Triplo A: a nova ameaça à soberania brasileira na Amazônia
No Dia Mundial do Meio Ambiente, o Brasil se vê diante de uma proposta do presidente da Colômbia para criar um “corredor ecológico” que iria dos Andes ao Atlântico, passando pela Amazônia.
Segundo o professor Rogério Maestri, porém, as preocupações supostamente ambientais do projeto podem esconder interesses estrangeiros bem mais perversos.
“Esse tal corredor ecológico, que pra mim não é um corredor, é uma verdadeira ocupação. É o germe de uma ocupação de uma parte do Brasil com o objetivo de isolá-lo do norte, do Caribe, e a América do Sul da parte norte”, disse o especialista em entrevista à Sputnik.
Professor visitante de Engenharia Hidráulica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maestri se preocupa não apenas com os aspectos técnicos da questão ambiental, mas também com os fatores geopolíticos por trás de ideias como a do chefe de Estado colombiano, Juan Manuel Santos, que anunciou publicamente em fevereiro que iria propor ao Brasil e à Venezuela este “ambicioso” corredor ecológico.
“Será o maior corredor do mundo, com 136 milhões de hectares, que batizamos de Triplo A, pois seria andino, amazônico e atlântico, indo dos Andes até o Atlântico, no Brasil”, declarou Santos no programa oficial de televisão Agenda Colômbia, em 16 de fevereiro.
Segundo as palavras do presidente colombiano, a proposta serviria para “preservar a área e como uma contribuição da humanidade para a discussão sobre como deter as mudanças climáticas”. No entanto, de acordo com Maestri, é bastante provável que o discurso de Santos esconda intenções menos louváveis.
Em primeiro lugar, conforme aponta o professor, o termo “corredor ecológico” é impróprio para qualificar o projeto do Triplo A. “De acordo com o costume internacional, se fazem corredores com largura de, digamos, no máximo 1 km. (…) O que chamam de corredor ambiental é algo que varia aqui [no Triplo A] de 50km a 500km”, ressaltou.
“Pode ser qualquer coisa, menos corredor ambiental. É um rasgo que se faz no norte do Brasil”.
De fato, segundo lembra Maestri, um corredor ecológico legítimo na Amazônia, a saber, que levasse em conta a necessidade de preservar a integridade de uma determinada extensão de mata a fim de garantir o fluxo genético entre espécies e evitar a endogamia, deveria integrar outras regiões mais prejudicadas pela exploração humana na região, e não teria a necessidade ambiental de ir até o Atlântico.
“Por que ir até o Atlântico? Se é problema ambiental, era pra ir mais para o sul, mais para baixo da Venezuela, por exemplo, e não precisava ir exatamente até o Atlântico. Chegar de um lado a outro é claramente estratégico, e não é por acaso que [o Triplo A] teria dois pontos de acesso”.
Talvez seja interessante notar que a ideia inicial do “ambicioso” projeto de Santos seja atribuída a Martín von Hildebrand, fundador da ONG Gaia Amazonas e membro da Gaia Foundation, organização também não governamental, mas com fortes vínculos com a Casa Real Britânica.
Segundo o site oficial da ONG inglesa, o trabalho na Amazônia começou com a mediação do ambientalista brasileiro José Lutzenberg, que também atuou no ministério do governo Fernando Collor de Mello.
Na época, ele sofreu diversas críticas, sendo acusado inclusive de receber dinheiro indevido da Gaia Foundation, como noticiado pela revista Executive Intelligence Review, bem como de isolar os ambientalistas brasileiros das decisões políticas, preferindo o conselho de estrangeiros.
“Todas as cabeças coroadas europeias gostam muito de ONGs – não as que queiram fazer alguma coisa no seu próprio país, mas que queiram fazer nos outros países”, afirmou o professor da UFRGS.
De acordo com Maestri, de fato, o envolvimento da Gaia Foundation na proposta do Triplo A é mais um indício “de uma direção em termos de ocupação de espaço por outros países”.
“Se se olha a tradição europeia, vê-se que eles enxergam muito longe… Não é, por exemplo, como o americano, que é um pouco mais intempestivo, que tenta invadir no momento. Os ingleses, europeus, em geral, têm um raciocínio mais em longo prazo. Então eles vão implantando essas pequenas coisas, esse tal corredor ecológico, que pra mim não é um corredor, é uma verdadeira ocupação”.
Além disso, Maestri também chama a atenção para o fato de a ideia ser patrocinada pela Colômbia, um dos maiores aliados dos EUA na América Latina, onde Washington dispõe de sete bases militares.
“Do lado da Colômbia tem bases americanas, e do lado do Brasil pode ter bases francesas. Então nas duas extremidades ficam países do Norte, com grande possibilidade de ter acesso a esse ‘corredor’… a essa ocupação. Faz sentido dentro de uma lógica estratégica”, explica o professor.
Se efetuado, o Triplo A seria composto em 62% por território brasileiro, 34% por território colombiano e 4% por território venezuelano. Ou seja, a gestão do “corredor” teria que ser tripartite, o que, de acordo com Maestri, facilitaria a dominação estrangeira da região amazônica, especialmente porque o projeto da Gaia Foundation envolve o conceito de autogestão dos povos indígenas.
“Essas tribos estão em um processo de incorporação de tecnologias modernas, algumas ainda bem atrasadas, outras mais evoluídas. (…) Com essa autogestão, eles [os índios] ficam sujeitos à manipulação. É mais ou menos o que acontece em diversos países da África, que foram fragmentados ao extremo e agora são sujeitos a invasões permanentes de tropas neocoloniais. (…) Ou seja, essa visão de uma autodeterminação também serve [a interesses estrangeiros]; pode levar eles, daqui a um tempo, a escolherem o país que vai ser o seu suporte. Isso já contraria o princípio pétreo da Constituição que é a indivisibilidade do Brasil”, adverte o especialista.
“Essas comunidades têm todo o direito e devem ser preservadas (…). Porém, provavelmente com o tempo – e isso é mais ou menos lógico –, essas culturas indígenas não vão ficar satisfeitas em viver na ‘Idade da Pedra’ e vão querer mais. Bem, quem vai fornecer esse mais? Vai ser o Brasil, a Colômbia, a Venezuela, ou os países europeus?”, acrescentou.
A gigantesca área abrangida pelo Triplo A guarda enormes reservas de água, minérios e biodiversidade. Ou seja, seria uma imensa riqueza a ser pretensamente “gerida” por povos indígenas, que, segundo observa o professor, “podem ser enganados por qualquer um, um posseiro qualquer”, assim como “podem ser enganados por outros países”.
Outra evidência dos interesses econômicos por trás da proposta, segundo o professor, é o fato de que o corredor abarcaria a região acima do Rio Amazonas – partes mais altas que, sendo mais secas, seriam mais aproveitáveis para atividades lucrativas, como a criação de gado.
De qualquer forma, o presidente colombiano prometeu apresentar o projeto na próxima conferência ambiental da COP 21, que será realizada entre os dias 7 e 8 de dezembro em Paris. Na opinião de Maestri, entretanto, a ideia não deve dar frutos pelo menos dentro dos próximos cinco anos.
“É um projeto de longo prazo. Depois da COP 21, [a ideia] vai evoluindo, evoluindo, até que vão questionar a própria capacidade do Brasil de gerir essa parte. Como se eles, os europeus, americanos, fossem capazes de gerir. As florestas deles simplesmente foram acabadas. Onde teve colonialismo, acabaram com florestas imensas”, notou o professor.
“Somos tão incompetentes assim? Se a Amazônia existe, é porque tinha um governo brasileiro, que bem ou mal ainda conservou. Qual a moral que têm países que desmataram, que colonializaram ao máximo – e ainda colonizam, agora com o neocolonialismo –, em chegar e falar que o Brasil é incapaz?”
De acordo com Maestri, não se pode negar a importância da conservação da Amazônia, mas a tarefa deve ser levada a cabo “dentro da lógica nacional”.
O especialista defende, sobretudo, a “presença forte do Exército brasileiro impedindo o corte dessas matas”, o reforço da ocupação do Estado na região e uma “cobertura de satélites” para melhorar o monitoramento, tarefa que, segundo ele, pode ser feita em parcerias múltiplas com outros países, inclusive com o sistema de navegação GLONASS, da Rússia, que acaba de ganhar sua segunda estação no Brasil.
No entanto, Maestri ressalva que o Estado tem que se fazer presente não só na parte da defesa, mas também na esfera social. “A Amazônia não é um vazio”, diz o professor, defendendo a necessidade de dar assistência em saúde e educação às pessoas que habitam a região amazônica. “Ocupar a Amazônia para evitar ser ocupado”, resume ele.
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