Nunca será demais dizer a verdade sobre o que está acontecendo nas Honduras da América Central, bem como pensar que conseqüências podem advir do desfecho de tais acontecimentos. Tentarei, pois, fazer este registro histórico da forma mais simples possível, sem rebuscar na linguagem ou me estender demasiadamente em pormenores, visando a fácil compreensão, por qualquer um, da situação política naquele país.
Também julgo importante, para um registro desta natureza, apresentar somente fatos inquestionáveis, de forma que, ao leitor, fique a decisão sobre que parte envolvida tem razão ou se alguma das partes a tem.
Será importante registrar, também, como os formadores de opinião (imprensa e classe política) no Brasil vêm tratando o assunto. Este país acabou assumindo um dos papéis protagonistas nessa crise – para o bem, no entender de alguns, e para o mal no entender de outros – ao conceder abrigo ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na representação diplomática do Brasil naquele país.
Vamos, pois, aos fatos.
Numa madrugada de junho de 2009, soldados hondurenhos invadiram a casa do então presidente de Honduras, Manuel Zelaya. Foram ao seu quarto e o surpreenderam dormindo ao lado de sua mulher. Sob a mira de armas, levaram-no ao aeroporto de pijamas e o deportaram do próprio país, deixando a família para trás.
Em seguida, a Justiça e o Legislativo de Honduras apresentaram suposta carta de renúncia de Zelaya – carta que, desde o primeiro momento, ele nega ter escrito – e, sem votação popular alguma, “elegeram” presidente um dos opositores políticos do presidente deposto. Ou seja: o grupo que depôs Zelaya escolheu o novo presidente entre seus membros e deu posse a ele sem consultar a população.
Há que ressaltar bem a situação: o presidente eleito pela maioria dos hondurenhos foi tirado do cargo sem que tivesse tido julgamento de qualquer espécie e, assim, oportunidade de se defender das acusações que seus adversários lhe fizeram para justificar as sanções que lhe foram impostas. São acusações de ter cometido crimes que justificariam sua deposição. Elas, porém, contrastam com a opção por deportá-lo em lugar de prendê-lo e julgá-lo.
Acusaram o presidente deposto de ter convocado um plebiscito, uma consulta ao povo hondurenho sobre se o seu país deveria ou não convocar uma assembléia constituinte, ou seja, uma reunião de legisladores para escrever e votar uma nova constituição, e de Zelaya pretender que essa assembléia votasse uma lei que lhe permitisse disputar novo mandato.
Vale dizer que a vigente constituição de Honduras proíbe reforma constitucional e propositura de reeleição de um presidente, e determina que o ocupante de cargo público que proponha tal coisa perca o cargo e fique inelegível por dez anos.
Zelaya afirma que esse trecho da constituição de seu país vale para funcionários públicos de escalões inferiores e não para o presidente da República, e a comunidade das nações considerou ilegal a destituição do presidente sem o devido processo legal e amplo direito de defesa do processado, e rejeitou que a pena tenha sido aplicada antes de qualquer julgamento.
Por conta disso, nenhum país reconheceu o novo governo e sanções econômicas dessa comunidade internacional se sobrepuseram contra Honduras sob a exigência de que os que derrubaram Zelaya lhe devolvam o poder.
Os que perpetraram o que todas as instituições e países do mundo consideraram “golpe de Estado”, devido à crescente pressão internacional adotaram a estratégia de tentar legitimar pelo voto popular a interrupção de um mandato concedido de forma inquestionável pela maioria dos hondurenhos: convocaram eleição para presidente no próximo mês de novembro.
A ONU, a OEA, a União Européia e todas as demais instituições multilaterais mais importantes, bem como a totalidade dos países – Estados Unidos incluídos –, rejeitaram uma eleição comandada pelos que interromperam um mandato popular por meio de armas e de constrangimento físico sem dar ao detentor daquele mandato a chance de se defender num processo legal de perda de mandato.
Além disso, as forças de repressão do regime que se instalou depois da deposição de Zelaya passaram a atacar a tiros e a prender indiscriminadamente os milhares de cidadãos que protestam contra a deposição do presidente que apóiam, e tais forças passaram a proteger manifestações pró regime orquestradas por este regime, manifestações flagrantemente caracterizadas por empresários e pelas camadas mais ricas da sociedade hondurenha.
É neste ponto que surge uma divergência espantosa entre gigantes. Todas as instituições multilaterais e chefes de Estado de todas as grandes democracias do mundo se contrapõem aos maiores meios de comunicação de grande parte dos países (sobretudo dos meios da América Latina), que têm preferido apontar os “crimes” de Zelaya ou sua "militância política" na embaixada do Brasil, o que fazem em benefício do processo ilegal de sua destituição.
Na América Latina, primordialmente, as oposições aos governos tidos como de esquerda na região unem-se à imprensa na preferência por aqueles que a comunidade das nações chama de golpistas, termo que inclusive é adotado pela mesma imprensa que surgiu com a tese de “golpe corretivo”, ou seja, um golpe que dura apenas o suficiente para derrubar um governo que uma parte da sociedade julgue que não deve prosseguir, mas sem a menor garantia de que aquela decisão seja apoiada pela maioria.
Um fato inquestionável: a imprensa latino-americana apoiou golpes de Estado na região durante o século passado todo, tendo, inclusive, apoiado tentativas de golpe neste século, como aconteceu na Venezuela em 2002, onde uma tentativa de golpe foi defendida por meios de comunicação de vários países, inclusive o nosso.
No Brasil, políticos e jornalistas de esquerda dizem abertamente que as grandes tevês comerciais, os grandes jornais e as grandes revistas semanais apóiam o golpe em Honduras porque acalentam a idéia de que golpes como o hondurenho possam ser dados no Brasil se um governante algum dia adotar medidas que firam interesses do grupo social a que pertencem os donos desses meios de comunicação.
Também ressalta o crime internacional cometido pelo regime dito golpista, que, violando acordos internacionais, ataca com guerra psicológica e gases tóxicos a embaixada brasileira em Tegucigalpa, num desafio aberto à comunidade das nações. Os ataques derivam de o presidente deposto ter voltado a Honduras e se abrigado em nossa representação diplomática naquele país.
Manuel Zelaya foi derrubado, segundo certa corrente de pensamento, porque vinha adotando políticas sociais e econômicas inspiradas nas de seu então homólogo venezuelano, Hugo Chávez, despertando na direita hondurenha (empresariado e classes sociais mais altas) temor de “socialização” de um país que figura entre os campeões de concentração de renda no mundo, tal como o Brasil.
Não se trata de uma invenção de ninguém em particular o que todas as grandes democracias, a Organização das Nações Unidas, a Comunidade Européia, a Organização dos Estados Americanos – e quantos mais quiserem pôr na lista – concordam, ou seja, que a deposição de Zelaya, tal como foi feita, constitui ameaça ao direito dos povos do mundo inteiro de escolher governantes e de essa escolha ser respeitada.
Alguns amigos disseram-me cheios de dúvidas depois de assistirem comigo, reportagem do Jornal Nacional sobre o assunto. Espantou-me a dúvida deles sobre quem teria razão, a Globo ou Lula. Ficou-me claro que entenderam que a emissora apóia os que derrubaram Zelaya e que Lula apóia o presidente deposto.
O claro apoio de grandes meios de comunicação e de políticos de direita a golpe de Estado num continente como a América Latina, que já sofreu tantos golpes de direita apoiados por grandes meios de comunicação, constitui-se num clichê latino-americano surrado, o das repúblicas bananeiras, imagem criada para designar republiquetas centro-americanas em que governos surgem e somem ao sabor de decisões de gabinete.
Estes são os fatos sobre Honduras. Nada do que escrevi aqui pode ser questionado. Espera-se, pois, que este texto simples e direto possa ajudar na difusão de fatos que todo brasileiro precisa entender bem, pois o processo em Honduras pode influenciar nosso futuro de maneira determinante, sobretudo se passar despercebido daquela parte enorme da população que pouco se informa.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
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