Sargento paraquedista levou a bomba à OAB.
Magno Cantarino Mota, mais conhecido como “Guarany”, sargento paraquedista que por livre e espontânea vontade serviu como agente do Centro de Informação do Exército (CIE) durante o período mais duro da ditadura militar, foi o portador da carta-bomba que, em 27 de agosto de 1970, matou Lyda Monteiro da Silva, a então secretária do presidente do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seabra Fagundes.
A carta era dirigida ao presidente da Ordem e tinha como objetivo, ao matá-lo, intimidar a instituição que empunhava a bandeira da redemocratização do país, a punição dos culpados pelas violações aos Direitos Humanos cometidas nos 16 anos de ditadura (64 a 80) e os esclarecimentos sobre os mortos e desaparecidos políticos.
A revelação da identidade do portador da carta-bomba, o “mensageiro da morte” de Lyda Monteiro, foi feita na manhã de sexta-feira, dia 11/9, pela Comissão Estadual da Verdade, do Rio de Janeiro (CEV/Rio) em cerimônia da qual participaram Felipe Monteiro da Silva, filho de Lyda, o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Cristina Cosentino e o vice-presidente da OAB/RJ, Ronaldo Eduardo Cramer Veiga.
A cerimônia foi presidida pela presidente da CEV/Rio, Rosa Cardoso, e o presidente de honra da Comissão, Wady Damous, hoje deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro. Foi Damous, há três anos, quando tomou possse na CEV/RJ, quem prometeu a Felipe Monteiro que apurar o assassinato da mãe dele era uma questão de honra. Ao discursar, Felipe confessou-se “aliviado” cm o resultado da appuração.
Ele agora declarou esperar que o ministro da Defesa, Jacques Wagner, e os comandantes das Forças Armadas peçam desculpas não apenas à família de Lyda Monteiro, mas a toda a nação brasileira pelo envolvimento de militares no atentado terrorista que roubou a vida de sua mãe.
Na próxima semana, como informou Wadih Damous, ele, Rosa Cardoso, e Marcus Vinicius irão levar todas as evidências recolhidas pela CEV/Rio para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Caberá à Procuradoria aprofundar as investigações e decidir se deve ou não denunciar Magno – por enquanto o único envolvido que se conhece que está vivo – pelo homicídio. Teoricamente, como o crime foi cometido em 1980, ele não se beneficia da Lei da Anistia, de 1979.
Wadih, Rosa e Marcus Vinicius também deverão procurar o ministro da Defesa a quem além de entregar o material levantado nos últimos dois anos pela Comissão, cobrarão o pedido de desculpas proposto por Felipe Monteiro.
Ao longo destes 35 anos, muitas pessoas apontaram para o agente “Guarany” como o portador da carta-bomba. O próprio, em 2014, ao ser procurado pela jornalista e pesquisadora da CEV/Rio, Denis Assis, parecia querer falar sobre o caso, mas recuou por interferência de sua mulher.
Havia evidências e testemunhos, faltava, porém, quem o reconhecesse como o homem visto com a carta-bomba na sede da OAB. Isto foi conseguido pela CEV/Rio, na semana passada, quando uma testemunha que se encontrava no prédio da Avenida Marechal Câmara, centro do Rio, e cruzou com o portador da carta-bomba, o reconheceu nas fotos apresentadas por Denise de Assis, na presença de Felipe Monteiro.
O agente paraquedista não agiu sozinho. Segundo depoimento do ex-delegado de Polícia Civil do Espírito Santo, Claudio Guerra, o chamado autor intelectual do plano foi o já falecido coronel Freddie Perdigão Pereira, que por muito tempo atuou no CIE, mas também teve participação ativa no Doi-Codi/RJ e na agência do Rio de Janeiro do Serviço Nacional de Informações (SNI), onde estava quando decidiu pelo envio da carta-bomba.
O terceiro militar envolvido também já está morto. Trata-se do sargento Guilherme Pereira do Rosário, paraquedista da turma de Guarany, especialista em explosivos. Ele montou o artefato levado por Guarany à OAB, em uma oficina de um primo seu, como revelou à CEV/Rio o ex-delegado Guerra, que convivia com todos eles, principalmente com Perdigão.
Rosário faleceu ao tentar executar um novo atentado que, pelas evidências levantadas, partiu do mesmo grupo de militares: a explosão de uma bomba no show em comemoração ao dia do trabalhador, no Riocentro, Zona Oeste do Rio, em 30 de abril de 1981. Acabou sendo a única vítima fatal da bomba que ele próprio montou. Com ele estava o então capitão Wilson Dias Machado, que mesmo bastante ferido conseguiu sobreviver.
Na noite do atentado do Riocentro, Guarany estava no local. A foto dele acima é um recorte de uma foto maior em que ele aparece ao lado do Puma onde seu colega de farda e de quartel, Rosário, faleceu com a bomba no colo. Segundo explicou à CEV/Rio o coronel Paulo Malhães, o artefato explodiu quando a corrente do relógio do sargento fez o contato com os polos positivo e negativo do artefato.
Como na sexta-feira, dia 11/9, lembrou o jornalista Chico Otávio em reportagem em O Globo, Rosário, dias depois do atentado à OAB, foi encontrado por duas parentes de Lyda Monteiro na beira do túmulo dela, chorando, como se estivesse pedindo desculpas. As duas senhoras só vieram a saber a identidade daquele estranho visitante quando da sua morte no Riocentro, através das fotos divulgadas pelos jornais.
Nas entrevistas dadas à CEV/Rio nos meses de fevereiro e março de 2014, Paulo Malhães, ao ser questionado sobre a possível participação de Guarany na morte de Lyda, admitiu o envolvimento, apenas ressalvando que ele não seria o autor da ideia:
“Eu conheço o Guarany. Pode até ter sido enviado por alguém para colocar essa bomba. Partir dele, não”.
Além de Guerra, dois outros companheiros de Guarany revelaram à CEV/Rio que é ele quem aparece no retrato falado feito na Policia Federal, em 1990, em um segundo inquérito o qual, controlado pelo próprio Perdigão, tentou jogar a responsabilidade no americano Ronald James Watters, que acabou inocentado pela Justiça por falta de provas.
Valdemar Martins, também paraquedista da turma de Guarany e Rosário, no último dia 3 de setembro confirmou o que já havia dito em 2014 à Denise Assis:
Na época em que eu estive aí dando o depoimento para vocês, vi algumas fotos … Falei que era o Magno Cantarino Motta… Um agente que era sargento paraquedista, que serviu na mesma unidade que eu, junto com o Guilherme Rosário, ai no Rio de Janeiro. Era o agente Guarany… Confirmo que era o Magno Cantarino Motta, sargento paraquedista que serviu na minha unidade...CEV/Rio: Então podemos considerar um depoimento oficial para a CEV/Rio, uma declaração sua de que reconheceu aqui na sede da Comissão o paraquedista Magno Cantarino, o agente Guarany, como autor da entrega?
Valdemar: Sim.
O outro testemunho foi de Emanuel Matos Pontes (Manolo), ex-militar do Exército, cedido ao Dops para missões do CIE. Apresentou-se como amigo, quase irmão, do agente Guarany. Procurado por Denise Assis, em 2014, sabendo do câncer do amigo, recomendou: “Vocês deveriam procurar o Guarany. Estive hospedado na casa dele e ele está bastante fragilizado. Este é o momento de procurá-lo. Quando estivemos juntos senti que ele quer falar. Ele ficou rodeando o assunto, mas eu não quis aprofundar”. Manolo faleceu recentemente, em Salvador, onde residia.
Todo o trabalho da CEV/Rio foi relatado, na enttrevista concedida nesta sexta-feira, pela presidente da Comissão, Rosa Cardoso, através de um dossiê, reproduzido abaixo:
CEV/RIO APONTA AUTORES DO ATENTADO À BOMBA NA OAB“Após uma investigação que durou dois anos, a Comissão da Verdade do Rio comprovou uma hipótese sempre levantada: o atentado contra a OAB, praticado em 27 de agosto de 1980, foi obra de um grupo de oficiais ligados ao Centro de Informação do Exército (CIE). A investigação da CEV/Rio chegou a quatro testemunhas que caracterizaram a autoria do fato. Uma ocular, que reconheceu a pessoa que levou a bomba à OAB, e três agentes vinculados à estrutura repressiva da ditadura.
O sargento Magno Cantarino Mota, formado na turma de paraquedistas do Exército, foi quem entregou pessoalmente a carta com o artefato que vitimou D. Lida Monteiro, secretária do então presidente da OAB, Seabra Fagundes. Na atividade de agente da repressão vinculado ao CIE, Magno adotou o codinome “Guarany”.
Para executar a ação, Guarany subiu pelo elevador até o 4º andar do prédio da OAB, na Av. Marechal Câmara, 210, Centro do Rio – endereço em que hoje funciona a CEV/Rio. Segundo a testemunha ocular, que dialogou com o militar momentos antes de ele entregar o envelope pardo, contendo a bomba de fabricação artesanal, o sargento vestia calça e camisa social “como os muitos rapazes que trabalhavam pelos escritórios da região”. A testemunha relatou também que ele tinha cabelos encaracolados abaixo das orelhas e aparentava pouco mais de trinta anos. De estatura média, falava pausado e agiu com cordialidade com as pessoas que encontrou em seu trajeto.
Segundo as testemunhas ouvidas pela CEV/Rio, a ação foi comandada pelo coronel Freddie Perdigão Pereira, do CIE, e a confecção da bomba esteve a cargo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, morto no atentado ao Riocentro, no ano seguinte, em consequência da explosão da bomba que trazia no colo, também de sua fabricação, e que seria instalada no interior do auditório, onde cerca de 20 mil pessoas comemoravam o 1º de Maio.
Naquele período, a OAB tinha um papel importante na defesa dos direitos humanos e restauração das liberdades democráticas. Para intimidar a entidade, o grupo que agia sob o comando do Centro de Informações do Exército, iniciou uma série de atentados, que teve como alvos parlamentares de oposição, bancas de jornal, jornais e entidades como a ABI, numa tentativa de responsabilizar organizações de esquerda.
O relato das testemunhasA principal testemunha identificou o autor do assassinato a partir de fotos, do retrato falado feito na época, e de outro, confeccionado no ano de 2000. Em seu último depoimento, assinou uma declaração que confirma o reconhecimento do agente Guarany, nos seguintes termos:
“Eu, Testemunha X, declaro para os devidos fins, à Comissão da
Verdade do Rio, que reconheci na foto para mim exibida onde aparece o rapaz
de camisa branca, perto de um ferido no interior de um Puma, a mesma pessoa
que me abordou na entrada da OAB, no dia 27 de agosto de 1980.”
A seu pedido, visando preservar a sua integridade e segurança, a CEV/Rio não divulgará o seu nome. A proteção à identidade da testemunha é autorizada pelas normas do Direito Internacional a da Lei que constituiu a Comissão da Verdade.
Examinando uma foto em que “Guarany” aparece em 1981, socorrendo os colegas atingidos dentro do Puma, no Riocentro, vestido com uma camisa clara e uma arma de uso das Forças Armadas enfiada no coldre, ela confirmou que, vendo-o “mais novo, e de corpo inteiro”, reconheceu “o porte” do agente que esteve na OAB no dia do assassinato. “O mesmo cabelo e o mesmo tipo”.
No último dia 3 de setembro, a Comissão do Rio ouviu o depoimento do paraquedista da turma de 1964, Valdemar Martins. Ao examinar o retrato falado de “Guarany” e a foto do Riocentro, onde ele aparece jovem, sem qualquer dúvida, Valdemar afirmou:
Na época em que eu estive ai dando o depoimento para vocês, vi algumas fotos … Falei que era o Magno Cantarino Motta… Um agente que era sargento paraquedista, que serviu na mesma unidade que eu, junto com o Guilherme Rosário, ai no Rio de Janeiro. Era o agente Guarany… Confirmo que era o Magno Cantarino Motta, sargento paraquedista que serviu na minha unidade...CEV/Rio: Então podemos considerar um depoimento oficial para a CEV/Rio, uma declaração sua de que reconheceu aqui na sede da Comissão o paraquedista Magno Cantarino, o agente Guarany, como autor da entrega?
Valdemar: Sim.
O ex-delegado do Dops/ES, Claudio Guerra, afirmou à Comissão em três oportunidades que Guarany trouxe a bomba para a OAB; que a o sargento Guilherme do Rosário foi o encarregado de sua fabricação e a que a ordem para a execução do atentado partiu do coronel Freddie Perdigão Pereira na sede do SNI, do Rio.
Em depoimento 26 de fevereiro de 2014: “O Perdigão mandou.”
Em depoimento no dia 3 de setembro passado: “ Quem montou a bomba foi o Rosário, numa oficina dum primo dele, que parece que tem até hoje.”
Em email no dia 11 de junho de 2014: “A Carta Bomba era endereçada ao Presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, por uma fatalidade quem abriu a carta foi a senhora Lyda. Quem entregou a carta, o artefato, foi o agente Guarany, Magno Cantarini Mota, que está vivo e reside em Campinho, próximo a Jacarepaguá.
Posso ainda afirmar, que, na mesma ocasião, o mesmo grupo (Equipe secreta de militares do Cel. Perdigão composta, pelo sargento Rosário, Guarany e outros, foi responsável pelo artefato que foi colocado no gabinete de um vereador, não lembro o nome, e outra na Tribuna da Imprensa. A motivação, o combate intensivo que a OAB fazia para que fossem apontados os responsáveis pelos desaparecimentos e torturas”.
A quarta testemunha ouvida Emanuel Matos Pontes [Manolo], ex-militar do Exército, cedido ao Dops para missões do CIE. Apresentou-se como amigo, quase irmão, do agente Guarany. Sua declaração para a pesquisadora Denise Assis, da CEV Rio, é a seguinte: “Vocês deveriam procurar o Guarany. Estive agora hospedado na casa dele e ele está bastante fragilizado. Este é o momento de procurá-lo. Quando estivemos juntos senti que ele quer falar. Ele ficou rodeando o assunto, mas eu não quis aprofundar. Estava hospedado na casa dele e ele poderia ficar aborrecido. Sinto que agora, que ele passou por este período da doença, está fragilizado, ele repensou bastante a vida. Senti que essas coisas desta época estão incomodando e ele quer falar, mas para mim é difícil. Com jeito, vocês indo lá, ele acaba contando. Foi ele quem levou aquela bomba da OAB e ele não pode continuar negando isto. O Rosário fez a bomba, mas foi ele quem levou.”
Diante de tais fatos, a Comissão da Verdade do Rio considerou identificados os autores do crime do ponto de vista factual, conforme a praxe das Comissões de Verdade. Identificou também a cadeia de comando da época, relacionada ao fato.
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