O aumento da taxa de juros só beneficia os segmentos que enriquecem com o parasitismo proporcionado pelos absurdos rendimentos das operações financeiras.
O cenário está montado há vários meses. O calendário de reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) para 2016 já havia sido publicado em comunicado do Banco Central de junho do ano passado. A próxima reunião do colegiado será realizada em 19 e 20 de janeiro. Como costuma acontecer, os resultados serão divulgados somente a partir das 20 horas, com o objetivo de impedir eventual manipulação de ganhos especulativos pelo mercado financeiro.
Porém, há um conjunto de particularidades em torno dessa 196ª reunião do conselho, que é também o órgão responsável pela definição da taxa oficial de juros do governo brasileiro, a famosa Selic. Na verdade, toda a parafernália mística criada em torno de cada encontro, que ocorre rotineiramente a cada 45 dias, se desfaz quando se atenta para a sua composição. Trata-se de uma mera reunião dos integrantes da diretoria do Bacen – oito diretores e o presidente. Todos eles ocupando cargo público, cuja nomeação e indicação cabe à Presidência da República.
Ocorre que o próximo encontro vem carregado de grande simbolismo e expectativa. Trata-se da primeira reunião do segundo ano do segundo mandato de Dilma. Trata-se da primeira vez que os conselheiros reunir-se-ão depois da saída de Joaquim Levy do comando da área econômica. Trata-se da primeira oportunidade de o governo oferecer uma demonstração concreta e objetiva à sociedade de que vai virar a página do austericídio e retomar a via do crescimento e do emprego.
Durante esses dois dias, os diretores do banco terão todas as condições de realizar a necessária reflexão a respeito do fracasso que caracterizou a adoção da fórmula surrada e batida do financismo durante o ano passado, para não voltar ainda mais atrás em outros episódios da história recente. Houve uma combinação perversa de elevação da taxa de juros com a contenção exagerada das despesas orçamentárias vinculadas às políticas sociais e ao investimento público. As consequências estão nas ruas e nas calçadas.
Isso significa que o governo adotou, de forma integral, a recomendação da cartilha do conservadorismo liberaloide. A equipe de Dilma implementou exatamente aquilo que propunham os assessores econômicos de Aécio Neves e o que recomendavam os “especialistas” vinculados aos interesses do sistema financeiro. O resultado de tal experimento criminoso já era conhecido de qualquer aluno de graduação de economia. O Brasil aprofundou a trajetória de recessão das atividades de forma generalizada, caminhando a passos decididos rumo ao precipício à sua frente.
Impressiona o fato de a sociedade ter se acomodado tanto a esse projeto que prejudica a absoluta maioria de nossa população. Afinal, quem ainda defende a manutenção da taxa de juros em níveis tão estratosféricos? Para responder a essa indagação, basta verificar o que ocorre com a realidade concreta, longe do mundo idealizado das planilhas dos tecnocratas do financismo. O fato objetivo é que uma parte importante das empresas está falindo, as vendas no comércio estão caindo, as linhas de produção dos grandes grupos estão oferecendo férias coletivas, o desemprego está atingindo níveis socialmente preocupantes.
Mas por outro lado, há um conjunto de instituições que não perderam um único centavo nessa travessia difícil. Aliás, muito pelo contrário. Há décadas que os bancos e as demais empresas que operam na seara financeira faturam muito com o ambiente que as políticas públicas criam em seu favor. Lucros de dezenas de bilhões a cada semestre, ano após ano. Sem parar, sem parar, sem parar.
Além dos bancos, ganham os segmentos de nossa sociedade que se locupletam com o parasitismo proporcionado pelos absurdos rendimentos oferecidos pelas operações financeiras de toda ordem. Às custas da imensa maioria de nossa população, faturam de todas as maneiras. Senão, vejamos.
De um lado, são beneficiados pela engrenagem da monumental dívida pública brasileira, ao custo de uma taxa oficial de juros que insiste em ocupar o pódio dentre as mais elevadas do mundo. Graças à façanha da institucionalização da armadilha do superávit primário, asseguram a cada ano a drenagem de centenas de bilhões de reais do orçamento público para o pagamento da parcela dos juros do estoque de endividamento do governo.
De outro lado, faturam alto pela passividade da instituição responsável pela regulação e fiscalização do setor financeiro, o próprio Banco Central. Assim, as tarifas cobradas pelos serviços prestados são muito elevadas e os spreads praticados estão em níveis que beiram a imoralidade. Os bancos tomam recursos a taxas próximas dos 14,25% da Selic e chegam a cobrar mais de 400% em suas operações de crédito junto às empresas e às famílias.
O governo conta com 2 importantes instituições do mundo bancário, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Não há nada que justifique que tais empresas públicas façam coro com os concorrentes Bradesco e Itaú, por exemplo, no quesito espoliação da clientela. O governo tem a obrigação de mandar seus bancos federais reduzirem ao máximo os spreads praticados, pois esse movimento forçará os grupos privados a fazerem o mesmo. O Brasil agradecerá por tal decisão.
Ah, mas você não falou da inflação, Paulo! É verdade. O crescimento dos índices de preços e o fato do IPCA ter ultrapassado os 10% anuais não podem ser esquecidos. Os setores mais pobres são os que mais sofrem com a perda do poder aquisitivo de nossa moeda. As camadas de menor renda não possuem instrumentos para se proteger da perda inflacionária. No entanto, a evolução recente de nossa economia demonstrou que a elevação da Selic é uma péssima estratégia para combater a inflação. Tanto mais, em um ambiente marcado pela recessão e pelo desemprego. O foco da política econômica deve ser a busca do crescimento.
O argumento para elevar a taxa de juros se baseia em uma visão equivocada do quadro econômico atual. O pressuposto é que haveria um excesso de demanda frente a uma escassez de oferta de forma generalizada. Com isso, haveria uma pressão compradora no conjunto da sociedade, forçando os preços para cima. A solução macroeconômica passaria pela redução dessa massa de demanda. Porém, como fazer? Deslocar parte desses recursos que estariam destinados ao consumo e direcioná-los à poupança. Uma taxa de juros mais alta levaria a tal movimento mágico.
Ocorre que a maldade embutida na política do austericídio já se encarregou, infelizmente, de promover tal desajuste. As pessoas estão ficando desempregadas, a renda das famílias está diminuindo, os preços elevados já estão inibindo a onda do consumo por si só. Não há razão econômica para jogar ainda mais gasolina na fogueira e tornar esse quadro mais dramático do que ele já se apresenta. Estudos demonstram que as maiores causas da inflação em 2015 foram a desvalorização cambial necessária e os reajustes dos preços administrados. E para esse tipo de fator inflacionário, a Selic não serve. Como não funcionou em 2015.
É preciso gritar alto e em bom som: a inflação atual não se explica por esse enfoque de excesso de demanda. Basta verificar que o IPCA estava em 6,4% anuais em dezembro de 2014, quando a Selic estava em 11,25%. Com a pressão realizada por nossos aprendizes de liberalismo, o governo subiu a Selic para 14,25% ao longo do ano. E a inflação, ao invés de baixar, continuou subindo e superou os 2 dígitos. Ou seja, o arrocho monetário revelou-se uma ferramenta inadequada para o controle dos preços.
Não obstante, o Copom insiste em buscar o caminho do erro. A ata de sua última reunião termina com uma ameaça perigosa: “O Comitê adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas, ou seja, trazer a inflação o mais próximo possível de 4,5% em 2016”. Sugerir a redução da inflação dos atuais 10% para 4,5% em 12 meses apenas por meio de aumento da Selic é uma loucura!
Ora, se a presidenta pretende mesmo oferecer alguma demonstração pública de seu compromisso efetivo para com a retomada do crescimento econômico, a reunião do Copom é o momento adequado. As principais entidades do empresariado, as centrais sindicais e demais organizações da grande maioria da sociedade exigem uma mudança na política monetária. O fim do sufoco passa pela redução dos encargos financeiros das empresas e das famílias. O alívio da questão fiscal passa pela redução do peso excessivo exercido nas despesas orçamentárias pelo pagamento dos serviços da dívida pública.
Para o dia 20 só existe um caminho possível: a pressão organizada da sociedade sobre o governo e sobre o Copom para que seja viabilizada a redução da taxa de juros. Tal decisão seria o primeiro sinal de que há mesmo uma intenção no Palácio do Planalto de superar a defunta ortodoxia conservadora e de buscar o caminho do crescimento das atividades.
A missão do momento é abaixar a Selic!
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