sexta-feira, 29 de maio de 2015

Os EUA e os jornalistas com complexo de vira-lata

Jornalista brasileiro, quando vai para os Estados Unidos, fica tão deslumbrado que só enxerga maravilhas por lá e, à distância, só tem críticas para o Brasil. Trata-se de um caso clássico da síndrome do colonizado, ou como dizia o Nelson Rodrigues é uma manifestação aguda do complexo de vira-lata.
É o caso atual de um jornalista gaúcho, que, diga-se de passagem, tem um ótimo texto, que diariamente usa seus espaços para falar bem dos norte-americanos e mal dos brasileiros.
Talvez ele tenha razão em muitas coisas, mas certamente nós somos muito melhores do que os gringos em áreas importantes. Caso o tal jornalista não saiba ou tenha esquecido quais são elas, vamos fazer um pequeno exercício de lembranças, dividido por tópicos.
1 – Racismo
Está aí uma área onde os norte-americanos nos dão de dez a zero. Só para lembrar: até 1965, quando o nosso jornalista certamente já tinha nascido, existiam leis, como as chamadas Leis de Jim Crow, que negavam aos cidadãos não brancos toda uma série de direitos.
Embora o presidente Lyndon Johnson tenha promulgado a Lei dos Direitos Civis em 1964, a proibição de casamentos interacionais em alguns Estados só foi derrubada em 1967, quando a Suprema Corte declarou inconstitucional a proibição do casamento inter-racial no veredicto sobre o caso “Loving et UX × Virgínia”.
Uma pesquisa feita na época mostrava que 72% dos norte-americanos se opunham ao casamento entre pessoas brancas com negros, índios ou asiáticos.
Embora hoje oficialmente o preconceito racial não faça mais parte das leis estaduais norte-americanas, os conflitos raciais são bastante comuns, com violência generalizada da polícia contra os negros.
2 – Pena de morte
Um resquício da era medieval, a pena de morte faz parte hoje da legislação de poucos países civilizados. Nos Estados Unidos ela é admitida em 32 dos 50 estados da Federação, além do governo federal para determinados crimes. Os Estados Unidos são, depois da China, o país que mais executa seus presos.
Também nesse caso, o preconceito racial é evidente. Desde 1976, foram executados apenas 11 brancos por terem assassinados negros e 161 negros por assassinarem brancos. Outros estudos revelam que que 43% dos presos no corredor da morte são negros, número bem maior que a porcentagem de negros no país, que corresponde a 13% da população norte-americana.
No Brasil, a pena de morte foi aplicada pela última vez em 1876, antes da Proclamação da República. Durante a ditadura militar, ela foi incluída na Lei de Segurança Nacional, mas nenhuma sentença foi cumprida durante os nove anos de sua vigência.
3 – Violência
Periodicamente, o mundo é sacudido por chacinas nos Estados Unidos, com atiradores enlouquecidos matando estudantes em colégios ou dinamitando prédios públicos; A última tragédia ocorreu em dezembro na Sandy Hook Elementary School, em Newton, Connecticut, quando 26 pessoas morreram, sendo seis adultos e 20 crianças entre 6 e 7 anos de idade.
Em artigo na revista Carta Maior, o professor Carlos Teixeira, da UFRJ, contabilizou 177 ataques contra high school, a partir de 1853, e 111 contra elementary schools, incluindo o último contra Sandy Hook.
Essa violência sistemática contra crianças e adolescentes não faz parte nem da história, nem das tradições brasileiras.
Outra prática típica dos norte-americanos são ataques contra instituições públicas. Em 19 de abril de 1995, Thimothy McVeigh, de 27 anos, um soldado condecorado por heroísmo e atos de bravura na guerra do Iraque, explodiu um prédio público em Oklahoma, matando 168 pessoas e ferindo mais de 600.
Theodore Kaczynski, ex-professor de matemática da Universidade de Berkeley, hoje cumprindo prisão perpétua, ficou famoso como o “Unabomber”, ao mandar pelo correio bombas artesanais para diferentes personalidades do meio universitário norte-americano, matando duas pessoas e causando ferimentos graves em 22 pessoas.
Só na época ditadura brasileira é que comandos anticomunistas mandaram bombas pelo correio para entidades que defendiam a democratização, mas nada tão radical quanto às ações dos “malucos” norte-americanos.
4 – Morte de personalidades
Está aí outra prática norte-americana, que felizmente não chegou ao Brasil: os atentados contra personalidades famosas. Só de presidentes foram quatro mortes: Abraham Lincoln (1809-1865), James Garfield (1831-1881), William McKinle (1843-1901) e John F. Kennedy (1917-1963). Ronald Reagan foi baleado, mas sobreviveu.
Robert Kennedy, procurador-geral dos Estados Unidos, em campanha eleitoral para a Presidência, foi assassinado em 6 de junho de 1968, em Los Angeles. Também foram assinados o beatle John Lennon, em 8 de dezembro de 1980, em Nova Iorque, o pastor Martin Luther King, no dia 4 de abril de 1968, em Memphis, no Tennessee, e Sharon Tate, assassinada com oito meses de gravidez por Charles Manson, em 9 de agosto de 1969, em Los Angeles.
5 – Guerras
Há exceção da questão do Acre, quando o Brasil ocupou esta região que pertencia antes à Bolívia, usando mais uma pressão política do que o apelo às armas, os brasileiros durante a República mantiveram uma relação pacífica com todos os países do Continente.
Ao contrário, os Estados Unidos se envolveram em conflitos armados, depois da 2ª Guerra Mundial, em praticamente todos os continentes. Usando sua própria identidade nacional, ou se disfarçando com a cobertura da ONU, OEA e Otan, ou também armando grupos paramilitares, os Estados Unidos levaram à guerra para a Coreia, os Bálcãs, o Oriente Médio, a Ásia e à América Central, sempre defendendo seus interesses econômicos.
6 – Corrupção política
Nessa área, apesar do esforço da mídia em caracterizar os governos do PT como frutos da corrupção, os Estados Unidos são imbatíveis.
Enquanto os casos de corrupção no Brasil se contam em milhões de reais e envolvem quase sempre figuras de menor expressão política, nos Estados Unidos a corrupção está na essência de seu sistema eleitoral e nas figuras presidenciais e os casos envolvem milhões de dólares.
A facilitação para a corrupção começa pelo intrincado sistema eleitoral norte-americano, no qual o presidente é escolhido por um colégio eleitoral de cada Estado, com pesos diferentes no cômputo final. Em 2000, Al Gore teve 48,38% dos votos contra 47,87% de Bush (539 mil votos a mais), mas Bush foi o eleito.
Essas eleições se transformaram na maior fraude eleitoral dos Estados Unidos. Bush foi beneficiado por uma vergonhosa sentença da Suprema Corte, que decidiu, por 5 votos a 4, validar a irregular apuração na Flórida. Esta apuração, que se arrastou por quase 40 dias, foi coordenada pela secretária de Estado, Katherine Harris, que, por coincidência, também era a co-presidente do comitê da campanha do Partido Republicano no Estado, que era governado pelo irmão, Jeb Bush.
Na eleição de 2000, as regras para escolher os delegados da Flórida no Colégio Eleitoral foram alteradas pouco antes do pleito. A reforma aprovada no Estado excluiu milhares de eleitores da lista de votantes, na maioria negros.
No país inteiro, 1,4 milhão de negros – 13% da população masculina negra – não puderam votar em 2000 por ter sofrido algum tipo de perseguição judicial. Katherine Harris agravou ainda mais esta discriminação, efetuando o que ficou conhecido como “expurgo ético”. Além dos milhares dos já excluídos nas eleições passadas, ela retirou da lista de votantes outras 58 mil pessoas, entre as quais estavam muitos processados por meras infrações de trânsito.
Além de um sistema eleitoral que facilita as fraudes, existe sempre a interferência direta das grandes corporações financeiras apoiando determinados candidatos ou a ação direta das máfias na conquista ou intimidação de eleitores.
Sabe-se que a eleição de John Kennedy, em 1960, foi apoiada diretamente pela máfia de Chicago, cooptada pelo pai de Kennedy, Joseph Kennedy, um sujeito que se tornou milionário com o contrabando de uísque durante a “Lei Seca” e que depois foi embaixador na Inglaterra de 1938 a 1940.
Outra máfia, a de Miami, esteve também envolvida com os irmãos Kennedy na fracassada invasão de Cuba e suspeita-se que tenha participação direta no assassinato de John Kennedy, em Dallas, em 1963.
Uma vez no governo, sejam presidentes democratas ou republicanos, as contas pelos apoios recebidos precisam ser pagas. O caso mais notório foi o governo Bush, quando o vice-presidente Dick Cheney e scretário da Defesa Donald Rumsfeld, aproveitaram a guerra do Iraque para grandes negociatas com a privatização de serviços de reconstrução e até mesmo de segurança, em contratos que chegaram a US$138 milhões. Quem mais ganhou foi a Kellogg Brown & Root, a filial da Halliburton dirigida por Dick Cheney, com US$39,5 milhões.
Devem existir ainda outras tantas áreas – sem contar o futebol – no qual o Brasil é muito melhor que os Estados Unidos, mas isso fica para outra vez.

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