sábado, 26 de junho de 2010

Dossiê respira por aparelhos


Em ensaio escrito em 1988, o jornalista e sociólogo Perseu Abramo afirmou que “uma das principais características do jornalismo no Brasil, hoje, praticado pela maioria da grande imprensa, é a manipulação da informação”. À época do texto, o país ainda não tinha voltado a ter eleições diretas para a Presidência da República, o que aconteceu no ano seguinte, já com uma atuação notória da imprensa, na edição manipulada do debate entre Lula e Collor.

De lá para cá, a cada eleição presidencial é um desfile de manipulações que desacreditam a imprensa brasileira e revelam o caráter dos grandes meios. Agora mesmo, estamos diante de um suposto dossiê, que o PT teria encomendado a um araponga para denegrir o candidato do PSDB, José Serra.

A história surge na revista Veja dando conta que um grupo dentro da campanha de Dilma teria ensaiado um dossiê para atingir José Serra. A denúncia não fala do conteúdo do dossiê, que envolveria a filha do candidato, Verônica Serra. A blogosfera, que tem sido sempre ágil em desmontar as armações midiáticas, identifica no dossiê um livro que está sendo preparado pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr sobre as privatizações tucanas e seus beneficiários. A denúncia do suposto dossiê teria sido, na verdade, um contra-ataque para tentar desqualificar o livro que promete abalar as hostes tucanas.

A grande imprensa toma conhecimento disso, mas resolve ignorar o jornalista. Talvez para não desmontar logo a história que se revelava cada vez menos crível. Nesse meio tempo, vem à tona uma matéria do Correio Braziliense, de 2002, que fala sobre um esquema de arapongagem montado no Ministério da Saúde na gestão José Serra, comandado pelo então delegado e hoje deputado Marcelo Itagiba, que tinha entre seus integrantes o ex-delegado Onésimo de Souza, protagonista do atual dossiê que teria sido encomendado pela campanha de Dilma.

A mídia continua alimentando a farsa até que no dia 7 de junho a Folha de S. Paulo finalmente ouve o jornalista Amaury Ribeiro Jr, que estava na reunião em que Onésimo disse que lhe teria sido proposto um dossiê contra Serra. Amaury relata a reunião em detalhes, interpreta a atitude do ex-delegado como retaliação por não ter sido contratado e o desafia a uma acareação.

A matéria seria uma bomba jornalisticamente, mas embora tenha saído integralmente na versão online da Folha, no jornal impresso foi reduzida e ficou escondida no pé de outra matéria que dava voz a Itagiba para negar qualquer ligação com esquemas de espionagem. A Folha deu mais importância ao araponga do que ao jornalista, que já tinha trabalhado em sua redação.

Serra, que tentava se fazer de vítima da história e chegou a responsabilizar Dilma pelo suposto dossiê, foi interpelado judicialmente pelo PT a confirmar suas acusações. A história continuava a fazer água e ficava cada vez mais claro que o delegado teria oferecido seus serviços, que foram rejeitados pela campanha de Dilma.

O suposto dossiê ainda respira por aparelhos ligados a algumas redações. Mas sua morte é inevitável e passará a história como mais um exemplo dos padrões de manipulação da grande imprensa no Brasil.

De Mair Pena Neto

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