quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Uma espécie decadente: a velha classe média

Este blog sempre foi muito crítico ao "espírito" da nossa classe média. Como muitos navegantes têm dificuldade em identificar uma ironia ou uma figura de linguagem e para evitar mal-entendidos, antes de mais nada acho melhor deixar uma coisa clara: minhas críticas não são dirigidas à classe média em si, mas à classe média way of life. Com essa explicação, espero que não apareça ninguém aqui dizendo: "Pô, isso é preconceito contra a classe média!"
Bom, tudo explicadinho nos seus miiiiiínimos detalhes, vamos ao que interessa.
Neste fim de semana, viu-se em Brasília um exemplo de um espécime que abunda na asa sul do plano piloto e na região do Savassi e Belvedere, em BH. Lendo uma revista semanal, deparei-me com essa "carta ao editor":

"Lula se dispõe a fazer compra faraônica de armamento antibélico para defender nossas riquezas de invejosos inimigos hipotéticos.
Bilhões serão gastos e debitados nas contas de todos nós...
Bem mais modesta, só quero poder comprar uma caixinha de Tamiflu para defender meus netos de um inimigo certo e conhecido, e não posso.
Dinheiro para isto eu tenho... não consigo é o remédio, para tê-lo em casa e assim garantir que não vou chorar a perda irreparável de um ente querido (...)"

Veja que gracinha, ela quer só comprar um remedinho pra estocar em casa e usar na eventualidade de um netinho precisar... Dinheiro para isso ela tem, ora essa! Não importam os outros, "a gentinha e a gentalha", o que interessa é ELA se sentir segura.
Notem, esse discurso comprova que o Ministério da Saúde acertou ao comprar todo o estoque de Tamiflu que a Roche ofereceu ao Brasil e manter essa medicação disponível somente no serviço público de Saúde, onde TODOS têm acesso (ter urticária de enfrentar fila ao lado de "gentinha e gentalha" é outra história). Se o MS liberasse a venda de parte do estoque nas farmácias e a pandemia de gripe suína fosse tão catastrófica como alguns apregoavam, certamente faltaria medicação para a população mais pobre, já que, por causa do alarmismo causado pela imprensa, ocorreria uma "corrida às farmácias"e esse Tamiflu seria estocado pela turma do "dinheiro para isso eu tenho".
Este humilde blog gostaria, portanto, de parabenizar o ministro José Gomes Temporão e o Ministério da Saúde por ter tido coragem de enfrentar a imprensa oposicionista e a parte da população por ela doutrinada e, sem populismo, ter feito a coisa certa.
Participando, na sexta a noite, de um jantar com um dos meus patrões e sua esposa, a conversa também foi sobre o Lula. Conversa vai, conversa vem, eles começaram a falar de política.
Então a esposa do patrão começou a destilar aquela velha cantilena: "Eu fiquei sabendo, por fonte segura, que Lula vive bêbado"; "Você acha que eu votaria em quem não estudou? Assim eu desvalorizaria o meu currículo"; "Você viu aquela reportagem da Veja? Aquela sobre MST, que foi capa da revista? Pois é, um absurdo esses vagabundos.. ."; "O bolsa família só serviu para deixar os pobres preguiçosos." ... E por aí foi. Eu fiquei calado, muito incomodado com aquilo, mas fingindo que não estava ouvindo. Então ela se virou para minha esposa e perguntou:
-Você vai votar na Dilma?
-Vou - respondeu a minha esposa.
-E você? - perguntou para mim.
- Também - respondi convicto.
Então ela percebeu que o terreno não lhe era inteiramente favorável, mas mesmo assim ela tentou uma cartada final:
- Você viu o que a Dilma fez com aquela moça da Receita? Você viu que absurdo? Você viu?
- Não, não vi. O que ela fez? - eu disse ironicamente.
- A a a... e e e.. ( gaguejando) Dilma pressionou ela... Você não viu isso?
- Você caiu nessa? Dilma e Lina não estavam na mesma cidade no dia que ela alega ter se encontrado com a ministra. Você acha que Dilma e Lula a desafiariam tão enfaticamente se não tivessem certeza?
- Não sabia desse negócio de que elas não estavam na mesma cidade... Mas tem muita corrupção por aí... Bom, é melhor pararmos de falar nisso , pois nós nunca entraremos num acordo - disse ela.
O assunto acabou aí. Não foi muito prudente eu ter contestado a mulher do patrão, mas, vocês hão de convir, foi ela que puxou a conversa comigo.
Quando ouço discursos como aquele da "carta ao editor" e esse da leitora da Veja, eu fico extremamente desanimado. Fico realmente abatido, triste. Mas é só eu parar para pensar um pouco e logo me animo. Penso que essa velha classe média fala muito alto, faz barulho, mas é minoritária, não apita mais nada. Eles são o quê? 5? 3? 8% da população brasileira?
Está cada dia mais evidente, apesar de muitos ainda não terem notado, que os 8 anos de governo Lula mudaram a composição da sociedade brasileira. A expansão do crédito consignado, o ProUni, o aumento real do salário mínimo e o Bolsa Família proporcionaram a ascensão de uma nova classe média, a "nova elite morena", como diz Mangabeira Unger. Ela é mais numerosa do que a velha classe média, não tem os seus preconceitos e reconhece os avanços do Brasil durante os anos Lula. Ela não é ouvida pela mídia corporativa, mas sua voz é sussurrada nas esquinas e nos bares. Então, aquele negócio de que a decisão do voto sai lá do andar de cima e vai formando a opinião da turma da base da pirâmide já era. A nova classe média funciona como uma barragem e ela vai ser determinante para a inevitável vitória de Dilma. Ou alguém acha que a base da pirâmide engole o papo da elite e da velha classe média?

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