sábado, 24 de janeiro de 2015

Os 3 deafios do combate à corrupção


Em junho de 2013, milhões de pessoas foram às ruas em várias cidades para protestar. O objeto das demandas foi um tanto quanto difuso, variando desde a insatisfação com os aumentos programados para as tarifas de ônibus até temas mais amplos como educação, saúde e qualidade de vida nos centros urbanos (o que deu origem ao discurso “não é só pelos vinte centavos”, amplamente divulgado à época pelos veículos da mídia impressa e digital). E as lideranças do movimento eram igualmente difusas, propositadamente rejeitando os tradicionais círculos de disputa de poder.
No meio desses protestos, foi aprovada a Lei Anticorrupção pelo Congresso Nacional (Lei n. 12.846, de 1º. de agosto de 2013). Em razão do período de vacatio legis previsto para a transição, a lei entrou em vigor no início do ano, elevando as expectativas quanto ao desenvolvimento do programa anticorrupção no Brasil, ao permitir a punição administrativa de empresas envolvidas em atos de corrupção, já que a legislação brasileira estava centralizada na investigação e punição de indivíduos em tipos criminais. Passado um primeiro momento de críticas relacionadas à ausência de ações por parte dos órgãos responsáveis, agora a ansiedade se volta para a necessidade de regulamentação de diversos pontos ainda em branco na lei brasileira, ainda mais em vista das recentes investigações iniciadas por autoridades brasileiras e americanas.
Mas o que o programa anticorrupção brasileiro precisa ter? Basta copiar os modelos estrangeiros? Bom, não é nada fácil responder essa pergunta. Na verdade, os acadêmicos brasileiros estão começando a se interessar pelo tema, que já é explorado com maior profundidade por faculdades europeias e americanas (aliás, o Edmond J. Safra Center for Ethics da Harvard University desenvolve um programa de estudo sobre o fenômeno, com resultados acadêmicos impressionantes nos últimos anos). Por conta disso, vou me limitar a três desafios que considero mais relevantes, ao menos por ora.
A Montagem da Estrutura de Combate à Corrupção: A lei 12.846/13 não previu um órgão específico para ser o responsável pela atividade de anticorrupção, permitindo uma pluralidade de atores com essa competência, embora a Controladoria Geral da União – CGU tenha sido escolhida como o centro do programa no âmbito federal, podendo avocar processos que sejam abertos com base nessa lei. O regime estadual e local ainda está em fase de regulamentação local (embora alguns estados e municípios já tenham feito essa escolha, alguns dos quais alocando às suas corregedorias esse mesmo papel central exercido pela CGU). Mas, independentemente da pluralização, há inúmeros desafios para a CGU. A lei anticorrupção nasce com a pendência de coordenar suas ações com instituições já há muito estabelecidas, como os Ministérios Públicos, Polícias, Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (do Ministério da Fazenda), além de outros. Esse custo de coordenação tende a ser um pouco amenizado com uma política que se funda na fixação de metas e objetivos comuns em uma rede de interação entre esses agentes públicos, coordenada pelo Ministério da Justiça e chamada de Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA.
Essa coordenação não será tarefa das mais fáceis em funções dos ilícitos previstos na Lei n. 12.846/13, parte dos quais são repetições de outras leis (como as Leis de Improbidade Administrativa e de Defesa da Concorrência), não estando restritos a atos de corrupção. Aliás, além dessas infrações, a lei brasileira prevê um tipo absolutamente amplo, consistente em dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos. Essa variedade de tipos pode criar problemas jurídicos, relacionados à ausência de proporcionalidade em função do excesso de infrações a partir de um mesmo fato, além de problemas administrativos, já que não há especialização na função. A CGU, no entanto, possui algumas características interessantes para conduzir essa discussão, já que possui expertise na auditoria de órgãos públicos, além de contar com uma base de dados bastante extensa, focada na eficiência do gasto público.
Cooperação e Acordo de Leniência: Há uma série de benefícios para as empresas que resolverem cooperar com a CGU, revelando a materialidade do ato de corrupção e identificando a respectiva autoria. Logo, a pergunta que todos fazem é a seguinte: vale a pena cooperar? Bom, de um lado os benefícios são significativos. Além da redução de até 2/3 da multa aplicável (que, por sua vez, pode ser de até 20% do faturamento bruto), a empresa se livra de outras sanções, como a proibição de receber incentivos e subsídios do poder público. E não há qualquer confissão nos acordos que são propostos, mas não aceitos pela CGU, o que dá alguma tranquilidade para a empresa que procura seguir esse caminho. No entanto, existe o outro lado. O principal problema está relacionado à ausência de proteção para o indivíduo na esfera criminal (ao contrário do programa de leniência previsto na Lei de Defesa da Concorrência), criando um enorme desincentivo para que os empregados cooperem nas investigações. Além disso, existem peculiaridades do processo de internacionalização, já que a leniência no Brasil poderá provocar investigações globais. Apenas para ficar com um exemplo: de acordo com o Foreign Corrupt Practices Act – FCPA, basta que a empresa seja listada na bolsa de valores nos Estados Unidos, para atrair a competência do Department of Justice – DOJ e da Securities Exchange Commission – SEC, órgãos anticorrupção americanos, não importando se o ato ocorreu ou mesmo se teve efeitos nos Estados Unidos.
Programas de Compliance Corporativos e Redução de Sanções:Existe uma previsão expressa de que mecanismos e programas internos de compliance serão levados em consideração na aplicação das sanções previstas na lei anticorrupção brasileira (naturalmente como fator mitigador das penalidades aplicadas). Mas quais elementos mínimos um programa de compliance precisa ter para gerar esse benefício? O ponto positivo dessa dúvida é que já existe vasta experiência em programas desse gênero em outros países (e alguma orientação regulatória, como o Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act). E o ponto negativo é que não existe uma fórmula que se aplique a toda e qualquer empresa. A mera cópia dos modelos estrangeiros poderá não ser a melhor opção, já que a lei brasileira tem um escopo e alcance diferente, com requisitos legais distintos (como responsabilidade objetiva), além de infrações mais variadas, como apontado. Além disso, é necessário que os programas sejam individualizados e específicos, até porque os riscos das empresas são diferentes, a ponto de ser impossível uma efetiva padronização dos mecanismos (embora existam parâmetros mais macro que podem servir de fundamento para a sua construção).
Ainda é cedo para fazer apostas quando à lei brasileira (o próprio FCPA, promulgado em 1977, demorou décadas até se transformar em uma lei efetiva). Mas a sinalização é importante. O programa brasileiro anticorrupção é uma notícia positiva para qualquer empresa que deseja fazer negócios de forma lícita no Brasil e, consequentemente, para a economia brasileira, privilegiando um modelo mais eficiente de competição.

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