sexta-feira, 29 de maio de 2015

A dor da gente não sai no jornal…

Luciano_Huck23_Babas
A lógica editorial que omite os nomes das babás reflete a mentalidade daqueles que não lhes veem – nunca viram e nunca verão – como sujeitos de direitos.
De uns tempos pra cá, as panelas da direita boçal andam dobrando em sonorosas cacofonias na Casa Grande brasileira. Não para mudar o País, mas para anular o outro. Para massacrar qualquer afirmação da alteridade, esse miolo da democracia com o qual os “homens de bem” (brancos, héteros, “pagadores” de impostos e “meritocratas”) têm uma enorme dificuldade de lidar. Taí o jornal O Globo que não me deixa mentir. Eis uma tremenda aula de Brasil resumida num simples infográfico de jornal.
A lógica editorial que omite os nomes das babás no quadro acima reflete a mentalidade atávica daqueles que não lhes veem – nunca viram e nunca verão –, como sujeitos de direitos. Para a “elite” brasileira (ou os tragicômicos candidatos a “elite”), as babás são expressão de um mito indistinto chamado “povo”. São assim mesmo, apenas silhuetas desfiguradas, vultos sem rosto. Não têm direito a nome, à identidade, à história. Não possuem dignidade. São fantasmas opacos, a quem, se muito, dá-se o direito de apenas contemplar servilmente, da cozinha ou da área de serviço, os patrões em seus “paraísos” artificiais: seus carrões blindados, suas suítes nababescas, seus aviões particulares.
As paneleiras “angelicais” só costumam saber mesmo do país real quando elas (as babás) pedem demissão na sexta-feira e deixam o fim de semana das bacanas à míngua. E aí, haja grito e ranger de dentes. Haja desabafo – e sociologia de varanda gourmet – sobre a ignávia fundante do brasileiro. Acostumadas a viver numa cidade que é feita apenas de uma pálida e previsível sequência de espaços privados – os mesmos espaços estéreis e assépticos que vão procurar em suas viagens ao exterior, pululando de shopping em shopping mundo afora –, as danaides da “luta anticorrupção”, por não saberem conviver com o mais comezinho direito do outro, não sabem conviver com o espaço público. Assim, só conseguem espreitar o país real, quando outros vultos – sem nome, sem rosto, sem história – lhes arrombam o portão de entrada ou lhes espreitam ao sinal vermelho do próximo cruzamento. E aí, de novo, haja grito e ranger de dentes, além de apelos aparvalhados a favor da pena de morte ou da redução da maioridade penal, essa panaceia dos tolos.
Em seus gritos de “basta!” e que tais, as panelas das madames repicam para que a vida – as suas vidas! – possa(m), enfim, seguir seu ritmo “normal”, sem sobressaltos. Com “segurança” e “tranquilidade”. Para que Huck e Angélica – e seu país excludente e alienado – possam seguir adiante, divulgando a mais nova pasta de dente do mercado. Ou o mais novo condomínio em Miami. Para isso, entretanto, é necessário que as babás estejam sempre por ali, invisíveis. Sem nome, sem rosto, sem direitos.
Como diria Chico Buarque, a dor da gente não sai no jornal...
Em tempo: a edição do Globo é a de segunda-feira, dia 25/5, e as babás se chamam Francisca Mesquita e Marcileia Garcia.

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