sábado, 19 de setembro de 2009

Fernanda Torres: "Agora posso falar sobre drogas."



Longe do vício e sem medo de recaídas, a atriz abre o jogo sobre a sua experiência com cocaína e diz que hoje os antidepressivos viraram moda

Por Eliane Lobato

Novos hábitos "Antes eu não ia a salão de beleza nem arrastada. Agora, fico lá duas horas"
A atriz Fernanda Torres está fazendo a sua estreia como autora de teatro com a peça "Deus É Química", em cartaz no Rio de Janeiro. Tratase de uma corajosa abordagem sobre o uso de drogas e de antidepressivos que termina fornecendo o número de telefone dos Narcóticos Anônimos. Aos 43 anos, Fernandinha - como é conhecida a filha dos atores Fernanda Montenegro e Fernando Torres - encara no espetáculo um tema que conhece bem. Nessa entrevista à ISTOÉ, ela conta que usou drogas durante anos - em especial, a cocaína, que considera "o pior demônio". A peça é uma comédia bem diferente do filme "Os Normais 2", grande sucesso de público e no qual ela forma um casal com Luiz Fernando Guimarães, também seu parceiro no palco. Mãe de dois filhos pequenos, Joaquim e Antonio, e casada há 13 anos com o diretor Andrucha Waddington, Fernandinha considera os remédios para regular humor uma espécie de droga contemporânea. "É a geração Rivotril", diz, referindo-se a um tranquilizante. Ela foi casada com o jornalista Pedro Bial durante dois anos e com o diretor teatral Gerald Thomas, por quatro. Hoje se considera "um exemplo". Além de falar de drogas, traição e política, faz uma bonita declaração de amor à mãe: "Ser filha da Fernanda é uma bênção."
ISTOÉ - Por que fazer uma peça sobre drogas?
Fernanda Torres - Eu tinha essa cena na cabeça, um casal de cariocas esperando o vapor (entregador de drogas), enquanto polícia e traficantes se enfrentavam a tiros do lado de fora da casa: um paradoxo da classe média liberal. Falar de drogas é um projeto antigo, de anos.
ISTOÉ - A sra. já usou drogas? Quais?
Fernanda - Comecei com maconha e fui até o pó.
ISTOÉ - Ainda usa?
Fernanda - Parei. Faz um bom tempo. Outro dia comentei isso: só posso fazer essa peça agora porque "vi Jesus" (risos). Sabia que faria essa peça apenas quando não tivesse mais culpa no cartório. Hoje eu posso.
ISTOÉ - Quando parou e o que a fez parar?
Fernanda - Tudo, sei lá. Acho que o que me bateu mais foi a saúde. A sensação que eu tenho é que a gente vai ficando mais velha e se vendo mais mortal. Mas, quando se é novo, queremos experimentar morrer. Quando eu olho para trás, penso: nossa, eu corri tantos riscos de morte na minha juventude. Não me arrisco mais assim. Depois que a gente se torna mãe, então, não quer se arriscar nem na ponte aérea.
ISTOÉ - A sra. subia o morro para comprar droga?
Fernanda - Não, não. Eu sou babona (medrosa).
ISTOÉ - Como a sra. pretende falar sobre drogas com seus filhos?
Fernanda - Acho que o máximo que os pais podem fazer é estabelecer uma relação de amizade. Meus pais fizeram assim: eles não deixavam usar drogas em casa. Sabiam que eu usava. Mas não se falava sobre isso, não se tocava no assunto. Eles eram uma espécie de freio mental.

"Quando Lula ainda estava em campanha para a Presidência, muitos achavam que ele nos envergonharia quando fosse ao Exterior. O cara arrebentou"

ISTOÉ - A sra. foi uma adolescente difícil?
Fernanda - Não. Fui uma adolescente casmurra. E fiquei jovem depois dos 18 anos. Aí, fui ficando cada vez mais jovem. Eu cresci numa época em que a cocaína era dominante na sociedade, no mundo todo. E cocaína é uma droga horrorosa, talvez o pior demônio, um horror. Vi amigos embotados. O ecstasy eu não peguei.
ISTOÉ - Sua peça faz uma crítica severa às drogas.
Fernanda - Não sei, acho que não.
Acho que critica severamente o uso de antidepressivos, a droga da felicidade. Faz uma crítica feroz à cocaína, mas, ao mesmo tempo, fala que as pessoas sempre se drogaram, bebendo, fumando. Nós estávamos em dúvida se a peça seria vista como crítica ou apologia porque resgata a ideia dos anos 60, quando as drogas eram um caminho para o autoconhecimento. O lema era "Seja Marginal,
Seja Herói" (obra do artista plástico Hélio Oiticica). O mito do marginal, do revolucionário, era encantador. Eu cresci nessa época. A direita estava no poder e nós tínhamos de fazer o oposto da direita, por princípio. Nas escolas experimentais, onde eu estudei, o refrão era a liberdade para tudo. Hoje ficou diferente.
ISTOÉ - Como é hoje?
Fernanda - Hoje todo mundo é deprimido. Se você tem uma tristeza, logo aparece alguém para aconselhar a tomar um remedinho para ficar bem, para não ficar ansioso. É a geração do Rivotril (tranquilizante) . É remédio para regular humor, combater tristeza, emagrecer. Uma vez tomei um emagrecedor e falei: gente, desculpa, mas isso é igual à cocaína. Primeiro, eu fiquei com palpitação no coração e, depois, meio deprimidinha. Fiquei sem fome e excitada e, depois, muito angustiada. Já vi isso antes, só que tinha outro nome: cocaína. Antigamente, todo mundo fazia análise, hoje a psicanálise perdeu para a psiquiatria. Todo mundo tem um psiquiatra, é bipolar, e toda criança é hiperativa. Impressionante. Deve haver outra maneira de resolver nossos problemas que não seja tomando remedinhos, né? Isso eu acho muito sinistro. Marca o nosso tempo.
ISTOÉ - A peça termina aconselhando as pessoas a pensar bem antes de recorrer a remédios e drogas.
Fernanda - A ideia é baseada no livro do Antonio Damásio ("Homem na Escuridão"), para quem o medo, a angústia e todas as emoções básicas fazem parte do instinto de sobrevivência humana. Uma sociedade que escolhe não lidar com a angústia e o luto é uma sociedade que está abrindo mão de suas defesas. O que queremos dizer é: como você vai lidar com as suas angústias. Dá um jeito. Todo mundo que eu conheço que se drogou muito, recebeu uma conta dura lá adiante. Ao mesmo tempo, tenho medo de me tornar uma pessoa toda controlada e chata, que malha, que não se droga, nunca sai de si, consciente, ecologicamente correta.
ISTOÉ - A sra. é assim, toda certinha?
Fernanda - Sou. E tenho horror de mim mesma, às vezes. Realmente, estou um exemplo. Acordo cedo, cuido dos meus filhos, malho, mas eu estou virando um ser totalmente antissocial. Depois que tive meu segundo filho, passei a ter insônia. Outra noite, eu fiquei "fritando" na cama até cinco da manhã. Depois de uma noite assim, você vira um zumbi. Mas não tomo remédio para dormir, tenho medo de ficar dependente. Muito medo.
ISTOÉ - Qual seria a saída para o problema das drogas?
Fernanda - A descriminalizaçã o pode ser um bom caminho. Tirar a droga da área de polícia, crime, e levar para a questão de saúde. Tirar o glamour também ajuda a diminuir o uso, conforme já se comprovou. O cigarro já foi glamouroso e, hoje, fumar é out.
O adolescente que fuma é visto como um otário, um bobo. Essa é uma boa maneira de lidar. Lembro de um amigo meu em coma alcoólico com 14 ou 15 anos. É uma das imagens mais doidas que eu já vi na minha vida. Era o batismo dele, estava num rito de passagem, virando homem. Sinto que as drogas também têm esse papel na vida dos jovens.
ISTOÉ - A sra. e o Luiz Fernando Guimarães são amigos antigos?
Fernanda - Nós somos um casal (risos). Trabalhamos juntos, viajamos juntos. Fomos para a África uma vez e ele curou minha dor de corno do Gerald Thomas.
ISTOÉ - Por quê? Quando se separou do Thomas ele já estava com outra?
Fernanda - Sempre, né?
ISTOÉ - A sra. fez poucas novelas? Por quê?
Fernanda - A última que fiz foi "Selva de Pedra" (1986). Fiquei com medo de fechar contrato, tinha sempre um filme para fazer em algum lugar, eu queria ir para o mundo. E vi, também, que eu era muito imatura para gravações de tevê. Fui uma péssima funcionária na época dessa novela. Acho que não foi justo com a casa (Rede Globo). Fui irresponsável. Fiquei muito mal-humorada. Então, nunca mais quis me arriscar. Eu respeito quem me dá emprego, sabe?
ISTOÉ - Evitar a tevê não teria sido também fugir de um território onde sua mãe é soberana?
Fernanda - Acho que esse medo aconteceu mais no teatro. Eu busquei o cinema porque era um alívio para mim, não tinha o domínio da Fernanda Montenegro. O cinema foi muito importante para eu virar eu. Depois é que eu fui para o teatro. Minha mãe é como o Tony Ramos: eles seguram um elenco. Mamãe é uma tropa, um capitão.
Tony é como a mamãe nisso. Mamãe é incrível. Ela dá a dimensão do personagem, do melodrama, do romance. Isso é mais que louvável.
"Minha mãe é muito especial, sempre nos deu liberdade para sermos o que somos. Nunca vi medo nos olhos dela, medo de que a gente não vingasse"
ISTOÉ - E como mãe, ela também é fantástica?
Fernanda - Minha mãe é muito especial, ela sempre nos deu muita liberdade para sermos o que somos. Nunca vi medo nos olhos dela, medo de que a gente não vingasse. Lembro de uma cena de teatro que fizemos juntas e que me dá vontade até de chorar. Eu e ela jogando cartas, com música de Richard Wagner tocando, as duas vestidas de palhaças. O ápice foi quando fiz uma peça com mamãe ("The Flash and Crash Days", 1993), aquilo para mim foi uma carta de alforria. Ser filha da Fernanda é uma bênção.
ISTOÉ - A sra. ainda faz dieta? Cuida muito da imagem?
Fernanda - Eu era uma adolescente redonda, grande candidata a obesa. Um dia, entendi que malhando ajudava a segurar a carne, que não bastava emagrecer. Hoje faço ioga e pilates. Eu não ia a salão de beleza nem arrastada. Mas, agora, tenho a raiz do cabelo branca, fico lá duas horas. Mas não me maquio. Silicone e botox, eu tenho medo. Meus peitinhos nunca foram grandes, mas tive dois filhos e eles continuam aí, meus amigos. Gosto muito dos meus peitinhos, sou feliz com eles.
ISTOÉ - Já tem candidato para as eleições do ano que vem?
Fernanda - Não. Mas acho que ter (José) Serra, Dilma (Rousseff), Marina (Silva) e Ciro (Gomes) disputando significa que melhorou muito, né? Pode ser interessante uma alternância de poder. Aprendemos muito. Me lembro da época da campanha do Lula para a Presidência, muitos previam uma catástrofe, uma vergonha quando Lula fosse nos representar no Exterior. E o cara arrebentou. Fomos bem nesses últimos 16 anos. Hoje temos um denominador comum, um país.
ISTOÉ - Que problema a sra. teve com o Carlos Minc, hoje ministro do Meio Ambiente?
Fernanda - Foi na época do filme "O Que É Isso, Companheiro? " (1997).
A produção do filme marcou uma conversa minha com ele para tirar dúvidas e, no dia seguinte, tinha uma nota num jornal dizendo que o Minc tinha ouvido de alguém do elenco que era um filme totalmente desacreditado. Ele criou uma nota enquanto eu estava conversando sobre dúvidas. Mas hoje me dou muito bem com ele.

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