Companhias rejeitam candidatos gays por temer que sua imagem seja associada a eles.
Quase 20% das empresas que atuam no Brasil se recusam a contratar homossexuais. A conclusão é de uma pesquisa da empresa de recrutamento e seleção Elancers, que entrevistou 10 mil empregadores e mostrou que muitas companhias preferem rejeitar um candidato gay por temer que sua imagem seja associada a ele.
Cerca de 7% dessas empresas não contratariam homossexuais “de modo algum”, diz o estudo, enquanto 11% só considerariam a contratação se o candidato jamais pudesse chegar a um cargo de visibilidade, como o de executivo.
A pesquisa cita a justificativa de uma das recrutadoras entrevistadas, cujo nome foi preservado: “As empresas rejeitam homossexuais para posições de nível hierárquico superior, como diretores, vice-presidentes ou presidentes porque esses cargos representam a organização em eventos públicos e a associação de imagem poderia ser negativa para a companhia”, diz ela. “Quando falamos de escolas, as restrições a homossexuais são maiores por várias razões, mas principalmente pelo receio em relação aos pais dos alunos.”
Raira Pereira dos Santos, hoje com 24 anos, sofreu duplo preconceito. Primeiro não conseguiu emprego por ser gay, depois, por assumir sua identidade de mulher. Ela conta que desde que assumiu sua homossexualidade, aos 17 anos, passou a ser rejeitada mesmo quando tinha a escolaridade e a experiência exigidas. “Um gay com comportamento delicado tem dificuldade em conseguir emprego até vestido como ‘homem’. Só é possível trabalhar em Call Center. Por telefone ninguém está te vendo. A voz pode enganar. Mas se o emprego exigir a presença física, o patrão rejeita o gay porque o cliente acha que está vendo a empresa.”
Aos 20 anos, ela decidiu assumir-se mulher e adotar o nome social de Raira. As portas, então, fecharam de vez. “Se você é gay, pode fingir que é hétero, mas quando deixa o cabelo crescer e assume sua identidade feminina, o preconceito aumenta.” Ela conta que raramente o entrevistador admite as razões da recusa. “Essa admissão só aconteceu uma vez. A entrevistadora de uma vaga para recepção foi educada, mas deixou bem claro que não poderia me contratar por causa da minha aparência.” Raira só conseguiu emprego depois de admitida pela Prefeitura de São Paulo, e agora trabalha com política LGBT no município.
Como nem sempre a sexualidade é aparente, alguns contratados só passam por assédio e preconceito depois da admissão. Bissexual, a publicitária Anna Castanha, de 28 anos, deixou uma agência de publicidade na cidade de Santos registrando um boletim de ocorrência três meses depois de começar a trabalhar.
As primeiras provocações começaram depois que ela ficou muito amiga de uma colega heterossexual. Elas começaram a frequentar os mesmos lugares e a ir embora juntas depois do expediente, como muitos colegas de trabalho. Mas em uma reunião com toda a equipe na sala do chefe, o primeiro constrangimento. “Os 12 funcionários da agência entraram na sala. Eu fui a última e pedi um canto ao lado dessa amiga. Nosso chefe nos olhou e perguntou na frente de todo mundo: ‘Vocês estão tendo um caso? Estão namorando? Quem é a ativa e quem é a passiva? Quem fica por cima e quem fica por baixo?’”
Pouco tempo depois, o mesmo chefe “simulou um 69 na frente de todo mundo, fazendo uma alusão a como nós duas nos relacionávamos intimamente”. Em seguida, soube pela própria cliente o modo como uma funcionária da agência se referiu a ela quando perguntaram sobre sua ausência em uma reunião: “Quem, a Anna? Aquela sapatona escrota?”
Anna e a amiga deixaram a agência imediatamente e foram registrar o B.O. “E nunca nos pagaram pelos meses que trabalhamos”, garante. “Hoje dou um curso chamado Marketing Fora do Armário, que fala sobre o mercado focado no público LGBT.”
O arquiteto Fabio Steiner, 35 anos, atribui ao preconceito de gênero a forma como foi tratado em uma entrevista de emprego. Embora a promessa fosse uma remuneração de R$6 mil, Steiner se surpreendeu com a mudança na oferta durante a entrevista. “Eles me olharam torto e me ofereceram R$1 mil. Os outros R$5 mil ficariam com eles para ‘me administrar’.”
Diretor da Elancers, Alexandre Nunes avalia que os contratantes brasileiros são “bastante conservadores”. “Preferem sempre os candidatos dentro do padrão ‘politicamente correto’, seja na forma de se vestir, de falar e até a opção sexual.”
Segundo Cezar Tegon, presidente da companhia, a pesquisa revela que o homossexual declarado só e bem-aceito nas áreas de moda ou design de interiores. “No entanto, parece evidente que as mulheres homossexuais declaradas sofrem discriminação também nesse meio.”
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