segunda-feira, 29 de junho de 2015

Financiamento público: Deputados são office-boys de empresas na hora de apresentar emenda parlamentar

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Procedimento, tido como legítimo e comum no Congresso, tem sido criticado por analistas na atual legislatura, por estar sendo feito sem critérios. E já levou parlamentares a serem chamados de “office-boys”.
Quanto menor é o nível de conhecimento dos parlamentares sobre o processo legislativo e maior a renovação das bancadas, assim como o comprometimento deles com o poder econômico, maiores são as chances de aproveitarem contribuições e subsídios encaminhados por empresas privadas e instituições diversas em seus projetos e emendas. Muitas vezes até, eles aproveitam os próprios textos literais, da forma como lhes são entregues. Esse tipo de procedimento, que tem chamado a atenção da Câmara dos Deputados nos últimos dias, nas votações de maior repercussão, ultrapassa a questão do lobby e passou a levar os autores destas matérias a serem conhecidos como “parlamentares que atuam como laranjas” da iniciativa privada e de entidades de classe.
Mas a prática não é proibida e sempre foi comum nas últimas décadas, no Congresso Nacional. Segundo confirmam parlamentares e assessores da Casa, o envio sistemático de sugestões de emendas e até textos prontos aos gabinetes muitas vezes até ajuda na atuação dos parlamentares. Mas o aumento das sugestões acatadas, por outro lado, na avaliação de analistas legislativos, mostra que as relações entre os representantes do Congresso e estes setores estão cada vez mais intricadas. E que, nos últimos tempos, cada vez menos são feitas alterações ou apreciações por parte do gabinete do parlamentar.
“Não podemos ser ingênuos para criticar por criticar esse tipo de trabalho porque todos os órgãos possuem assessoria parlamentar justamente para atuar junto aos gabinetes da Câmara e do Senado, inclusive sindicatos e entidades de classe. Mas o aumento observado pode ser um reflexo de que alguma coisa não anda bem na atual legislatura”, afirmou o cientista político Alexandre Ramalho, consultor legislativo do Senado e professor da Universidade de Brasília (UnB).
“Office-boys”Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o acompanhamento e trabalho de empresas e entidades junto aos deputados é legítimo. O problema apontado por ele é a forma como estas práticas têm sido observadas. “É preciso certo cuidado, critério para avaliar e participar da discussão sobre estas matérias a serem entregues. Caso contrário, os deputados correm o risco de se transformarem em meros office-boys das empresas”, ressaltou.
Na última noite, durante o início da votação do Projeto de Lei (PL) 863, da desoneração, a divulgação, pelo jornal Folha de S.Paulo, de emendas aprovadas em nome de empresas e associações deram prova disso – o que foi ratificado, posteriormente, pelos deputados que as apresentaram. A protocolização das emendas entregues por empresas e entidades a esses parlamentares apenas registrou uma repetição do que aconteceu durante a apreciação do projeto de lei sobre a terceirização, em abril passado – quando os parlamentares se valeram da mesma prática.
Conforme avaliação primária da mesa diretora da Casa, na época – pelo menos 20 textos que foram formalizados, referentes a emendas ao PL da terceirização continham, ainda, o papel timbrado de instituições diversas.
No caso da votação do PL 863, foram confirmadas três emendas – apresentadas pela empresa Contax, de call center; pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit); e pela Frente da Indústria de Máquinas e Equipamentos, que congrega indústrias do setor. A primeira foi apresentada pelo deputado Tenente Lúcio (PSB/MG). A segunda, por Vanderlei Macris (PSDB/SP). A última, pelo parlamentar Jerônimo Goergen (PP/RS).
Os três confirmaram ter usado os textos, mas argumentaram que discutiram o assunto com estas empresas e entidades e, em alguns casos, o material foi analisado e passou por acréscimos com a participação de assessores de seus gabinetes. “Não vejo problema em representar setores da sociedade”, afirmou à Folha o deputado Jerônimo Goergen (que não foi encontrado pela reportagem da RBA).
Aumento da pressãoA questão que chamou a atenção, no entanto, foi o fato de a maior parte dos deputados ter deixado claro o aumento da pressão, nos últimos dias, para pedir a retirada ou inclusão de itens que facilitassem a situação de determinados setores na mudança das alíquotas de recolhimento sobre o faturamento das empresas – uma vez que o projeto, que integra o ajuste fiscal do governo, tinha a proposta inicial de reduzir a desoneração para 56 setores da economia.
Para assessores das lideranças do DEM, do PSDB e do PDT, ouvidos em separado, uma parte do aumento deste tipo de auxílio indireto aos deputados tem ocorrido, nos últimos meses, também, em razão da renovação de 1/3 da Câmara. Boa parte dos projetos são de parlamentares que não conseguiram se reeleger e constantemente têm procurado os colegas das bancadas e entregado projetos pedindo para serem apresentados por eles. E a maior parte dos pedidos têm sido feitos junto aos recém empossados, como confirmou um advogado da liderança do PSDB.
O troca-troca de projetos ficou mais intenso depois que a presidência da Câmara foi assumida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Cunha nunca escondeu que desde o início do primeiro mandato costuma pedir matérias para serem apresentadas por outros colegas, como estratégia para que sejam aprovados em comissões técnicas da casa e do Senado.
Regulamentação do lobbyOutro que usa o mesmo artifício é o deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ). Ao ser questionado pelo fato de, em 25 anos na Câmara só ter conseguido aprovar uma única proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria, Bolsonaro afirmou que o dado não reproduz a realidade porque outros projetos seus foram aprovados por colegas. “Sou completamente discriminado porque eu sou um homem de direita. Então, alguns projetos meus dou para outro deputado apresentar porque, se pintar meu nome, não vai para a frente”, disse.
Para o especialista em marketing político Alexandre Bandeira, o tema remete diretamente à falta da regulamentação do lobby no país. A regulamentação é alvo de uma proposta que tramita no Congresso há décadas, sem apreciação por parte nem da Câmara nem do Senado.
“O conjunto dos parlamentares é soberano para decidir sobre as matérias e é legítimo esse aproveitamento de textos e propostas apresentados a eles por entidades da sociedade civil e instituições, que muitas vezes possuem assessorias parlamentares bem maiores que o número de servidores que compõem a estrutura dos gabinetes destes deputados. O que o país precisa é regulamentar o lobby”, acentuou Bandeira.
De toda forma, a repercussão desse rito legislativo leva os técnicos e segmentos diversos que acompanham as atividades do Congresso a observarem um outro lado da tramitação das propostas. Uma vez, que, embora um projeto aprovado na Câmara ou no Senado tenha o registro dos parlamentares autores – responsáveis formalmente por tais textos – o caminho percorrido até a matéria ser incluída na pauta do plenário pode ter sido bem mais sinuoso do que o imaginado.

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