NASSIF ENFRENTA GILMAR. OU, COMO TROCAR ARNALDO JABOR POR MARTIN LUTHER KING
A atitude do jornalista Luis Nassif de processar o ministro Gilmar Mendes pelas afirmações de que as atividades dos blogs são uma gazua para obter dinheiro do Governo mereceu aplausos bem mais talentosos que os meus no artigo de Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo (Por que Nassif faz bem em processar um ministro do Supremo).
Por isso, prefiro chamar a atenção para duas coisas que vão além do sentimento de honra e de dignidade do jornalista e se projetam para a esfera pública.
Se houver (e a esperança é a última que morre) juiz com coragem cívica de aceitar aquilo que seria óbvio – a sanção a alguém que, sem provas ou razões usa a toga para acusar alguém de ser “profissional da chantagem, da locupletação financiado por dinheiro público, meu, seu e nosso!” –, o país terá avançado um passo imenso na direção de pôr fim à impunidade dos poderosos e dos autoritários.
Poderoso é adjetivo que a condição de julgador final de tudo, até da legitimidade do voto popular, dispensa justificativas no caso de Mendes.
Autoritário é característica que nada melhor que a frase do seu ex-par Joaquim Barbosa define: “Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro…Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso”.
O que menos importa é que Gilmar acabasse por ser a inspiração de Barbosa. Vale o fato de que até alguém com poder semelhante tenha sido tratado assim por ele, para avaliar o que faz Mendes com quem não tem tribuna igual para questioná-lo.
Gilmar Mendes é a negação da discrição e do decoro indispensáveis a quem tem tão altas funções judiciais, como acabou por ser seu ex adverso nesta cena.
A segunda advertência é a de que não se pode transformar a vida nacional num “vale-tudo” sem, ao mesmo tempo, transformar o país numa ditadura do Judiciário – cuja natureza sociológica é necessariamente conservadora e elitista, porque juiz não apenas tem sua mente formada na manutenção do status quo como, pela condição de abastança num país de miseráveis, vive num mundo onde o vício da desigualdade é visto como virtude do mérito.
Que o diga o aferramento, cheio de justificativas insanas como a do comprar ternos em Miami, que demonstra ao acumular privilégios que a ninguém é dado, mesmo com o argumento de que “passou num concurso” ou “trabalha muito”. A função pública não é um título de nobreza, que nos obrigue a, diante dela nos avassalarmos como na Idade Média, não importa se ao “sangue azul” tenha se substituído o concurso público.
Fica, do gesto de Nassif, o exemplo de que poderia ter se socorrido a ministra Carmen Lúcia, em lugar de apregoar, como Arnaldo Jabor, que os homens de bem deveriam ter a ousadia dos canalhas, como se este fosse um conselho e não uma amarga constatação de Nélson Rodrigues.
Fica outra frase, muito mais edificante, para todos, a de Martin Luther King:
“O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons”.
Nos tempos da ditadura militar, havia um chiste para responder-se a um “o que você acha?”. Era: “Eu não acho nada, porque o último que achou ainda não acharam.”
De silêncio em silêncio, chega-se ao dia em que nada mais se pode falar.
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