Dia 17/3, o Conselho de Segurança da ONU aprovou Resolução n. 1.973, que não só impõe uma zona aérea de exclusão sobre território líbio (restrição que se aplica só a aviões de Gaddafi, do qual todos os hoje agressores foram aliados até ontem), mas também autoriza estados-membros da ONU a tomar “todas as medidas necessárias” para proteger alguns civis, mas não todos, dado que os partidários civis de Gaddafi são definidos como inimigos militares. Dez dos 15 membros do CSONU aprovaram a resolução, e Rússia, China, Alemanha, Índia e Brasil abstiveram-se.
A nova Resolução também reforça as sanções impostas à Líbia: mais sete membros do governo líbio foram incluídos na lista de pessoas cujos bens foram congelados (já haviam sido congelados os depósitos no ocidente do Banco Central da Líbia, da Libyan Investment Authority e da National Oil Corporation).
A Resolução também exige que Gaddafi – mas não a oposição armada – aceite imediato cessar-fogo nos termos da Resolução, para por fim à violência contra civis, e em obediência a lei internacional. Nada poderia ser mais incerto, dado que as forças do governo líbio têm sido atacadas por aviões que os rebeldes obtiveram por vias ainda não elucidadas, pouco antes da votação na ONU.
A Resolução do CSONU foi aprovada em momento em que o filho de Gaddafi já falava em reforma política e em anistia para os rebeldes e em que a Turquia já sugerira que Gaddafi indicasse um presidente para conduzir uma transição pacífica e se afastasse, como se fez no Egito e Tunísia. A Resolução aparece, sobretudo, não no início das confrontações, mas quando já havia guerra há bastante tempo, em momento em que as forças de Gaddafi começavam a recuperar terreno e só lhes faltava atravessar trecho do deserto onde não há civis, para chegar a Benghazi, onde a oposição ainda resiste – o que equivale a dizer que a ONU deixou morrer muitos civis; só se movimentou em momento em que não há risco imediato de mais mortes entre os civis e apresenta-se para atacar nas áreas onde a oposição ainda resiste, essas, sim, áreas urbanas populosas.
A Resolução n. 1.073 cria condições para massiva intervenção na Líbia e implantação de governo “dos rebeldes” – que não se identificaram até agora com nenhum projeto político, mas já receberam a promessa de que receberão apoio irrestrito de uma muito vaga “comunidade internacional” que não tem aval popular e só tem um também muito fluido aval institucional, da própria ONU e do CSONU, instituição onde as grandes potências militares nascidas da II Guerra Mundial têm votos de privilégio, com direito a veto, e as demais nações têm, no máximo, o direito de manifestar oposição formal.
De fato, não se sabe a favor de que projeto político a dita “comunidade internacional” manifesta na ONU já se alinhou e ataca.
Toda a imprensa-empresa internacional aprovou em uníssono a nova Resolução, mostrando cenas de adolescentes armados e até crianças, fotografados e filmados em festa, à frente do prédio do Conselho Nacional do Governo de Transição em Benghazi.
O Le Monde afastava-se, em 24/2, dessa suspeita uniformidade: noticiou que a al-Qaeda no Magreb já manifestou integral apoio aos rebeldes.
Antes da Resolução n. 1.973 ser aprovada, o vice-chanceler da Líbia Khaled Kaim já dissera em conferência de imprensa que a Líbia respeitaria um cessar-fogo aprovado pela ONU. E ontem, em entrevista ao jornal Le Monde, o mesmo vice-chanceler lamentava que a Resolução refletisse posição bélica tão precipitada e agressiva, que põe em risco a unidade e a integridade da Líbia. Na entrevista, o vice-chanceler líbio denunciou uma conspiração de França, Grã-Bretanha e EUA/OTAN para dividir o país. Para Kaim, a Resolução ‘autoriza’ líbios a matarem líbios, e ‘autoriza’ EUA/OTAN a matarem os que sobrarem.
O chefe da diplomacia francesa Alain Juppé apareceu em New York em plena campanha anti-Líbia e assim, respondeu, embora indiretamente, à pergunta sobre a origem dos tanques, artilharia, helicópteros e jatos bombardeiros que atacaram as forças de Gaddafi na Líbia.
Juppé pregou abertamente imediata intervenção militar na Líbia antes da votação no CSONU e disse que a ofensiva era questão de horas, não de dias. A França descartou o plano de ataques aéreos no instante em que a Resolução fosse aprovada, mas é evidente que, desde antes, os países reunidos no CSONU – certos de que nem Rússia nem China se exporiam aos riscos de vetar a Resolução – escolheram não descartar “nenhuma das alternativas”. Situação absolutamente idêntica à que se viu na Iugoslávia, em 1999, antes de o país começar a ser bombardeado.
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