sábado, 28 de novembro de 2015
Tragédia em Mariana: Senador Randolfe e a juíza Sandra Cureau criaram a farsa sobre decreto de Dilma
Na noite de terça-feira, dia 17/11, começou a se espalhar pelas redes sociais – a partir do Whatsapp – uma interpretação maliciosa, canalha, inacreditavelmente estúpida e verdadeiramente criminosa de decreto do governo federal que passa a considerar como “acidente natural” rompimentos de barragens que “ocasionem movimentos de massa”.
Imediatamente, o blog começou a receber mensagens de leitores questionando medida que estava sendo apresentada por opositores do governo como iniciativa da presidente Dilma Rousseff para “inocentar a Samarco”, mineradora responsável pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), que dizimou o distrito de Bento Rodrigues.
De fato, o Decreto 8.572, de 13 de novembro de 2015, dá margem a tal interpretação se reproduzido fora do contexto para atingir pessoas pouco preocupadas com os fatos e dispostas a condenar sem reflexão.
Os rumores nas redes sociais, porém, decorreram do fato de que, no mesmo dia 17, o senador pelo Amapá Randolfe Rodrigues (ex-PSOL, atualmente filiado ao partido Rede Sustentabilidade) foi à tribuna do Senado espalhar essa versão absurda sobre o decreto da presidente da República.
No dia seguinte, a subprocuradora Sandra Cureau, que atua na área de meio ambiente na Procuradoria Geral da República e que se tornou uma notória antipetista, criticou o decreto da presidente por julgar que a medida poderia ter reflexos nas áreas penal e cível e poderia ser usada pela mineradora Samarco para buscar reduzir penas nessas esferas.
Não tardou para a má fé cooptar a ignorância. Pessoas irresponsáveis começam a propagar a farsa pela internet.
No mesmo dia 17, à noite, o blog entrou em contato com a assessoria do ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, Ricardo Berzoini, e obteve as explicações necessárias. Informada por este blog sobre o que estava acontecendo, a Secretaria divulgou as explicações em suas páginas nas redes sociais.
Todavia, bastava a leitura atenta do decreto, em seu inteiro teor, para entender que tudo não passou de uma armação.
O decreto de Dilma alude ao que está disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº8.036/90. Se fossem procurar o que diz essa lei, veriam que ela dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e o art. 20 estabelece as hipóteses nas quais podem ser sacados os valores correspondentes ao FGTS.
O inciso XVI, por sua vez, determina que poderá haver saque do FGTS por motivos de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural. O Decreto nº 8.572/2015, portanto, serve para assegurar às vítimas de desastres decorrentes de rompimento de barragens a possibilidade de sacar o FGTS.
Esse decreto altera o Decreto nº 5.113/2004 que regulamenta as hipóteses de saque de FGTS em situações de emergência ou estado de calamidade pública decorrentes de desastre natural.
Nesse decreto não consta como desastre natural o rompimento de barragens, não sendo possível o saque do FGTS pelos afetados pelo rompimento da barragem em Mariana. Assim, para fins de possibilitar o recomeço da vida das pessoas atingidas, foi editado o Decreto nº 8.036/90 possibilitando a movimentação da conta do FGTS.
Quanto às interpretações do senador Randolfe Rodrigues e da subprocuradora Sandra Cureau, são vergonhosas. São pessoas que conhecem a lei. Como podem afirmar que rompimento de barragens vai ser considerado desastre natural mesmo que comprovada negligência da empresa responsável?
Infelizmente, enquanto as mentiras ganharam milhares de compartilhamentos nas redes sociais, as explicações do governo ficaram reduzidas a pouquíssimos desses compartilhamentos, razão pela qual o blog exorta as pessoas a que difundam os fatos quanto puderem, apesar de que o mal já está feito, pois muita gente jamais se dará o trabalho de procurar a verdade.
Não é brincadeira, não: Partido da Mulher Brasileira tem bancada só de homens
Para deputado Ezequiel Teixeira (RJ), ex-Solidariedade, ausência de mulheres é “até interessante [...] estamos demonstrando nosso carinho por elas”.
Aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 29 de setembro, o Partido da Mulher Brasileira (PMB) – o 35º do país – já tem sete parlamentares federais em sua bancada, nenhum deles mulher. Conforme o estatuto da nova legenda, não há “restrições de qualquer ordem: sexual, social, racial, econômica ou religiosa”.
Zero Hora conversou com dois deputados do PMB, que disseram que seis novas filiações estão encaminhadas para esta quinta-feira, sendo duas de mulheres da atual legislatura da Câmara. Para eles, apesar da bandeira do PMB ser voltada para o gênero feminino, a falta de mulheres na bancada, até o momento, não é um problema.
“Todas as pautas são transversais e são caras às famílias, aos homens e à juventude. Nossa meta é poder tornar a discussão mais ampla do que restritiva. Se os interesses das mulheres fossem apenas delas, estaríamos restringindo”, afirma o deputado federal Domingos Neto, do Ceará.
“Eu acho até interessante [não ter mulher]. Estamos demonstrando nosso carinho por elas. Essa é uma grande oportunidade de fazermos um bom trabalho, principalmente no momento de violência que vivemos. Queremos levar a bandeira da segurança, paz, harmonia e tolerância”, complementa o parlamentar Ezequiel Teixeira, do Rio de Janeiro.
Os deputados não informaram quem são as duas novas colegas que devem ser oficializadas no partido. O PMB começou o processo de criação em 2008 e, desde então, obteve apoio de mais de 500 mil eleitores, quantidade que ultrapassa o mínimo exigido pela lei, que é de 486 mil – equivalente a 0,5% dos votos para o cargo de deputado federal nas eleições de 2014.
Até o momento, migraram para o PMB os deputados Domingos Neto e Valtenir Pereira (ex-PROS), Weliton Prado e Toninho Wandscheer (ex-PT), Victor Mendes (ex-PV), Ezequiel Teixeira (ex-Solidariedade) e Pastor Franklin (ex-PTdoB). A sigla provou ao TSE ter diretórios em Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima e Sergipe. Até o momento, o Rio Grande do Sul está fora da lista.
Em seu site, o PMB se define como um partido de “mulheres progressistas e ativistas de movimentos sociais e populares”. Sua fundadora e criadora, Suêd Haidar Nogueira, escreveu no comunicado que lançou oficialmente a legenda que, “apesar do trabalho partidário perseverante de muitas mulheres, os interesses de mulheres nunca foram prioritários”.
Questionados por Zero Hora se cederiam seus lugares na Câmara para mulheres, caso elas fossem suas suplentes, os deputados Ezequiel Teixeira e Domingos Neto falaram que não veem necessidade:
“Não acho preciso isso. Tem muitas maneiras de agradá-las, né? Principalmente dando segurança a elas. Meu principal objetivo é desenvolver projetos em favor da saúde, educação e do combate ao câncer de mama. As leis são para o ser humano”, alega Teixeira.
“Não faz sentido a proposição [de ceder o cargo], até porque defender os interesses das mulheres não pode ser feito só por mulheres”, conclui Neto.
Samarco, a agonia do capitalismo financeiro
O caso das barragens da Samarco nos leva a reflexões colaterais sobre o capitalismo financeiro e seus personagens. A Samarco hoje é controlada pela maior companhia de mineração do mundo, a BHP, fusão da Broken Hill Proprietary, fundada na Austrália em 1851, e a Billiton, originada na Indonésia holandesa na mesma época, depois integrante do Grupo Royal Dutch Shell, e a nossa Vale, cuja origem é a norte-americana Itabira Iron, de Percival Farquar, maior empresário do Brasil nas primeiras décadas do século 20, empresa nacionalizada pelo presidente Artur Bernardes e que virou Companhia Vale do Rio Doce na década de 40.
Como empresas tão experientes lograram correr um nível de risco patrimonial tão alto a ponto de incorrer em indenizações que provavelmente vão zerar o valor financeiro da Samarco? Esta faturou R$7,2 bilhões em 2014, ganhou líquidos R$2,8 bilhões e investiu apenas R$78 milhões em segurança ambiental. Com um pouco mais reforçaria as barragens, que são de terra, as mais baratas que existem, instalaria sensores para monitorar o risco da pressão do volume sobre a parede e, com mitigação maior de risco, transformaria a parte de terra despejada na represa em pellets, que poderiam ser armazenados fora da represa e diminuiriam consideravelmente o volume dentro da barragem. Assim, ficaria com muito menor ocupação resultante apenas em água impura, mas em muito menor volume do que o conjunto lama + detritos + água. Essa solução mais definitiva custaria um pouco mais, mas seria um seguro infinitamente mais barato do que o custo econômico que agora cairá sobre a empresa que será devorada pelas indenizações.
Como os executivos não assumiram esse caminho? Por causa do modelo de capitalismo financeiro que vem assumindo a direção das grandes empresas da economia produtiva. Foram-se os executivos “de indústria”, “do ramo”. Hoje, assumiu uma geração de jovens calculistas que trabalham exclusivamente com planilhas, índices, taxas de retorno. Não tem ligação com o produto físico, com as máquinas, com a terra, com o minério, com a barragem. O mundo deles e de seus chefes e acionistas é exclusivamente financeiro.
O lucro pode ser fantástico, mais de um terço do faturamento, mas nem por isso a pressão para obter mais é da essência dessa cultura financeira. Fora das planilhas e dos budgets, dos targets, não tem mais nada no radar, nem o futuro da empresa, é só o próximo trimestre, base dos bônus. No semestre posterior pode ter caído o CEO mundial do grupo e o CEO da Samarco, então a única meta que conta é o lucro do trimestre.
Conheci profundamente o sistema. De 1974 a 1978, fui o principal executivo de uma subsidiária de multinacional norte-americana no Brasil, havia uma obsessão com a meta trimestral, nada mais importava. No fim de cada trimestre, todos os executivos-chefes de cada divisão viajavam para a matriz em St. Louis, eram 130 divisões no mundo e lá mesmo no bunker do subsolo do prédio havia, durante toda a semana, em um auditório, uma revisão do budget de cada divisão. Se o executivo não tivesse atingido a meta era execrado em público e alguns despedidos lá mesmo. Depois, partia-se para fixação da nova meta para o trimestre seguinte, a pressão era intensa visando aumentar o lucro prometido, máxima pressão, até que o executivo acabasse por aceitar, mesmo sabendo que era impossível atingir, pelo menos ele teria o emprego por mais um trimestre.
Era um sistema diabólico para espremer cada divisão como um limão. Isso há 40 anos. Hoje, está muito pior, o único critério de sucesso é aumentar a taxa de retorno para o acionista com o mínimo de investimento, o mínimo de empregados e o maior aproveitamento dos ativos. Os que atingiam e ultrapassavam um pouco viravam heróis e eram homenageados com convite para jantar com o CEO, ganhavam sorrisos e cumprimentos, às vezes até promoção no ato.
Esse “capitalismo do trimestre” leva a megadistorções. É possível aumentar o lucro no curto prazo economizando em itens que causarão danos só no longo prazo, como não fazer a manutenção periódica dos equipamentos, trocar mão de obra cara por mais barata, rebaixar a qualidade do produto, continua vendendo, mas vai queimando a marca. Economizar na segurança ambiental é uma típica manobra para aumentar o lucro no curto prazo, a custo do longo prazo...
Esse é o típico capitalismo Ambev: padronizar todas as cervejas, só muda o rótulo, o gosto é o mesmo. Isso faz cair o custo por causa dos megavolumes de uma fabricação uniforme, abrindo espaço para centenas de fábricas de cervejas artesanais, porque o consumidor não quer o mesmo paladar padronizado. Isso é o capitalismo financeiro, os controladores da Ambev são todos financistas e não industriais, heróis do capitalismo de corte de custos até o osso.
Hoje, firmas como a BHP e a Vale são controladas por fundos e não por pessoas. Os fundos querem taxas de retorno, é preciso pressionar os executivos. Estes, encostados na parede, cortam custos essenciais para fazer subir a taxa de retorno. Esse capitalismo deixa destroços pelo caminho, no limite vão acabar com o emprego e a sustentabilidade do planeta. O caso Samarco pode ser um dos maiores símbolos desse sistema que gera sua própria autodestruição.
Devedoras da União: 500 empresas devem R$392 bilhões. A Vale lidera o ranking
17% do montante das dívidas equivalem aos R$66 bilhões da meta do ajuste fiscal deste ano.
O Ministério da Fazenda divulgou uma lista com as 500 empresas que mais devem à União. Juntas, as dívidas somadas chegam a mais de R$392 bilhões. Caso 17% desse valor voltasse aos cofres públicos de uma vez, já alcançaria os R$66 bilhões da meta do ajuste fiscal deste ano, que vem cortando investimentos de diversas áreas sociais, como saúde e educação. Além disso, o rombo nas contas públicas de 2014, que é de R$32,5 bilhões, também poderia ser compensado com parte do montante das dívidas.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota, que a divulgação da lista faz parte da gestão do ministro da Fazenda Joaquim Levy de “promover um incremento da recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, na busca pela justiça fiscal”, e que “o objetivo é dar a máxima transparência aos dados da Dívida Ativa da União”.
Achilles Frias, procurador da Fazenda e presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), afirma que a quantidade de dívida de todas as pessoas jurídicas para com a União ultrapassa a casa do R$1,5 trilhão. “Temos 3,5 milhões de devedores grandes. Desses, 18 mil respondem por 2/3 de toda dívida, e desses, as 500 empresas divulgadas respondem por 40%”.
Além de ações judiciais que visam travar a cobrança das dívidas, o procurador denuncia que muitas empresas declaram as dívidas para não cometerem ilícitos, mas não pagam, esperando para utilizar o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), que alivia multas, juros e outros encargos. “As empresas preferem não pagar para fazer o parcelamento mais tarde. É melhor que pegar dinheiro no banco, e elas usam dinheiro da União, que deveria ir para programas sociais, para pagar suas dívidas”.
Segundo Achilles, um impasse para que essas dívidas sejam cobradas é que a Procuradoria está sucateada. “A Procuradoria é o único órgão que pode fazer as cobranças dessa dívida, mas não se confere estrutura para isso. Para cada procurador, há 0,7 servidores, então o procurador, além do trabalho jurídico, tem o trabalho burocrático de localizar devedor, procurar bens. O sistema de dados também está ultrapassado. Se o governo investisse na Procuradoria, e ela fosse atrás desses 18 mil devedores, o ajuste fiscal, que está penalizando a economia e o cidadão, seria desnecessário. E é a cobrança dos grandes, de quem deve”.
Primeiro lugarA mineradora Vale é a maior devedora, com R$41,9 bilhões em dívidas. Desta quantia, o pagamento de R$32,8 bilhões está suspenso por decisões judiciais. A empresa deve cerca de R$17 bilhões a mais do que a segunda devedora da lista, a empresa Carital Brasil Ltda., antiga Parmalat, com R$24,9 bilhões de dívidas.
Apesar de dever para a União, a Vale recebe investimentos estatais para continuar operando no país. Estudo da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) aponta que, para minerar na Amazônia, a Vale obteve 70% do valor de R$506,96 milhões que foi distribuído para as mineradoras que atuam na Amazônia, via Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), entre 2007 e 2012. Esse montante foi injetado na mineração altamente lucrativa do ferro e cobre nas minas de Carajás.
Segundo o governo do Pará, por consequência da Lei Kandir, criada em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a Vale está isenta de pagar tributos às operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Isso já subtraiu dos cofres públicos do estado R$25 bilhões.
De acordo com o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), os acionistas da empresa em diversas partes do mundo embolsaram US$4,5 bilhões, no ano de 2013. A mineradora ainda aprovou uma segunda parcela de US$1,74 bilhão, chamada de remuneração mínima, ao mesmo grupo, paga no fim de 2013, além de um valor adicional de US$500 milhões.
“O Estado brasileiro deveria tomar uma atitude mais contundente para com os devedores do próprio Estado, começando pela Vale, ao cobrar a dívida através das ações que a mineradora distribui”, afirma Jarbas Vieira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
BancosEntre os que receberam essas quantias da Vale, está a JP Morgan Chase & Company. O Banco J.P. Morgan S.A. figura na lista de devedores da fazenda em 79º lugar, com dívida de R$841 milhões.
Os bancos, setor que tem lucrado muito este ano, mesmo com a crise econômica, também registram dívidas na Receita. Bradesco, Santander e Itaú juntos somam R$7,900 bilhões em dívidas.
O lucro do Bradesco no primeiro semestre de 2015 foi acima de R$8,7 bilhões; sua dívida com a Receita é a sétima maior da lista, em mais de R$4,8 bilhões. Somado com a dívida de R$408 milhões da filial Bradesco Financiamentos S.A., em 222º lugar na lista, o banco deve um total de R$5,279 bilhões.
O Itaú, por sua vez, teve lucro de R$11,7 bilhões, e deve, por conta da Itaucard S.A., braço responsável pela emissão e administração de cartões de crédito, a 44ª maior dívida na lista; R$1,35 bilhão.
Já o Santander, que teve lucro de R$3,3 bilhões, tem duas dívidas, a do Banco Santander Brasil S.A. está em 69º lugar, com R$978 bilhões, e a da Santander Leasing S.A, que é a 353ª maior, com R$288 milhões, que totalizam R$1,266 bilhão em dívidas.
Sebastião Salgado, o patrocínio da Vale e a “salvação” do Rio Doce
Em comunicação e, especialmente numa “gestão de crise” como é o caso do crime ambiental cometido pela Vale, nada melhor que ter uma figura pública, querida, de reconhecimento nacional e internacional para apoiá-lo na “redução do dano” de imagem da empresa. Para a Vale, o personagem perfeito estava em mãos: Sebastião Salgado, fotógrafo premiado internacionalmente e figura simpática ao público, “um velhinho com jeito de boas intenções”, histórico vasto e ligações umbilicais com o Rio Doce, Minas Gerais e Espírito Santo que, entre outras coisas, administra uma ONG na região há duas décadas. O porta-voz perfeito, portanto.
Já dissecamos aqui todas as principais dúvidas que o Instituto Terra, ONG de Salgado, suscita em seu comunicado postado logo após o crime em Mariana. Clique aqui para lê-lo.
Salgado, lembremos, está longe de ser um qualquer: um dos fotógrafos mais premiados do mundo, foi também, ainda em 2015, envolvido no documentário O Sal da Terra, indicado ao Oscar e dirigido pelo seu filho Juliano ao lado do prestigiado diretor alemão Wim Wenders, em que também é foco e personagem.
Ao longo das décadas, seus trabalhos comumente focaram os oprimidos e excluídos: os pobres na América Latina, a seca no norte da África, trabalhadores rurais, refugiados etc. Envolvido desde sempre com organizações que incluem o Banco Mundial e instituições como a Unicef, Acnur, Médicos Sem Fronteiras e Anistia Internacional, Salgado construiu carreira em que joga luz sobre os desprivilegiados.
Como duvidar, então, das boas intenções de uma figura com essa história? Como questionar que alguém com o lastro de Salgado, nascido na região do Rio Doce, tenha algum interesse que não a recuperação do rio e a punição dos responsáveis?
Houve uma polêmica em Londres, em que ambientalistas protestaram contra a exposição por conta do financiamento da [mineradora] Vale. Qual é a sua opinião? Há incoerência?A minha opinião é completamente diferente, claro. Senão eu não estaria com a Vale “sponsorizando” [patrocinando] meu projeto. Na realidade, nós já trabalhamos com eles há muitos anos. Quando começamos nosso projeto ambiental, começamos com a Vale. E não só com a gente, a Vale participa com a maioria das ONGs ambientalistas brasileiras. Então houve um problema que foi ela pegar 9% do investimento de Belo Monte. E como é a maior empresa privada que teve participação, eles não atacam o governo brasileiro que, na realidade, é um projeto do governo brasileiro. Isso é a Eletronorte, isso é o BNDES. É um projeto do governo brasileiro. Eles pegaram, eles sofreram um ataque direto e frontal e passaram a ser a empresa a combater. Agora, ela virou sigla internacional por causa de Belo Monte e isso para mim não tem nada a ver com o comportamento dessa empresa dentro do Brasil. É uma das empresas mais razoáveis do ponto de vista ambiental. Agora, toda mineradora destrói um bocado de terra, pô. Todo mundo tem um carro, todo mundo tem um computador, todo mundo tem um garfo em casa. Nós precisamos desses minérios para a sobrevivência. E todo mundo consome petróleo, e você precisa da Petrobras. Que sociedade é essa que nós vamos negar o consumo básico? Onde nós somos os maiores consumidores? O Lula colocou 35 milhões de brasileiros saídos da linha de pobreza na classe média. Todos esses compraram carros, compraram televisão, compraram tudo. Tem de existir um sistema produtivo atrás disso. Acho que o sistema produtivo tem de ser o mais limpo e justo possível. Mas acho que a visão que nós temos de ter é um pouco mais coerente. Lá no nosso projeto ambiental trabalhamos com uma série de empresas. E nós temos de fazer com elas mesmo, porque se nós não fizermos com elas, não vamos fazer nunca. Então, eu acho que esse discurso, urbano, radical, também tem de mudar um pouquinho. Ele tem de ser mais compatível e coerente com a sociedade em que nós vivemos.
“Ruim com eles, pior sem eles”, né, Salgado? Afinal, todo mundo consome um pouquinho de minério, pô! Vamos ignorar o fato que a Vale foi considerada a pior empresa do mundo, ainda em 2012, como lembra essa reportagem da Agência Pública. Vamos esquecer que é absolutamente impossível produzir minério de ferro com responsabilidade (ambiental, trabalhista, com a comunidade etc.) de acordo com metas absurdas de produção, como a estimativa de produzir 1 BILHÃO DE TONELADAS DE MINÉRIO DE FERRO de acordo com o Plano Nacional de Mineração.
Vamos esquecer que a Vale financia Sebastião Salgado desde o primeiro dia de fundação de seu instituto. Vamos esquecer que impressiona a rapidez absurda com que a organização de Salgado apresentou um “plano de recuperação” do Rio Doce para um crime de extensão ainda imensurável, de efeitos que durarão séculos e de impactos complexos em toda a cadeia ambiental.
Ao contrário de todos os especialistas, Salgado afirma com convicção que a recuperação “durará 20 anos”. Nesta entrevista ao El País, suas ideias são, no mínimo, confusas. Diz ele (destaques em negrito):
“A nossa proposta não é de multar as empresas, essa não é a solução para o nosso vale. Essa multa entra nos cofres do governo federal, mas ela nunca vai chegar aqui, vai servir para pagar os juros das dívidas do Estado, emergências, mas nunca vai chegar aos atingidos pela catástrofe do Vale.Nossa proposta é criar um grande fundo de investimento em que a contribuição deve ser feita pelas duas empresas proprietárias da Samarco, que são a Vale e a BHP. As duas são de uma potência financeira extrema. A gerência desse fundo seria pública e privada e teria o máximo de seriedade e ética na gestão. Como essa recuperação será em longo prazo, então teríamos de ter fundos também em longo prazo para recuperar. Agora, um cálculo de quanto seria necessário, eu não saberia dizer. Tenho apenas uma referência. Há poucos anos, houve uma catástrofe com a British Petroleum, no Golfo do México. Naquela ocasião, foi jogada ao mar uma quantidade grande de petróleo, que correspondia a um estádio de futebol em metros cúbicos, uma proporção menor ao desastre de agora. Esse material demorou um ano e meio para desaparecer da região. Ao passo que a nossa catástrofe aqui é muito pior, ela destruiu muito mais, e os danos reinarão por um tempo grande. Naquela época, a British Petroleum pagou R$80 bilhões. Então temos uma base. E temos de calcular que aqui possivelmente esse valor será maior. Temos de negociar com as empresas uma forma de constituir esse fundo e a gente atuar.Levei a Dilma e ela acha que a proposta tem de ser defendida e afirmou que lutará por essa bandeira. A presidenta disse que o Estado precisa também multar as empresas. Penso que essas multas precisam ser razoáveis para permitir para que se crie o fundo com a participação das mineradoras.Não somos nós que temos conversas com a Samarco e com essas mineradoras, isso será feito por uma comissão que deve ser criada pelo governo federal, pelos dois governos estaduais e o Ministério Público. A referência legal eles que precisam fazer, cabe a nós sugerir. Esta manhã [segunda-feira, dia 16/11] eu já conversei com os dois governadores por telefone, temos reunião semana que vem. Estamos em contato permanente com o Ministério Público, com a ministra do Meio Ambiente. Somos a única organização estruturada para o Rio Doce. Nossa entidade é inteiramente desenhada para o rio. Conhecemos como a linha da nossa mão já que temos o projeto desde 1998. Inclusive, já fizemos um projeto de recuperação dentro da fazenda dos meus pais.”
Interessante notar que Salgado defende uma compensação maior que R$80 BILHÕES. Valor infinitamente maior que as “melhores previsões” até aqui, que giram em torno de R$10 bilhões. No entanto, não seriam multas, mas um fundo “de gestão pública e privada”, possivelmente administrados pelas próprias empresas e, é de se imaginar, pagos em suaves prestações enquanto estas mesmas empresas voltam a explorar e produzir minério seja em Mariana, no Espírito Santo e em outras linhas de produção afetadas. Curioso.
Salgado diz ter um plano de recuperação para as 377 mil nascentes do Rio Doce, apesar dele “estar morto”.
“A Bacia do Rio Doce é quase do tamanho de Portugal. O país faz 91 mil quilômetros quadrados e a bacia faz 87 mil quilômetros quadrados, é do tamanho de um país europeu. Então coloca aí, 230 municipalidades, uma população entre 4 a 5 milhões de habitantes. Isso sem anexar Vitória, no Espírito Santo, que está fora do Vale, mas que está muito perto. A capital tem hoje um problema de oferta de água muito grave e começa a preparar canalizações para levar água do Doce para lá. Então, se você coloca a dependência de Vitória, essa população passa para 7 milhões. É muito representativo. Nós temos um projeto para a recuperação das fontes do Rio Doce, porque ele foi um rio potente, mas não é mais. O Doce possui cerca de 377 mil nascentes. Elas não estão sempre na parte alta do rio, há também todos os afluentes que vem de rios médios. Já fizemos um projeto piloto com mil nascentes e todas elas começaram a produzir água ou aumentar a sua produção de uma forma significativa. Já está testado, sabemos quanto custa, sabemos o que tem de fazer. É o único projeto atual já estruturado na região que visa o Rio Doce, ele já existia muito antes da catástrofe e trabalhamos juntos com o Governo de Minas e do Espírito Santo, estamos em fase de instalação.
[...]
No entanto, agora pintou um complicador muito grande nessa história: o rio morreu.Você imagina todos essas 4 milhões de pessoas que vivem na bacia do rio. A maioria das cidades ribeirinhas não possui tratamento de esgoto. Os rejeitos vão em direção ao rio.Antes, quando ele possuía uma vida biológica, com peixes, plantas, insetos e bactérias, o rio digeria esse esgoto, tratava, sofria, mas fazia o trabalho dele. Agora, o rio foi morto. O que ele passa a ser? Um caudal de água estéril, não há mais vida, e hoje se continuarmos jogando essas bactérias dentro dele, passará a ser um caudal de bactérias perigosíssimo para todos. Temos uma proposta junto com a recuperação das nascentes que de instalar em todas as cidades da região um serviço de tratamento de esgoto. A ideia é que a água já entre líquida dentro do caudal para você poder reconstituir a vida do Rio ou então ele não vai se recuperar jamais. Outra necessidade urgente é instalar as matas ciliares que não existem mais.”
Interessante como Salgado se coloca, sempre, como a ÚNICA SOLUÇÃO AO RIO DOCE. Interessante como é Salgado que quer fazer a ligação entre a Vale, os governos federal e estadual, o Ministério Público e por aí afora. Engraçado como é Salgado uma das primeiríssimas pessoas que Dilma recebe para tratar do assunto. Engraçado que alguém como Salgado, patrocinado desde sempre pela Vale e por grandes empresas, tome a dianteira nesse assunto, com soluções prontas e previsões no mínimo dúbias.
Em comunicação, Sebastião Salgado é a figura perfeita. Muitas empresas dariam a existência para ter a seu lado um personagem como Salgado na hora de uma crise desse tamanho. Simpático ao público, ligado à região, de “reputação ilibada”, figura inofensiva, trabalho pelos oprimidos, ONG, toneladas de prêmios. Nada melhor que alguém como Salgado para limpar a sua barra. Para pintar um monstro menos feio do que ele realmente é. “Vai ficar tudo bem, em 20 anos a gente dá conta disso. O rio morreu, mas não há de ser nada”.
Como diria o filósofo: na comunicação, no mercado e na vida, não existe almoço grátis.
Constantino, blogueiro demitido da Veja, culpa mulheres por casos de violência doméstica
Em texto publicado em seu site pessoal, o ex-blogueiro da revista Veja diz que “muitas [mulheres] escolhem essa situação não pelos filhos ou pelos próprios parceiros, e sim pelo gozo que sentem na postura de vítima”. No Brasil, 4.762 mulheres foram mortas somente em 2013, uma média de 13 a cada dia, segundo o Mapa da Violência 2015
“Muitas escolhem essa situação não pelos filhos ou pelos próprios parceiros, e sim pelo gozo que sentem na postura de vítima”. A frase foi escrita pelo ex-blogueiro da revistaVeja Rodrigo Constantino no texto em que coloca parte da culpa nas mulheres vítimas de violência doméstica pelas agressões que sofreram.
No artigo [leia abaixo], publicado em seu blog na segunda-feira, dia 23/11, Constantino se pergunta “até que ponto a vítima de agressões recorrentes não faz parte do problema”. Sua tese é de que mulheres têm a chance de abandonar relacionamentos abusivos e violentos e que, se não o fazem, têm responsabilidade sobre a situação.
O blogueiro nasceu e foi criado no Brasil, onde está a maioria absoluta de seus leitores, onde 4.762 mulheres foram mortas somente em 2013, uma média de 13 a cada dia, segundo o Mapa da Violência 2015 (leia mais). O estudo revelou que 55,3% desses crimes aconteceram no ambiente doméstico, sendo 33,2% cometidos por parceiros ou ex-parceiros das vítimas. Além disso, entre 2003 e 2013, os homicídios de mulheres negras aumentaram 54%, passando de 1.864 a 2.875.
POR QUE TANTAS MULHERES AGREDIDAS CONTINUAM COM SEUS AGRESSORES?Acabei de publicar um texto sobre um idoso agredido por seu caseiro, e fui ler o artigo de Ligia Bahia em O Globo. Ela defende que a agressão a mulher não é uma questão individual ou sequer legal, e sim um problema de saúde pública.
Em seguida, diz que a pergunta de por que as mulheres permanecem em relações conjugais violentas deve ser substituída pela “escuta”, ou seja, não devemos tratar essa mulher como conivente em sua desgraça, e sim como vítima apenas.
Pensei: se o proprietário do restaurante que foi agredido pelo caseiro aceitasse um simples pedido de desculpas e uma promessa de mudança, colocando-o novamente para cuidar da casa, será que ele teria alguma parcela de responsabilidade num eventual novo caso de agressão?
Até que ponto a vítima de agressões recorrentes não faz parte do problema? A “escuta” que Ligia Bahia sugere para transformar a mulher que apanha somente em vítima foi feita durante vários anos pelo psiquiatra britânico Theodore Dalrymple. Sua conclusão é diametralmente oposta à da professora da UFRJ.
Dalrymple considera desumano e sensacionalista isentar a mulher totalmente de culpa ou responsabilidade, quando ela é vítima recorrente de agressões. Ele conheceu várias, e perguntava por que não abandonavam os parceiros agressores. As respostas variavam, mas sempre em torno de uma vitimização que trazia algum gozo a elas.
O namorado era um pobre coitado que finalmente iria mudar. Ele precisava muito dela, pois sem ela ele estaria perdido de vez na vida. Preservar o parceiro em casa era melhor para os filhos, mesmo que ela tenha que pagar o preço de apanhar de vez em quando. E por aí vai.
Tais desculpas jamais convenceram o psiquiatra, que cobrava delas uma postura de responsabilidade nesses atos. Elas, no fundo, sabiam que seriam vítimas novamente das agressões. Dalrymple, que é o contrário de sensacionalista, nunca deu moleza para que essas mulheres agredidas pudessem bancar as eternas vítimas, como fazem intelectuais de esquerda.
Ninguém vai sustentar que é muito fácil se livrar do parceiro agressor, ou que o próprio medo não seja um fator envolvido na escolha. Mas eis o ponto central aqui: há escolha! Por mais difícil que ela seja, existe a possibilidade de escolha. E acredito, com Dalrymple, que muitas escolhem essa situação não pelos filhos ou pelos próprios parceiros, e sim pelo gozo que sentem na postura de vítima.
O caso do candidato do PMDB à prefeitura do Rio, Pedro Paulo, trouxe à tona uma vez mais o assunto, e as duas agressões relatadas e conhecidas são suficientes para enterrar seu sonho de concorrer de fato ao cargo do companheiro Eduardo Paes. Não se pode aceitar alguém que bate na própria mulher. Sua carreira política merece ser destruída.
Mas é preciso lembrar que sua mulher, a mesma que foi agredida ao menos duas vezes, continua com ele. A esperança venceu a experiência? Eis a pergunta que deixo no ar para o leitor, então: se houvesse um terceiro episódio, ela estaria totalmente isenta de responsabilidade nele?
Esquerdistas como Ligia Bahia querem que o estado cuide de tudo como tema de “saúde pública”. Direitistas como Theodore Dalrymple cobram maior responsabilidade individual, sem vitimizar pessoas que, mal ou bem, escolhem seus destinos sempre como eternas vítimas. Quem está com a razão? A visão que transforma a mulher agredida em vítima indefesa incapaz de reagir, ainda que legalmente ou pulando fora da relação doentia, não vai contra o feminismo tradicional que tenta fortalecer as mulheres?
Judiciário brasileiro: Caro e ineficiente
O Judiciário brasileiro, o mais caro do mundo, consome 1,2% do PIB nacional, mas seus integrantes querem mais privilégios e mordomias.
Caixa-preta é uma definição recorrentemente associada à Justiça brasileira, por conta do corporativismo que encobre os desmandos. Caixa-forte seria outro termo apropriado. Em 2014, o sistema consumiu R$68,4 bilhões em verbas públicas, o equivalente a 1,2% das riquezas produzidas pelo País no período. A conta inclui as repartições federais, estaduais, trabalhistas, eleitorais e militares. E não leva em conta o Supremo Tribunal Federal e seus R$577 milhões de orçamento. Trata-se do Judiciário mais caro do mundo, ou ao menos do Ocidente. E não se farta. Quer mais dinheiro, não para acabar com a ineficiência e a morosidade dos tribunais, mas para engordar contracheques desde sempre generosos.
O recorde de gastos está detalhado na pesquisa “Abrindo a caixa-preta: três décadas de reformas do sistema judicial do Brasil”, uma parceria entre Luciano da Ros, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Matthew Taylor, da Universidade Americana, de Washington. O trabalho completo só ficará pronto em 2016, mas Ros publicou uma prévia. Em “O custo da Justiça no Brasil: uma análise exploratória”, há uma comparação das despesas entre países. O gasto é de 0,32% do PIB na Alemanha, de 0,28% em Portugal, de 0,19% na Itália, de 0,14% na Inglaterra e de 0,12% na Espanha. Nos Estados Unidos, 0,14%. Na América do Sul, a Venezuela consome 0,34%, o Chile, 0,22%, a Colômbia, 0,21%, e a Argentina, 0,13%.
A folha de pessoal é a principal causa do altíssimo custo. No Judiciário, há gente e mordomias demais. O pagamento de 434.932 funcionários, entre juízes e servidores, mordeu 89,5% das despesas totais em 2014. O salário médio alcança 10,8 mil mensais. Apesar disso, a fatia de 1,2% no PIB é a mais baixa em seis anos, motivo, segundo Ros, de estar em curso uma ofensiva por mais recursos.
Servidores de tribunais cercam o Congresso há semanas em uma pressão pela derrubada do veto presidencial à lei que reajustava o holerite da turma entre 53% e 78%. Se a lei vigorar, o Judiciário ficará R$5 bilhões mais caro a partir de 2016. O custo dobrará de 2018 em diante. No mesmo Legislativo, avança um projeto do STF, datado de agosto, que reajusta em 16% o salário dos 11 ministros da Corte. As excelências passariam a receber R$39.293,00 mensais. Detalhe: o salário dos ministros, hoje em R$33.763,00, foi corrigido há menos de um ano.
Aumentar os vencimentos do STF tem potencial para provocar um efeito dominó. Desde 2003, o salário dos ministros da corte é referência para a remuneração máxima no setor público. Na prática, a teoria é outra. A começar pelo próprio guardião das leis. Inúmeros são os subterfúgios usados para proporcionar à magistratura vencimentos acima do teto. Dados disponíveis na internet mostram gente ilustre a estourar o limite. O juiz Sergio Moro, da Operação Lava-Jato, recebeu R$82.370,00 em setembro. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, José Ricardo dos Santos Costa, R$41.262,00. O da associação dos juízes federais, Antonio César Boechenek, R$34.787,00.
O pagamento acima do teto resulta dos chamados “penduricalhos”. Auxílios, indenizações, gratificações e uma penca de adicionais não definidas como “salário” e adotados do Oiapoque ao Chuí. No Rio Grande do Sul, paga-se um “auxílio-táxi” de R$123,80. Goiás instituiu em 2013 um “auxílio-livro” de 3,2 mil anuais. No Rio de Janeiro, há desde setembro um “auxílio-educação” de R$953,00 por filho de juiz. Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça, cuja missão é vigiar o Judiciário, criou um “auxílio- alimentação” e uma licença remunerada para cursos no exterior, entre outros.
Tudo serve de pretexto. No início do mês, o STF aprovou uma “diária” de R$5,4 mil mensais a ser paga a 17 juízes que trabalham como auxiliares dos ministros. Justificativa: os magistrados precisam deixar seus lares para trabalhar. Durante a aprovação, o ministro Luiz Fux, com uma verve sindicalista, disse que “a magistratura é uma atividade espinhosa que merece valorização em relação a todas as outras categorias”.
Essa autoimagem do juiz nativo explica muito da proliferação dos penduricalhos. Os togados parecem se sentir cidadãos especiais. Em outubro de 2014, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto Nalini, disse em entrevista à TV Cultura que só “aparentemente” o magistrado brasileiro ganha bem. “Ele tem de comprar terno, mas não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, a cada dia da semana ele tem de usar um terno diferente, uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem de ter um carro.” Um contraste com o entendimento em outros países. Entrevistado para o livro “Um país sem excelências e mordomias”, da jornalista brasileira Claudia Wallin, moradora na Suécia há 12 anos, Goran Lambertz, um dos 16 ministros da Corte Suprema sueca, disse que “luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético”. Ao comentar os privilégios dos colegas brasileiros foi impiedoso: “É absolutamente inacreditável que juízes tenham o descaramento e a audácia de ser tão egocêntricos e egoístas a ponto de buscar benefícios como auxílio-alimentação e auxílio-escola para seus filhos. Nunca ouvi falar de nenhum outro país onde juízes tenham feito uso de sua posição a este nível para beneficiar a si próprios e enriquecer”.
A mordomia da moda é um auxílio-moradia de R$4.377,33 mensais. Foi determinada pelo STF em setembro do ano passado, graças a uma liminar de Fux. Em abril de 2013, a associação dos juízes federais, a Ajufe, havia ingressado no Supremo com uma ação a favor do auxílio. Invocava isonomia. Se a benesse vigora para promotores e procuradores de Justiça, conforme uma lei de 1993, por que não para eles? Fux mandou pagar não só aos representados da Ajufe, mas a todos os magistrados, R$16.927,00 em todo o País. Custo da liminar para o Erário: R$900 milhões por ano. Procurado via assessoria de imprensa do STF, Fux não se manifestou sobre o futuro da ação.
A liminar do ministro detonou um rastilho de pólvora. Dias depois, o Conselho Nacional do Ministério Público resolveu liberar o pagamento geral e irrestrito do auxílio-moradia a todos os seus integrantes. Um casal de procuradores recorreu ao Superior Tribunal de Justiça para receber um auxílio cada, apesar de morarem juntos. O pedido foi atendido provisoriamente pelo relator, Napoleão Maia, que entre outras justificativas invocou trechos da liminar de Fux. Um manifesto liderado pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles condena a “visão profissional estritamente mercantilista” por trás do auxílio-moradia e classifica este como tentativa de “ludibriar o teto constitucional”. “Auxílios, gratificações e modalidades outras de penduricalhos de tal jaez ofendem tratamento remuneratório democrático”, afirma o texto.
Outro penduricalho na crista da onda é uma gratificação para juízes federais, trabalhistas e militares por acúmulo de função. O mimo é devido a quem assumir casos de um colega ou atuar em outra vara ou corte. Enriquecerá em até um terço o salário das excelências. A categoria arrancou a benesse na marra. Em setembro do ano passado, houve uma espécie de greve contra o acúmulo de processos. Semanas depois, o Congresso aprovou a gratificação, sancionada em janeiro por Dilma Rousseff.
A gratificação foi regulamentada em abril por uma resolução do Conselho da Justiça Federal, o CJF. E há quem tenha visto esperteza em excesso na resolução. Para o procurador da República Luciano Rolim, o CJF extrapolou os termos da lei e abriu a porteira para um juiz federal obter ganhos iguais àqueles de um ministro do STF e mais 15 dias de férias, além da boa vida de 60 dias garantidos. Em um país com 99 milhões de processos encalhados, não seria o caso de reduzir as férias a 30 dias, regra para os demais trabalhadores, em vez de esticá-las?
Entre os procuradores da Advocacia Geral da União, também há críticas às artimanhas do Judiciário contra o teto salarial. Há algumas semanas, o procurador Carlos André Studart Pereira, assessor da presidência da Associação Nacional dos Procuradores Federais, pesquisou os contracheques de vários juízes e concluiu: ultrapassar o teto é regra. “O subsídio dos magistrados é justo e merecido. Os arranjos institucionais, não”, afirma Pereira, para quem a diária aprovada pelo STF é “bizarra” e o auxílio-moradia, “patentemente inconstitucional”.
Discretamente, o governo se insurge contra os penduricalhos. Com as contas públicas combalidas, o Palácio do Planalto mandou em setembro ao Congresso uma lei para definir quais pagamentos precisam ser computados no cálculo do teto e quais podem ficar de fora. Polêmica à vista. Desde dezembro de 2014, o STF estuda uma nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em substituição à atual, de 1979. A minuta em discussão institucionalizaria vários penduricalhos.
Às vezes, estes não são apenas “patentemente inconstitucionais”. Beiram a quebra de decoro. Em 2009, o CNJ recebeu uma denúncia de que o Tribunal de Justiça de São Paulo pagava “por fora” juízes que auxiliavam a elaboração de votos dos desembargadores. “Por fora”, no caso, permitia não recolher impostos à Receita e à Previdência, além de mascarar o estouro do teto. Apurar a denúncia não foi fácil. O presidente do TJ à época, Roberto Vallim Bellochi, mostrou-se pouco interessado em colaborar. Foi ao STF com um mandado de segurança, para não ter de prestar informações. Mesmo assim, o CNJ concluiu que houve irregularidades e determinou a suspensão dos pagamentos e a devolução do dinheiro. A corte paulista recorreu ao Supremo, comandado à época por Cezar Peluso, ministro que tinha um filho beneficiado pelo “auxílio-voto”. O relator da ação no STF, Dias Toffoli, concedeu uma liminar favorável ao TJ ainda em 2010. O processo está parado em seu gabinete desde 2013. Procurado via assessoria de imprensa do STF, Toffoli não se manifestou sobre o futuro da ação.
O caso do “auxílio-voto” é ilustrativo do que o advogado Marcelo Neves, ex-conselheiro do CNJ, relator do caso no conselho e hoje professor da Universidade de Brasília, chama de “corrupção sistêmica” no Judiciário. Para Neves, o CNJ abandonou o papel de “fiscal do fiscal”. Tornou-se “corporativista” e “capturado por um pacto mafioso existente entre os poderosos do Judiciário e do Legislativo”. Ignoraria faltas disciplinares dos magistrados graúdos, como aquelas do TJ paulista, para se ocupar de bagrinhos da primeira instância em lugares distantes. “O CNJ é hoje um órgão sem significado prático, principalmente no controle da corrupção, altíssima.”
Nancy Andrighi, Corregedora Nacional de Justiça, discorda. Segundo ela, não passam de 50 os processos relevantes que investigam desvios de conduta da magistratura, uma proporção pequena num universo de 16 mil juízes. “Posso concluir, assim, que a quase totalidade da magistratura brasileira é composta de juízes honestos e idealistas”, afirmou por escrito. Em dez anos de existência, o CNJ puniu 72 magistrados. A aposentadoria compulsória, pena mais dura, atingiu 46. Na verdade, pode ser considerada um prêmio. Pendura-se a toga, mas não se deixa de receber os vencimentos até o fim da vida, graças a um dispositivo constitucional.
Se os tribunais funcionassem, o pesado fardo financeiro até poderia não ser um problema. Não é o caso. “Nosso Judiciário é caro e não se reverte em serviços prestados. Ele não se vê como prestador de serviço público”, diz Luciana Gross Cunha, coordenadora do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Essa postura, afirma, tem várias explicações. Uma cultura nacional que sempre enxergou a Justiça como apartada do Estado. Uma formação acadêmica exageradamente jurídica por parte dos magistrados. Juízes que parecem achar pouco digno preocupar-se com a administração.
A melhora da gestão seria a mudança mais urgente em um Judiciário à beira do colapso, acredita a acadêmica. Só no ano passado, 28 milhões de novas causas chegaram aos tribunais. A taxa de congestionamento, índice que indica quantos casos nunca tiveram qualquer decisão, chega a 71%. “O Brasil precisa de uma carreira de gestor jurídico, como os Estados Unidos fizeram há mais de cem anos”, diz Luciana Cunha. Infelizmente, as prioridades são outras.
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