sábado, 5 de setembro de 2009

A César o que é de César

A César o que é de César: entrega de leitos e exames públicos para gestão do privado e possibilidade de venda desses serviços ao privado

Gilson Carvalho*

A Constituição Federal deixa explícito que é livre no Brasil a iniciativa privada na área da saúde. A prescrição é de que a iniciativa privada esteja sob a regulação, fiscalização e controle do público. Portanto, nada contra que o capital privado invista em saúde, obtenha seu lucro justo: a César o de César! A briga e revolta é que querem tirar também as migalhas destinadas ao povo, parcos centavos, também para destiná-las a César! É demais!!!!
Nesta proposta de alteração da lei complementar 846 de 1998 que altera o código de saúde de São Paulo, abrem-se duas outras brechas, verdadeiras auto-pistas duplas para rolagem da privatização desenfreada do Estado.
A primeira: abrir para que a organizações sociais possam assumir não mais hospitais apenas novos, mas hospitais já existentes e em funcionamento. Se cuidem pois na lista dos passíveis de se serem privatizados e transferidos às organizações sociais está o INCOR, DANTE PAZANESI, HOSPITAL DAS CLÍNICAS, INSTITUTO DA CRIANÇA e outros hospitais da capital e do interior hoje, exclusivamente, públicos.
Tenham a certeza que só serão privatizados os melhores e de mais futuro. A privatização do lucro e a socialização do prejuízo! ( Destemidamente, mesmo sem autorização legal já fizeram isto há anos no Hospital Regional do Vale do Paraíba onde, mesmo com falta de exames e leitos de alta complexidade para o SUS, no mesmo instante estes serviços são vendidos aos privados. Evidente duplo faturamento – contrato global com o público + recebimento dos planos!)
A segunda: abrir para que os hospitais públicos a serviço das organizações sociais (jamais o contrário!) Possam vender os serviços (limite de 25%) para planos e seguros de saúde e para pacientes totalmente privados.
O absurdo maior é da possibilidade desta venda de 25% dos leitos públicos para o privado. Vejamos: hospital público, construído pelo público, equipado pelo público e financiado por contrato financeiro global com o público, é aberto para venda de leitos e serviços ao privado lucrativo. Isto no Estado de São Paulo onde existem filas de espera para serviços de saúde públicos, onde os gestores municipais e os técnicos da regional de saúde, funcionários do próprio estado, se vêem desesperadamente buscando vagas para os pacientes do SUS! O que falta ao cidadão que só tem o SUS, sistema público de saúde, vai ser vendido ao privado em nome da defesa dos “parceiros” das organizações sociais.
A perversidade é tanta que ousam invocar o princípio robinrudiano de tirar dos ricos para ajudar aos pobres. Nada tão inconsistente pois o que se vai praticar é o princípio rudirobiano, onde se tiram as chances de exames e internações dos mais pobres (que só dispõem do SUS, público) para ocupar este espaço com quem mais tem (que tem além do SUS, seu direito constitucional, um plano ou seguro privado). Não em igualdade de condições de dois cidadãos que são donos do SUS, mas com privilégio na fila daquele que, além de ter o SUS tem dinheiro para bancar também um plano privado. A inconstitucionalida de é a fila dupla privilegiando quem mais tem. É a dupla porta já consagrada no INCOR, DANTE, HOSPITAL DAS CLÍNICAS e em vários hospitais universitários federais públicos. Quebra do princípio pétreo da igualdade do acesso universal à Saúde, expresso na CF.
A antevisão é de que o cidadão paulista vai perder mais esta batalha! Nem Ministério Público, nem Judiciário, tão interessados em defender o direito à saúde do cidadão (real direito constitucional) será mais uma vez sensibilizado com as defesas do coletivo de todos os cidadãos. Ficarão perdidos nas ações judiciais individuais e particulares (patrocinadas por bancas especializadí ssimas no assunto!) que vão desde o fornecimento de esparadrapo, fraldas, iogurte, cesta básica a medicamentos de alto custo. Ações no atacado e no varejo do individual e a omissão de atuar no coletivo, protetor do direito cidadão de muitos.
A Assembléia Paulista votará, mais uma vez, do lado do mais forte, do detentor do mando do jogo? (O que ficaria melhor aqui: interrogação (?) ou exclamação (!) ?)

*Gilson Carvalho é médico pediatra e de saúde pública. O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado independente de outra autorização. Outros textos disponíveis no site www.idisa.org. br. Contato: carvalhogilson@ uol.com.br.

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