Oficialmente eles são chamados de madeireiros, mas como em qualquer estatística registra que entre 50 e 80% da madeira que sai da região é ilegal, portanto, são saqueadores. Invadem área pública, terra indígena ou assentamento, não dão a mínima para o aparato legal, que é totalmente frágil nesses confins, e aplicam o seu poder. Qual o objetivo: os saqueadores primeiro vendem a madeira, mas o que eles querem é a terra, que depois será convertida em pastagem ou em campo de soja. É assustador um levantamento realizado pelo pesquisador João Carlos de Souza Meirelles Filho, para o Museu Emílio Goeldi: até 2030, considerando a expansão média de 1,7% na pecuária nacional, a Amazônia terá mais de 103 milhões de bois. Significa criar, recriar e engordar, na linguagem técnica, mais 20 milhões de cabeças e, no mínimo, que precisarão de mais 16 milhões de hectares de pastagens.
Os piratas enfrentaram problemas ocasionais durante 2015. Em fevereiro a Operação Castanheira prendeu o maior grileiro da BR-163 – a Cuiabá-Santarém-, Ezequiel Antônio Castanha, que acumulava R$47 milhões de multas do IBAMA e era especialista em invadir terras da União e transformá-las em loteamentos. Seguindo a trilha atual do conservadorismo brasileiro, essencialmente racista, é evidente a descendência europeia e sulista dos piratas do agronegócio. No dia 24 de agosto passado, em outra operação da PF - Madeira Limpa- foram presos vários piratas, entre eles Irio Orth e Everton Orth e Eloy Vaccaro, este considerado o maior plantador de açaí do Brasil, além do Superintendente do INCRA de Santarém, Luiz Bacelar, e do secretário de Meio Ambiente de Óbidos – foram 22 mandatos de prisão.
Estratégia sórdida contra os assentados
“- O grupo é acusado de coagir trabalhadores rurais a aceitarem a exploração ilegal de madeira dos assentamentos do oeste do Pará em troca da manutenção de direitos básicos, como o acesso a créditos e a programas sociais”, divulgaram os procuradores do MPF.
Bacelar foi acusado ainda de repassar 10 mil hectares para Vaccaro implantar suas plantações de açaí, área situada dentro dos assentamentos. A Superintendência do INCRA em Santarém, que é a porta de entrada da soja nesta parte da Amazônia, desde que a Cargill implantou um terminal graneleiro na única praia urbana da cidade – e sem apresentar o estudo de impacto ambiental- é o foco de denúncias desde o início dos anos 2000. Em 2006, uma publicação do Ministério do Meio Ambiente chamada “A grilagem de terras na Amazônia”, apontava um cartel formado por funcionários, que eram proprietários de empresas, que assessoravam os grileiros. Em 2012, o superintendente, Francisco dos Santos Carneiro, aliado de Jarbas Barbalho, foi destituído por desviar dinheiro dos assentados.
O Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público do Pará e da delegacia do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários divulgaram uma nota de apoio à Operação Madeira Limpa. Diz um trecho:
“- A atual gestão do órgão em Santarém é ausente para dar conta dos problemas institucionais, mas muito presente para apontar soluções para seus interesses particulares e para grupos antagônicos à reforma agrária, de interesses ilegítimos.
-É preciso promover uma séria investigação na conduta de gestores e de alguns servidores desta casa sobre o risco de completa desmoralização do INCRA na região. Declaramos que apoiamos totalmente a Operação Madeira Limpa, tornamos claro para a sociedade e para o público do programa da reforma agrária, que a maioria dos servidores da casa não compactua com irregularidades e os crimes cometidos por uma minoria alçada às chefias da superintendência por indicações político partidárias, transformaram o INCRA da região num balcão de negócios”.
O que move os piratas – capital e impunidade
Pior: a região Norte conta com mais de três mil assentamentos. Os piratas atuam de forma organizada, contratando funcionários públicos federais e estaduais, como no caso da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade –SEMA – do Pará e também do IBAMA – os dois órgãos tiveram funcionários presos na Operação Madeira Limpa. Entretanto, duas ações movem os piratas do agronegócio: o capital fácil de obter com terras públicas invadidas e madeira comercializada e a impunidade, porque eles sabem que a rede de apoio é poderosa, e conta inclusive com uma bancada no Congresso Nacional. Em 2013, a União Europeia comprou US$148 milhões de dólares em madeira amazônica, os vários tipos de produtos. A última operação da PF os procuradores citaram a cifra de R$1 bilhão envolvendo a comercialização. Neste caso, a sofisticação é digital, a quadrilha falsificava registros de planos de manejo no computador e vendia no mercado. Ou então, conseguia na própria SEMA autorização para conceder licenças ambientais e então executar os planos de manejo.
Não é de hoje que os movimentos sociais da região denunciam a SEMA e outros órgãos oficiais na liberação de planos de manejo, que possibilita a comercialização de madeira controlada, em área de ribeirinhos, terras indígenas dos araras, mundurukus e outros povos, e também dos assentamentos. O INCRA foi acusado de incentivar o desmatamento na Amazônia recentemente. Alguns trabalhos de pesquisadores definem taxas de desmatamento na ordem de 20% nos assentamentos. Por razões óbvias: ou os assentados ficaram isolados, sem ter o que produzir, a não ser vender a madeira de valor, ou eram pressionados por piratas ou incentivados por funcionários corruptos. Nenhuma alternativa facilita a implantação de um programa de reforma agrária numa região complexa como a Amazônia. Sem contar que os líderes que se manifestam contra os piratas acabam assassinados.
Mandante solto no caso Dorothy Stang
Em fevereiro de 2015 completou 10 anos do assassinato da irmã Dorothy Stang, de 73 anos. Somente um pistoleiro está preso, porque matou outra pessoa. O fazendeiro e comerciante Regivaldo Pereira Galvão, o mandante, está solto, aguardando em liberdade – concedida por um habeas corpus do Supremo Tribunal de Justiça – para cumprir o restante dos 30 anos da condenação – ele cumpriu um ano e quatro meses.
No final do ano passado o Greenpeace rastreou os caminhões de toras que saem do oeste paraense, nos municípios de Santarém, Uruará e Placas, com o equipamento de GPS. A madeira ilegal passou por 22 serrarias e depois seguiu embarcada em navios que foram para Estados Unidos, França, Alemanha, Coreia do Sul, entre outros, junto com produtos legalizados. Em 2009, o IMAZON fez um estudo sobre a indústria madeireira no Mato Grosso, é o segundo exportador de madeira do país. É preciso acrescentar que a maior parte da madeira amazônica é consumida internamente – São Paulo compra 25%.
Naquele ano funcionavam 2.226 madeireiras na Amazônia Legal que serraram 14,2 milhões de metros cúbicos, o equivalente a 3,5 milhões de árvores, obtiveram uma receita bruta de R$4,94 bilhões. Desse total 5,8 milhões de metros cúbicos era madeira serrada de baixo valor agregado – ripas, caibros e tábuas; outros 15% era de madeira beneficiada – pisos e esquadrias – e 13% de madeira laminada e compensada. Isso tudo, diz o estudo do IMAZON, representava um rendimento médio de processamento de 41%. O restante 8,4 milhões de metros cúbicos foram categorizados como resíduos de processamento. Uma parte, 2,7 milhões de metros cúbicos foi para geração de energia; 1,6 milhões de metros cúbicos aproveitados na produção de carvão; 2 milhões para usos diversos e 2,1 milhões considerados resíduos sem nenhum aproveitamento, queimados ou abandonados como entulho.
Madeira ilegal lavada
O Greenpeace tem outro levantamento entre 2007 e 2012: cinco milhões de árvores foram exploradas ilegalmente na Amazônia, algo como 950 mil caminhões, cada caminhão carrega 10 toras, de cinco árvores. Em outro levantamento no período 2012-2013, divulgado em maio desse ano o Instituto Centro de Vida (ICV), do Mato Grosso avaliou uma área de 303.585 hectares, sendo 139.867 com exploração ilegal. O estudo apontou que 34% da exploração ocorria em área sem categoria fundiária definida (34%), em Terras Indígenas (26%) e em propriedades rurais cadastradas no Sistema de Monitoramento e Licenciamento Ambiental do MT. A conclusão:
“- A proporção de ilegalidade comprova que os atuais sistemas de monitoramento e controle florestal estadual e federal não permitem garantir a origem legal da madeira. Os sistemas apresentam fragilidades e incompatibilidades entre si que possibilitam fraudes e irregularidades na cadeia produtiva florestal. Nesse contexto, os produtos florestais oriundos da exploração ilegal acabam sendo encobertos por documentos legais, gerando uma situação de falsa legalidade”.
A regra é não cumprir a lei
Uma das novidades do novo Código Florestal é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que no Pará a SEMA usa o sistema declaratório, ou seja, não checou as informações espaciais e documentais das propriedades. Mas o pecuarista ou pirata do agronegócio mostra um comprovante de registro do CAR e sai fazendo plano de manejo. Para engrossar o movimento dos piratas, o Código Florestal aprovou a anistia dos que haviam desmatado antes da nova lei. O IMAZON comprovou que de 105 mil propriedades registradas no CAR do Pará, incluindo fazendas grandes de pecuária, que assinaram o Termo de Ajuste do Ministério Público Federal, para não produzir em terra desmatada ilegalmente, que deveriam ter 50% da área com floresta, tinham em média 15 a 20%.
A auditoria para checar guias de trânsito de animais – os piratas do agronegócio levam gado de uma fazenda irregular para uma regular, antes de vender ao frigorífico- demorou quatro anos para ser implantada. E, recentemente, o Ministério do Meio Ambiente ampliou para maio de 2016 o prazo para os proprietários se cadastrarem no CAR. Até maio passado apenas metade estava inscrita no Brasil.
Estamos na era da mudança climática, os piratas do agronegócio transformam a floresta amazônica, que é a última a ser aniquilada, em caibro ou tábua, quem sabe uma esquadria para a construção civil. A ciência demonstra insistentemente que a floresta evapora sete trilhões de toneladas de água na atmosfera por ano e que esta umidade corre pela América Latina beirando os Andes. Para substituir um componente fundamental no clima mundial, os piratas do agronegócio semeiam morte, destruição, capim e soja. E ainda contam com o apoio político da prestigiada bancada ruralista.
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