Quando vemos hoje os impressionantes levantes no mundo árabe, com atos espontâneos pela democracia, é impossível não se perguntar: o que estamos fazendo gastando US$ 110 bilhões (em torno de R$ 180 bilhões) neste ano para apoiar regimes corruptos e impopulares no Afeganistão e no Paquistão que são quase idênticos aos governos que estamos aplaudindo os povos derrubarem?
Desde 11 de setembro que o Ocidente está torcendo para que uma guerra de ideias dentro do mundo muçulmano gere um questionamento interno à ideologia islâmica radical violenta de Osama Bin Laden e da Al Qaeda. Essa contestação, porém, nunca se materializou de fato porque os regimes que contávamos para promovê-la achavam o extremismo violento muçulmano um mal conveniente, de forma que permitiram que persistisse. Além disso, esses regimes árabes capitalistas corruptos nem de longe foram os veículos ideais para uma alternativa ao Bin Ladismo. Ao contrário, seu comportamento de repressão violenta a qualquer tipo de partido centrista moderado independente alimentava ainda mais o extremismo.
Agora, os próprios povos derrubaram esses regimes no Egito e na Tunísia, e estão agitando os da Líbia, Iêmen, Bahrein, Omã e Irã. Eles não estão fazendo isso por nós, ou para responder a Bin Laden. Estão fazendo isso por si mesmos e para si mesmos –porque querem ter liberdade e controlar seus destinos. Ao fazê-lo, porém, criaram um desafio altamente poderoso, modernizante ao Bin Ladismo, e é por isso que a Al Qaeda hoje está calada. É uma coisa linda de se ver.
A resposta da Al Qaeda à autocracia moderna foi uma versão de califado do século 7. Mas os povos –desde a Tunísia ao Iêmen– criaram sua própria resposta ao extremismo violento e seus regimes abusivos que viemos sustentando. Chama-se democracia. Eles têm um longo caminho para estabelecê-la e ainda podem ser sequestrados por forças religiosas. Mas por enquanto, está claro que a maioria quer construir um futuro do século 21, não do sétimo.
Em outras palavras, os povos árabes fizeram sozinhos e por suas próprias razões tudo o que estávamos pagando seus regimes para fazerem na “guerra ao terrorismo”, mas nunca fizeram.
E isso me leva de volta ao Afeganistão e Paquistão. Em outubro último, o grupo Transparência Internacional classificou o regime do presidente Hamid Karzai do Afeganistão como o segundo mais corrupto do mundo, atrás da Somália. Esse é o regime afegão ao qual dedicaremos mais de US$ 110 bilhões em 2011.
E me diga se o serviço de inteligência paquistanês, o ISI, que domina a política paquistanesa, não é um irmão gêmeo do serviço de segurança de Hosni Mubarak. Os líderes militares paquistaneses jogam o mesmo jogo que Mubarak jogou conosco por anos. Primeiro, eles sussurram em nossos ouvidos: “Sem nós, os islâmicos radicais vão dominar. Talvez não sejamos perfeitos, mas somos a única coisa que segura o diabo”. Na realidade, porém, eles estão nutrindo o diabo. O ISI há muito é acusado de fomentar grupos muçulmanos radicais anti-Índia e de orientar o Taleban afegão.
Além do islamismo radical, o outro pretexto que os militares paquistaneses usam para seu poder fora do comum é o inimigo externo. Assim como os regimes árabes usaram o conflito com Israel por anos para manter seu povo distraído e justificar gigantescos orçamentos militares, o ISI do Paquistão diz a si mesmo, ao povo paquistanês e a nós que não pode parar de patrocinar guerrilheiros no Afeganistão por causa da “ameaça” da Índia.
Vou lhes contar um segredo: a Índia não vai invadir o Paquistão. Esse é um argumento extremamente falso. A Índia quer se concentrar em seu próprio desenvolvimento, sem ter que se preocupar com os problemas do Paquistão. A Índia tem a segunda maior população muçulmana do planeta, mais até do que o Paquistão. Apesar dos muçulmanos indianos terem seus problemas econômicos e políticos, eles estão, em geral, integrados à democracia indiana, porque é uma democracia. Não há muçulmanos indianos em Guantánamo.
Por fim, não é preciso buscar muito no Egito ou na Jordânia para ouvir que uma das razões da rebelião no Egito e dos protestos na Jordânia foi a corrupção descarada e o capitalismo de interesses que todo o mundo sabia a respeito.
O mesmo tipo de pilhagem de bens –de recursos naturais, da assistência para o desenvolvimento, das pobres poupanças de um milhão de depositantes no Kabul Bank e de contratos– alimentou uma ira similar contra o regime no Afeganistão e minou nossos esforços de construção da nação no país.
A verdade é que não podemos fazer muito para consolidar os movimentos de democracia no Egito e na Tunísia. Eles terão que fazer o trabalho por si mesmos. Mas poderíamos fazer o que está ao nosso alcance, ou seja, pegar parte dos US$ 110 bilhões que estamos jorrando sobre o regime afegão e o Exército paquistanês e usá-la em coisas como: alívio da dívida, construção de escolas e bolsas em universidades norteamericanas para jovens egípcios e tunisianos que tiveram a coragem de derrubar o mesmo tipo de regime que ainda estamos sustentando em Cabul e Islamabad.
Sei que não podemos simplesmente sair do Afeganistão e do Paquistão. Também há boas pessoas nos dois países. Mas atualmente nosso envolvimento nesses dois países –que envolve 150 mil soldados para confrontar a Al Qaeda– é totalmente desproporcional aos nossos interesses e está sem sintonia com nossos valores.
Thomas L. Friedman
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