema e tratou de adubar o terreno com a parceria com veículos, especialmente da Globo.
Acompanhem a cronologia para entender o pepino que a Lava-Jato arrumou para si própria
27/1/2016 – A Lava-Jato vaza para a revista Época (das Organizações Globo) a informação de que vários apartamentos estavam em nome da Murray Holding, empresa da holding panamenha Mossack Fonseca. No dia 22 de janeiro, dizia a matéria, a Polícia Federal captou uma conversa telefônica entre Carolina Auada e seu pai Ademir Auada, representante da Mossack no qual ele diz estar picando papéis. Segundo a revista, a queima de arquivos começou depois que a reportagem tentou entrevistar uma ex-funcionária da Bancoop, Nelci Warken, que teria transferido imóveis para a Murray (clique aqui).
27/1/2016 – A Lava-Jato vaza para a revista Época (das Organizações Globo) a informação de que vários apartamentos estavam em nome da Murray Holding, empresa da holding panamenha Mossack Fonseca. No dia 22 de janeiro, dizia a matéria, a Polícia Federal captou uma conversa telefônica entre Carolina Auada e seu pai Ademir Auada, representante da Mossack no qual ele diz estar picando papéis. Segundo a revista, a queima de arquivos começou depois que a reportagem tentou entrevistar uma ex-funcionária da Bancoop, Nelci Warken, que teria transferido imóveis para a Murray (clique aqui).
27/1/2016 – Chegam à Superintendência da Polícia Federal Ricardo Honório Neto, Renata Pereira Brito, com prisão temporária decretada. Outras pessoas ligadas à Mossack não tinham sido encontradas. Segundo a PF, Renata Brito seria funcionária de confiança da Mossack no Brasil. E Nelci Warken apresentada como responsável por um tríplex no Condomínio Solaris. A 22ª Operação da Lava-Jato mobilizou 80 policiais. Segundo o G1, das Organizações Globo, “entre os crimes investigados estão corrupção, fraude, evasão de divisas e lavagem de dinheiro” (clique aqui).
28/1/2016 – O Globo traz uma excelente reportagem mostrando as ligações da Mossack com ditadores e delatores. Segundo a reportagem, a Mossack é acusada de financiar ações de terrorismo e corrupção no Oriente Médio e na África. Na relação de prioridades das polícias mundiais, o crime de terrorismo ocupa o primeiro lugar. The Economist tratou a empresa como “líder impressionantemente discreto da indústria de finanças de fachada do mundo”. Era uma “fábrica de offshores à disposição de empresários e agentes públicos interessados em ocultar bens no exterior”. Na lista de clientes havia o ditador sírio Bashar Al-Assad, o líbio Muammar Kaddafi, o presidente do Zimbabwe Robert Mugabe e três figuras centrais da Lava-Jato, Renato Duque, Pedro Barusco e Mário Goes.
28/1/2016 – No mesmo dia, o DCM publica uma matéria sobre a casa da família Marinho em Paraty (clique aqui). Recupera uma reportagem da Bloomberg de 8 de março de 2012 (clique aqui). A reportagem narra os crimes ambientais da família Marinho.
Duas declarações chamaram a atenção dos repórteres da Bloomberg:
Da fiscal do CMBio Graziela Moraes Barros:
“Muitas pessoas dizem que os Marinhos mandam no Brasil. A casa de praia mostra que a família certamente pensa que está acima da lei”.
De Fernando Amorim Lavieri, procurador que passou três anos batalhando contra os crimes ambientais na região:
“Os brasileiros ricos conseguem tudo”.
A reportagem pretendia apenas expor os crimes ambientais dos Marinho. Mas abriu uma caixa de Pandora, como se verá a seguir.
29/1/2016 – A revista Época publica matéria alentada dando mais foco nos negócios nebulosos da Murray. O título já mostrava qual o alvo perseguido: “Nova fase da Lava-Jato mira na OAS, mas pode acertar Lula – MP diz que todos os apartamentos do condomínio onde ex-presidente têm tríplex reservado serão investigados” (clique aqui).
Segundo a revista,
“O foco na Mossack é outro passo grande dado pela Lava-Jato”. Criada em 1977 no Panamá, a Mossack Fonseca tem representações em mais de 40 países. É famosa pela criação e administração de offshores, frequentemente usadas como empresas de fachada.O cumprimento do mandado de busca na sede brasileira da Mossack só se encerrou na quinta-feira – peritos viraram a madrugada para baixar e-mails e documentos armazenados em serviços de arquivos virtuais, pelo servidor central da empresa.A coleta de provas no local foi igualmente proveitosa. Além das centenas de offshoresnas mensagens e documentos eletrônicos, os policiais arrecadaram papéis com o nome de clientes, cópias de passaportes, comprovantes de endereço e nomes da offshorecriada.Um pacote completo.As apreensões devem motivar algumas centenas de inquéritos e levar a Operação Lava-Jato para um gigantesco canal de lavagem de dinheiro.A apreensão poderá gerar filhotes por anos.
Como diriam os garimpeiros, a Lava-Jato “bamburrou” – isto é, descobriu uma verdadeira mina de ouro para suas investigações.
31/1/2016 – O Estadão reforça as informações sobre a Mossack Fonseca, informando que autoridades norte-americanas investigam a Mossack por conta de dois argentinos acusados de desviar dinheiros de estatais argentinas nos governos Nestor e Cristina Kirchner. Naquele dia, Moro renovou a prisão temporária de Nelci, mas libertou Ricardo Honório Neto e Renata Pereira Brito.
De repente, a Mossack some do noticiário, que passa a ser invadido por notícias de pedalinho, barcos de R$4 mil.
Uma pesquisa nos sistemas de busca da Folha, Estadão e Globo mostra que as últimas menções à Murray e à Mossack são de 1o de fevereiro.
4/2/2016 – O Edifício Solaris sai completamente do foco da Lava-Jato. A Polícia Federal solicita ao juiz Moro para ampliar as investigações do IPL (Inquérito Policial) que investiga a suposta ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro da OAS. A solicitação de ampliar o escopo para outras empresas revelava que havia acontecido algo novo, que fez a Lava-Jato abandonar o tríplex para se concentrar no sítio em Atibaia.
5/2/2016 – Moro manda libertar a publicitária Nelci Warken e o empresário Ademir Auada, que havia sido detido sob suspeita de estar destruindo documentos. A justificativa de Moro é surpreendente: “Apesar do contexto de falsificação, ocultação e destruição de provas, [...] na qual um dos investigados foi surpreendido, em cognição sumária, destruindo quantidade significativa de provas, a aparente mudança de comportamento dos investigados não autoriza juízo de que a investigação e a instrução remanescem em risco”, escreveu ele ao justificar a soltura (clique aqui). Ora, a possibilidade de queima de arquivos e de atrapalhar as investigações foram o mote para a manutenção de todas as prisões preventivas. Como abre mão desse argumento justamente para um sujeito flagrado eliminando documentos? E aceita a tese da “aparente mudança de comportamento dos investigados” para liberta-lo.
A justificativa colide com informações da própria Lava-Jato repassadas à revista Época: “Clientes da panamenha Mossack Fonseca vão ser investigados para averiguar se faziam parte do esquema de corrupção na Petrobras ou se cometeram outros crimes. [...] A empresa panamenha Mossack Fonseca também foi alvo de buscas, porque foi ela quem criou a offshore Murray. Mas representantes da Mossack Fonseca atrapalharam os policiais e deletaram arquivos guardados na nuvem da empresa”.
À luz das informações divulgadas até então, não havia lógica na decisão de Moro.
9/2/2016 – No dia 4 Moro autorizou a PF a ampliar a investigação do sítio em Atibaia, que deveria ser sigilosa. No dia 9 o próprio Moro liberou “inadvertidamente” a informação e os dados do novo inquérito.
11/2/2016 – Excepcional reportagem de Renan Antunes de Oliveira para o DCM (clique aqui), onde pela primeira vez levanta o nome da Agropecuária Veine, proprietária legal da mansão e da praia dos Marinho.
12/2/2016 – reportagem de Helena Sthephanowitz, no Rede Brasil Atual, que pega a dica da Veine e informa que a mansão dos Marinho, em Paraty, é de propriedade de umaoffshore, a Vaincre LLC, controlada pela mesma Murray Holdings LLC, a empresa dona dos apartamentos em Guarujá (clique aqui) e que pertence à Mossack Fonseca.
13/2/2016 – O Viomundo, do Luiz Carlos Azenha, completa a informação com um levantamento minucioso das ligações da Mossack Fonseca com a mansão dos Marinho em Paraty (clique aqui).
Era a peça que faltava para entender esses movimentos erráticos da Lava-Jato. Aparentemente foi para impedir que viessem à tona os atropelos dos Marinho com a Mossack Fonseca.
O procurador Carlos Fernando e seus colegas, os delegados federais e o juiz Sérgio Moro trocaram a possibilidade de desvendar o submundo da lavagem de dinheiro no país pelos móveis que a OAS comprou para o sítio de Atibaia. Pois, como enfatiza o procurador, a Lava-Jato não investiga pessoas, mas fatos.
Em recente entrevista a O Globo, o procurador Carlos Fernando desabafou:
“Sempre soubemos que a longo prazo as elites vão se compor de maneira a reduzir os prejuízos que tiveram com essas operações”. O desfecho do caso Mossack Fonseca é um belo CQD [Como Queríamos Demonstrar]”.
Como não existe nada perfeito, assim como no caso do Riocentro a Lava-Jato liberou seus radicais para explodir petardos em Guarujá. Por açodamento, explodiram em Paraty.
No Riocentro, o coronel Job conseguir montar um inquérito isentando a todos. Em tempo de redes sociais, impossível.
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