sexta-feira, 4 de março de 2011

Dilma e a mídia

Lendo o último post do Eduardo Guimarães, vi que muita gente, e mesmo o próprio blogueiro, ainda está confusa em relação à estratégia da presidente de se aproximar de órgãos midiáticos que lhe deram combate ferrenho e, em várias ocasiões, inescrupuloso, durante a campanha eleitoral.

Não só durante a campanha, mas durante os oito anos do governo da qual a presidente participou.

A presidente foi à festa da Folha, o mesmo jornal que publicou uma ficha falsa de sua pessoa, tentando vender a imagem de uma terrorista, e nunca pediu desculpas por isso.

A presidente foi aos programas de Hebe Camargo, malufista de primeira à última hora, e Ana Maria Braga, ambas protagonistas do Cansei, movimento quase golpista que se aproveitou da comoção nacional criada pelo acidente da TAM para desgastar o governo.

Afinal, qual a estratégia política de Dilma?

Criou-se logo uma grande polêmica em nossa sempre incendiária e vibrante blogosfera progressista.

Uns criticaram a presidente, outros a entenderam.

Como blogueiro, não posso deixar de dar minha opinião nesse debate. Nem acho que este é o caso de adotarmos uma postura salomônica e achar que todos estão certos.

Minha opinião é que Dilma sabe muito bem o que faz.

No início de 2010, eu papeei com um sujeito que escrevia consultorias políticas de alto nível para políticos de Brasília. Ele sempre lia meu blog e me pediu algumas opiniões. Quando eu comecei a me empolgar demais, ele me alertou:

- Miguel, você pode escrever bem sobre política e tal, mas cuidado para não achar que entende mais de política do que a própria Dilma. A política é ela.

Acho que devemos entender as coisas por aí. Somos todos cidadãos e, portanto, temos o direito de termos e defendermos nossas opiniões. Há níveis variados de entendimento, naturalmente, a depender da qualidade da informação de que cada um dispõe, além da inteligência, intuição, bom senso... Mas seria um tanto arrogante da nossa parte acharmos que entendemos mais de politica que a própria presidente da República. Quer dizer, se estivéssemos falando de um G.W.Bush, aquele filhinho de papai abestalhado, ou de um Kadafi, ditador senil, tudo bem. Mas se falarmos de Clinton, um Bush pai, um Lula, uma Dilma, é tolice acharmos que entendemos mais de política que eles. Podemos não concordar, mas não significa que sabemos mais.

Uma pesquisa recente mostrou que a Folha de São Paulo é, de longe, o jornal mais lido no Congresso Nacional. Acredito que, da mesma maneira, é a publicação mais lida entre a alta magistratura.

Ao ir à festa de aniversário da Folha, portanto, a presidente pensa nos parlamentares que vêem a Folha como principal meio de informação política. Pensa nos magistrados. Pensa nos observadores internacionais que, da mesma forma, lêem com atenção os grandes jornais brasileiros.

A blogosfera tornou-se uma ferramenta democrática fundamental em todo mundo. Muitos analistas concordam que estes impressionantes movimentos de massa nos países árabes foram antecedidos por uma onda de crítica e debate na blogosfera, na qual foram fermentadas e amadurecidas as ideias que mais tarde tomariam as ruas.

Mas a blogosfera não substitui a grande mídia.

A única vez em que a blogosfera realmente ocupou o espaço da grande mídia foi quando o presidente Lula deu entrevista a blogueiros no Palácio do Planalto. Aquilo, porém, só aconteceu porque os blogueiros se organizaram. Foi um resultado natural do Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas. Mas foi o máximo que conseguiram.

A blogosfera ainda tem um longo caminho a percorrer antes de se profissionalizar e, de fato, assumir alguns dos papéis desempenhados pelos tradicionais veículos de comunicação.

Por outro lado, a blogosfera tem muito receio que essa "profissionalização" tolha a sua liberdade. Falo por mim mesmo. Por quantas vezes, assumi - meio que calculadamente - um ar galhofeiro, boêmio, até mesmo irresponsável, sempre tentando fugir de esquemas convencionais de pensamento, procurando, como diz o Azenha, "pensar fora do quadrado".

Voltando à relação de Dilma com a mídia, acho que ela tem agido corretamente no sentido de conquistar o público que não votou nela. Dilma não é presidente apenas de seus eleitores, ela representa o país inteiro, incluindo aí os 42 milhões de cidadãos brasileiros que votaram no Serra, incluindo aí os paulistas que elegeram Alckmin no primeiro turno...

Acusada de ser uma neófita no ramo, Dilma vem se revelando (embora isso não seja uma surpresa, pois já se suspeitava) uma mulher de inteligência política superior e não foi à tôa que eu publiquei o artigo de Janio de Freitas dois posts atrás.

O que Freitas diz, em resumo, é que Dilma está jantando a oposição como se estivesse num restaurante francês cinco estrelas: com elegância, sutileza e vagar. Ao se aproximar da grande imprensa de oposição, ela neutraliza, em parte ao menos, a tentativa de alguns hidrófobos (como Augusto Nunes, da Veja, por exemplo), de construir uma imagem escatológica da presidente da república.

As pessoas também se esquecem de que Lula, animal político que sempre foi, construiu sua carreira em cima de entrevistas e matérias para os grandes jornais do país. Em 2006, logo após ganhar eleições onde novamente a imprensa havia agido como cabo eleitoral de seu adversário, ele foi direto dar entrevista exclusiva para a Globo...

Dilma usou a Folha para se promover, assim como a Folha usou-a para vender mais jornal e se redimir com o imenso público que votou na presidente e não aprovava a linha editorial tucana da empresa.

Além disso, o maior desafio da esquerda brasileira é derrubar o bunker tucano em São Paulo, que é sustentado, por sua vez, por um eleitorado majoritariamente conservador, classe média, que vê na Folha o supra-sumo da cultura jornalística.

Não acho que Dilma seja ingênua de achar que a Folha poderá apoiá-la em 2014. Entretanto, se conseguir reduzir o nível de virulência, pelo menos nessa fase inicial do governo, já é uma grande conquista.

Temos ainda um último fator. Sendo uma grande empresa, com milhares de funcionários, é lícito imaginar que exista um percentual dos mesmos que votaram na presidenta e no PT. Lembrando o velho e bom Engels, a dialética inerente à toda matéria é mais ainda acentuada numa empresa onde a quase totalidade dos trabalhadores não vende seu suor por ideologia, mas em troca de um salário. Essa dialética gera necessariamente uma luta, uma tensão, na maior parte do tempo surda, silenciosa, mas o tempo todo presente, afetando a psicologia e a rotina dos funcionários do jornal, e, em última instância, interferindo (às vezes de maneira subliminar) em sua própria linha editorial.

Ao comparecer à Folha, Dilma participa dessa dialética e quero acreditar que de maneira positiva, ajudando os funcionários (poucos? muitos?) e sócios que nela votaram a se posicionarem com mais confiança no local de trabalho.

Seja como for, a ida de Dilma a cerimônia de aniversário da Folha, assim como sua presença em programas de TV da Hebe e da Ana Maria Braga constitui (embora admito que pareça um tanto ridículo falar isso; a política, assim como o amor e a literatura, também trabalha com o lado ridículo da vida) uma ação de luta política. A teoria da luva de película, portanto, é válida.

Não devemos esquecer que a magnanimidade é a maior virtude de um vencedor, e na guerra difícil que enfrentamos no ano passado, quem ganhou foi a Dilma e quem perdeu foi a turminha da Barão de Limeira. Esnobar ou agredir os plutocratas da mídia seria óbvio, tolo e contraproducente. Um líder político inteligente nunca deve fazer guerra antes de esgotar todos os meios diplomáticos possíveis.

Miguel do Rosário

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