sábado, 28 de novembro de 2015

Futebol, oposição e espionagem: Conheça Maurício Macri, novo presidente da Argentina

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Maurício Macri: Carreira na empresa do pai e no Boca Juniors. Foto da Agência EFE.
Macri, até então prefeito de Buenos Aires, foi eleito presidente derrotando Daniel Scioli, candidato de Cristina Kirchner.
Em 2010, a jornalista Gabriela Cerruti escreveu uma biografia de Maurício Macri em que afirmava que ele era o primeiro nome da direita com chances de chegar à Presidência da Argentina. Cinco anos depois, cumpriu-se a profecia da também deputada estadual de Buenos Aires alinhada ao kirchnerismo: Macri foi eleito para a Casa Rosada no domingo, dia 22/11, após derrotar o candidato governista, Daniel Scioli, e toma posse em 10 de dezembro.
Atual chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Macri se formou em engenharia civil na UCA (Universidade Católica Argentina) e iniciou a carreira no mundo corporativo, no ramo de construção. Estudou também em universidades nos Estados Unidos, em Nova Iorque e na Filadélfia. Trabalhou nas empresas do seu pai, Franco Macri, fundador e dono de um conglomerado que leva o nome da família e que atua em diversas áreas, como de automóveis, correio e indústria alimentícia.
Nas empresas do Grupo Macri, ocupou cargos de analista sênior, gerente-geral, vice-presidente e presidente. No entanto, não foi no mundo dos negócios que Maurício Macri alcançou destaque público na Argentina. Em 1995, tornou-se presidente do maior clube de futebol do país, o Boca Juniors. Macri deixou o cargo somente para assumir o governo da cidade de Buenos Aires, em 2007, após uma gestão vitoriosa no Boca – um total de 17 títulos.
Trajetória políticaMacri criou, em 2003, o partido político Compromisso pela Mudança (Compromiso por el Cambio), que dois anos depois deu origem a sua atual sigla, o PRO (Proposta Republicana). No mesmo ano, foi derrotado por Aníbal Ibarra na primeira tentativa de se eleger chefe de governo da capital do país. Ibarra foi destituído do cargo em 2006, após um incêndio na casa de shows República de Cromañón, que deixou 194 mortos.
Entre 2005 e 2007, Macri exerceu um mandato de deputado federal e foi duramente criticado por suas ausências a votações no Congresso. Segundo levantamentos da Câmara, o presidente eleito participou de 32 das 53 reuniões da casa em 2006, e, no total, esteve ausente em 277 das 321 votações.
Já em 2007, o novo presidente da Argentina não participou de nenhuma votação na Câmara. Nesse ano, Macri foi eleito chefe de governo, cargo para o qual obteve a reeleição quatro anos depois.
Boca JuniorsDurante um almoço com a embaixadora dos EUA Vilma Martínez, em 2010, Macri, reconheceu que sua gestão à frente da cidade de Buenos Aires não lhe proporcionou muitos eleitores em nível nacional, tal como fora revelado por documentos secretos divulgados pelo Wikileaks.
“Se tenho apoio político fora de Buenos Aires, 90% dele é por ter dirigido o Boca e 10% por ser chefe do governo de Buenos Aires”, disse.
Na campanha para a conquista da prefeitura de Buenos Aires em 2007, Macri foi inquestionavelmente beneficiado pelo sucesso na gestão à frente do time. No dia 20 de junho daquele ano, apenas cinco dias antes de o então candidato ganhar a eleição de seu concorrente, o kirchnerista Daniel Filmus, o Boca Juniors se sagrava campeão da Libertadores da América pela sexta vez.
JustiçaMacri chega à presidência processado por escutas telefônicas ilegais. Ele é acusado de associação ilícita para espiar Sergio Burstein, familiar de vítima do atentado à AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), e seu próprio cunhado, Nestor Daniel Leonardo. Em 2010, a denúncia contra Macri foi aceita e ele passou a responder na Justiça pelo caso. A ele, se imputa haver utilizado a estrutura da Polícia Metropolitana, criada por ele em 2008, para realizar espionagem ilegal em conivência com funcionários de seu governo.
A defesa de Maurício Macri alega que não há provas suficientes de que ele esteja envolvido no esquema de espionagem. Em entrevista a um programa televisivo a dias do segundo turno, Macri foi questionado pelo jornalista e advogado Darío Villarruel sobre sua campanha anticorrupção enquanto está processado pela justiça e evadiu a resposta. O então candidato disse que a causa penal foi “uma invenção do kirchnerismo” e acusou Villaruel de querer constrangê-lo.
Em abril de 2013, a Polícia Metropolitana acompanhou operários contratados pelo governo da cidade de Buenos Aires para demolir uma oficina de reabilitação do hospital psiquiátrico José Tiburcio Borda. Diante da resistência de médicos e pacientes, a força policial os reprimiu com violência e deixou 50 feridos. Macri havia sido acusado de envolvimento no caso, mas uma sentença o livrou de mais um processo em fevereiro deste ano, nove meses antes de sua vitória nas eleições.
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APÓS VITÓRIA DE MACRI, MOVIMENTOS SOCIAIS ARGENTINOS SE REORGANIZAM PARA DEFENDER CONQUISTAS“O momento é de tomar as ruas de volta, porque o neoliberalismo vai querer recuperar o espaço que perdeu nos últimos anos”, diz representante do movimento estudantil.

Após a vitória da oposição que encerrou os 12 anos de governos kirchneristas, os movimentos sociais e correntes políticas que apoiaram a Frente para a Vitória, do candidato derrotado Daniel Scioli, começam a planejar a reorganização e as estratégias futuras para “impedir um retrocesso” nas políticas sociais e de direitos humanos no país.
“Temos que trabalhar muito para ver como reunificamos o movimento popular e nos tornamos uma única força para enfrentar o governo” do presidente recém-eleito Mauricio Macri, resume a Opera Mundi o legislador da Cidade de Buenos Aires Quito Aragón.
A união entre os diversos movimentos que compõem o peronismo de esquerda e o kirchnerismo é outra tônica presente na atual conjuntura do país. “Será necessário que estejamos mais organizados do que nunca. O movimento peronista tem que se unificar para fazer contrapeso às políticas neoliberais [do novo governo]. O momento é de tomar as ruas de volta, porque o neoliberalismo vai querer recuperar o espaço que perdeu nos últimos anos”, diz o Secretário Geral do Centro de Estudantes da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA (Universidade Autônoma de Buenos Aires), Jorge Villanueva.
O momento é também de autocrítica. “A partir de agora se abre um debate sobre quais são as circunstâncias nas quais a direita pôde propiciar essa derrota ao movimento popular”, acredita o Secretário de Relações Políticas do Partido Comunista da Argentina, Alejandro Ferni. “Vamos enfrentar a direita nas ruas e vamos ser vigilantes para que não haja retrocesso”.
Nesse mesmo sentido, Vicky Esquerdo, do Movimento Diversidade do agrupamento La Cámpora, considera que há um temor de que haja “ataques aos direitos conquistados durante a gestão de Nestor e Cristina Kirchner”, quando o país avançou em questões como o casamento igualitário e a lei de identidade de gênero, por exemplo. Ela afirma que seguirá trabalhando “pelos direitos e conquistas que faltam e estaremos mais unidos do que nunca”.
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Macri comemora vitória em segundo turno inédito na história da Argentina. Foto da Agência EFE.
Cenário nacionalEsta é a primeira vez na história democrática da Argentina que a presidência do país não será ocupada por um peronista ou um radical, embora os radicais da UCR integrem a aliança Cambiemos de Macri e tenham sido fundamentais para a inserção nacional do empresário.
Ferni observa que “nos últimos 100 anos os setores conservadores sempre se valeram das Forças Armadas e da colonização de forças populares, com o radicalismo ou peronismo, mas nunca construíram uma força política própria como agora”, que chegam à presidência com uma coligação nova e declaradamente neoliberal. Segundo ele, “essa força tem um revanchismo com relação às conquistas sociais, o que é muito preocupante”.
Há ainda por parte dos militantes pró-Scioli um receio devido ao fato de que, como Macri não terá maioria nem no Congresso, nem no Senado, o presidente governe via decretos. Sobre isso, Aragón, que é legislador na capital, é taxativo e diz não ter “dúvida de que o macrismo sabe governar sem maiorias, ao governar com decretos como faz com a cidade” de Buenos Aires, há oito anos sob seu mandato.
Política internacionalDevido ao protagonismo regional que tem na América Latina e principalmente no cone sul e no Mercosul, a política exterior argentina é acompanhada de perto pelos demais países.
De acordo com Ferni, o cenário para a “política internacional é muito desfavorável”. Com relação à sinalização de Macri de que vai se aproximar da Aliança do Pacífico, Ferni avalia que “a Argentina não pode ir para a Aliança do Pacífico porque não tem saída para esse mar. O que pode haver é uma articulação regional com Chile e Peru e começar a ameaçar o desenvolvimento do Mercosul”.
“Esse resultado é desfavorável para os movimentos sociais e pode ter impacto tanto no Brasil, que é nosso principal sócio comercial, como também em outros países da região, fundamentalmente em Bolívia e Venezuela”, acredita o Secretário do Partido Comunista.
Aragon considera que deve “desculpas” à América Latina pela vitória de Macri: “não conseguimos ser o freio ao processo de avanço do império na região, então pedimos desculpa a todos os companheiros latino-americanos, porque lamentavelmente não fomos capazes”.
Otimista, Ferni conclui: “se esse processo deixa alguma lição para a América Latina é que temos que seguir avançando com a integração latino-americana e com a articulação política dos movimentos populares, com programas de transformação mais profundos, mais estruturais e temos que trabalhar melhor a batalha de ideias”.

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