O início do novo ano foi acompanhado por uma queda recorde nos índices e nos preços de mercados financeiros e de commodities. O mercado do petróleo também estabeleceu novos recordes. Entre julho de 2014 e o fim de 2015 o preço deste recurso energético caiu em 70%. Parecia que havia atingido o fundo, mas na semana passada os preços do petróleo caíram mais de 10% – o pior arranque de um novo ano na história registada. Cada vez mais traders inclinam-se a pensar que os preços podiam cair abaixo dos U$30,00 por barril.
De acordo com índice agregado Bloomberg World Oil & Gas, na primeira semana do novo ano as 60 maiores companhias de petróleo do mundo perderam cerca de US$100 bilhões devido à queda de preços.
Uma discussão animada das causas da queda de preços sem precedente do ouro negro iniciou-se há muito. Cada vez menos pessoas ainda acreditam que um tal declínio é o resultado de mudanças “naturais” no mercado.
Muitas vezes as atuações da Arábia Saudita são mencionadas como uma razão para o mergulho dos preços no mercado global. É verdade que aquele país tem promovido unilateralmente (sem o acordo de outros membros da Opep) a sua produção de óleo e começou a despejar grandes quantidades do mesmo numa tentativa de dominar o mercado mundial do ouro negro. Isto poderia representar uma descida de apenas alguns dólares por barril nos preços globais, mas o fato é que o declínio total agora é cerca de US$100,00 (medido desde o seu pico em 2008). E se os cálculos forem baseados no preço médio de 2014, o qual era de quase US$100,00 (para o Brent), isso resulta num embaratecimento de quase US$70,00/barril até o princípio de 2016. Seria preciso um esforço concertado de todos os grandes países produtores do mundo para sacudir tanto assim o mercado.
Hoje dificilmente se encontra um perito sério que considere a Opep – a organização conhecida como o cartel do petróleo – um fator significativo. Naturalmente há suspeitas de que o mercado petrolífero está a ser manipulado. A acumulação de stocks é um método tradicional de manipular qualquer mercado. Montanhas de ouro negro, etiquetadas como reservas estratégicas, estão a ser acumuladas por muitos países, especialmente os Estados Unidos. Liquidar um stock acumulado pode forçar descidas de preços. E os EUA venderam parte de suas reservas antes, mas o efeito destas vendas tem vida muito curta e os impactos nos preços apenas nuns poucos dólares por barril.
Nos últimos dias de 2015 os media publicaram uma série de reportagens culpando o cartel bancário pelas flutuações dramáticas do mercado petrolífero. Uma das primeiras foi um artigo do consultor financeiro norte-americano Michael McDonald, afirmando que não é a Opep que pilota o mercado do ouro negro, mas sim que este é controlado pelo cartel bancário, o qual utiliza como ferramenta empréstimos relativos a energia feitos a companhias na indústria petrolífera e noutros setores energéticos. Segundo McDonald, o montante total dos empréstimos pendentes ao setor energético dos EUA (a indústria do petróleo e do gás) é de US$4 trilhões. E bancos estadunidenses atualmente possuem apenas cerca de 45% de todos os empréstimos dos EUA a companhias de energia, ao passo que outros 30% são possuídos por bancos estrangeiros e 25% por entidades não bancárias como hedge funds.
A primeira conclusão de McDonald parece razoável: é verdade que a Opep não tem controlado o mercado petrolífero desde há muito. E é mesmo razoável dizer que bancos a operarem como cartel começaram a pilotar o mercado. Mas a sua terceira conclusão – sua afirmação de que empréstimos energéticos estão a ser utilizados como ferramenta para dirigir o mercado – é questionável.
O próprio McDonald cita dados que lançam dúvidas acerca da sua conclusão. O autor declara que empréstimos ao setor energético constituem apenas 3% do total do mercado de empréstimos nos EUA. Isso não é suficiente para induzir mudanças importantes no mercado do petróleo e de outros recursos energéticos. Obviamente os bancos da Wall Street não veem a indústria da energia como sua prioridade de topo quando estabelecem suas políticas de empréstimos. Hipoteticamente, empréstimos bancários poderiam ser um meio para prosseguir uma política estrutural a longo prazo. Alguns peritos sugerem precisamente isso, afirmando que a queda nos preços do petróleo é “real e a longo prazo”. Mas tais opiniões têm de ser apoiadas com estatísticas que mostrem investimento no desenvolvimento das energias alternativas que estão a substituir o petróleo tradicional, mas não há tal evidência. Os bancos, pelo menos em anos recentes, não aumentaram perceptivelmente seus empréstimos para projetos de energia verde.
Isto sugere que a queda nos preços do ouro negro resulta da manipulação do preço. Empréstimos bancários não podem ser utilizados como instrumento de tal manipulação. Empréstimos naturalmente têm um impacto sobre preços, mas o efeito de um empréstimo não pode ser visto senão depois de vários anos. Contudo, os preços reagem à manipulação de imediato, ou dentro de algumas semanas no máximo. McDonald afirma que no ano passado bancos cortarem no seu financiamento à indústria petrolífera e provavelmente continuarão a fazê-lo em 2016. Mas alguém poderia esperar que isso terá o efeito oposto, resultando em preços mais altos para o ouro negro, uma vez que restrições de crédito reduzirão a oferta de petróleo.
Os manipuladores do mercado petrolífero são os grandes bancos. Eles fazem isto através da utilização de contratos futuros de petróleo e de outros derivativos ligados ao petróleo. Isto parece contra-intuitivo, mas preços diários (para transações spot) são estabelecidos pelos preços para entregas futuras (num prazo de um ano, por exemplo).
E os preços futuros são o resultado do que se chama “expectativas”. As “expectativas”, por sua vez, são criadas pelas agências de classificação, a comunidade de peritos, e os mass media. Tudo isto está sob o controle dos grandes bancos. Os bancos simplesmente encomendam (place an order) as expectativas “necessárias”.
Desde o fim da década de 1970 tem estado a crescer um mercado robusto para “petróleo de papel”, isto é, um mercado para contratos futuros que não culmina num despacho físico de petróleo. Isto é um jogo de azar para especuladores, o qual provoca um sofrimento para qualquer um que esteja no negócio de produzir, refinar ou utilizar petróleo ou produtos petrolíferos na economia real. Atualmente o número de transações no mercado para “petróleo de papel” é dez vezes maior do que no mercado de petróleo físico. O volume de trading para contratos futuros de petróleo nas duas maiores bolsas – o Nymex de Nova Iorque e o ICE de Londres – já é dez vezes mais alto do que o consumo anual global de petróleo.
Todos os mercados derivativos são controlados por bancos, principalmente bancos da Wall Street, bem como por alguns grandes bancos na City de Londres e na Europa continental. O mercado para “petróleo de papel” não é exceção. Segundo algumas estimativas, 95% do mercado global para derivativos de petróleo é controlado por bancos estadunidenses.
Os maiores dealers em derivativos de petróleo são o Goldman Sachs, o J.P. Morgan Chase e outros gigantes da banca que utilizam futuros de petróleo, acima de tudo para lucrar com flutuações nos preços do óleo e em segundo lugar para assegurar seu próprio papel como intermediários financeiros. Além disso, os clientes da banca incluem tanto atores no mercado de petróleo físico – companhias de petróleo, refinaria, linhas aéreas etc. – como atores financeiros tais como hedge funds. A fim de aumentar o impacto comercial do seu monopólio do mercado do “petróleo de papel”, muitos gigantes bancários também comerciam no petróleo físico (é óbvio que estes bancos têm uma vantagem sobre atores do chamado mercado livre quando se trata de arranjar preços para o ouro negro). Em 2003, o US Federal Reserve decidiu permitir aos bancos que atuassem como traders de commodities e o J.P. Morgan, Morgan Stanley, Barclays, Goldman Sachs, Citigroup e um certo número de outros grandes bancos saltou ansiosamente para a comercialização do petróleo físico.
A crise financeira de 2007-2009 foi disparada em grande medida pelo fato de que emergiram mercados derivativos nos quais gigantes da banca estadunidense podiam crescer de modo selvagem e que estava fora do controle dos reguladores financeiros. O US Federal Reserve, a US Securities and Exchange Commission, o Departamento da Justiça e reguladores financeiros europeus tentaram trazer algum sentido de ordem aos mercados derivativos. Em 2010, os EUA aprovaram o Dodd-Frank Act, o qual esboçava um plano para regulações mais apertadas no mercado financeiro, mas aquela lei é apenas um enquadramento. Sua aplicação prática exigiria uma grande quantidade de leis muito mais específicas e instrumentos regulamentares.
Durante vários anos os EUA têm investigado as atividades de bancos da Wall Street e dos maiores bancos europeus antes e durante a crise de 2007-2009. Em particular foram identificados laços que ligavam transações bancárias nos mercados futuros de petróleo às suas transações envolvendo petróleo físico. Em 2013, foi lançada uma investigação a ações do Goldman Sachs, Morgan Stanley e J.P. Morgan para manipular preços de commodities (inclusive petróleo) e em 2014 foram efetuadas acusações válidas contra aqueles bancos.
Por ora a maior parte dos grandes bancos permanece nos mercados de derivativos financeiros. Isto inclui o mercado de futuros de petróleo. Portanto devemos estar preparados para que o “mercado” do petróleo continua a desempenhar toda espécie de façanhas de circo.
Em conclusão, dever-se-ia notar que os bancos que estão a manipular os preços do ouro negro estão realmente a operar como um cartel. Contudo, este não é um cartel especializado, com atividade limitada a um único produto do mercado. Isto é um cartel global, ostentando o título oficial de “US Federal Reserve System”. Com acesso a uma impressora para fabricar dinheiro de curso legal global (dólares), os bancos regionais do Federal Reserve efetivamente controlam tudo do mercado financeiro e do mercado da maior parte do de commodities.
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