Acabo de ler as mais de 80 páginas do texto (aqui e aqui) com que o procurador-geral da República pede que seja aceita a denúncia contra Eduardo Cunha – e também contra sua cúmplice Solange Almeida – por corrupção e lavagem de dinheiro, e que paguem nada menos que R$277 milhões como devolução de dinheiro desviado e multa pelo crime.
É acachapante.
Descreve as reuniões entre o lobista Júlio Camargo, o operado de Cunha, Fernando Baiano, o ex-diretor internacional da Petrobras, Nestor Cerveró e, pelo menos uma vez, na presença de Eduardo Cunha, com descrição em detalhes (e registros) do automóvel em que foi conduzido ao encontro, onde colocou a faca no pescoço do pagador de comissões.
A denúncia prova, com fartura de dados, que os tais requerimentos assinados por Solange Almeida para pressionar Júlio Camargo foram escritos por Eduardo Cunha, em seu computador na Câmara, com o uso de sua senha privativa.
Mostra, uma a uma, as transferências que Júlio Camargo fez a Fernando Baiano, para que fossem repassadas a Cunha.
E, como a cereja do bolo fétido, o depósito direto na conta da igreja evangélica a que Cunha se filiou, recentemente.
Embora a defesa de Cunha diga que a acusação é “facilmente derrubável” – interessante que não falou por ela o ex-procurador Antônio Fernando de Souza – por se basear apenas na palavra do delator, não é assim.
Além da materialidade do fato, há provas de autoria (os requerimentos achacadores), tipicidade da conduta criminosa, agravantes, dolo, percepção de vantagem e conexões evidentes.
Cunha, cuja carreira começou como operador do mercado financeiro (e, ironicamente, na firma de auditoria Arthur Andersen) sabe como fazer o despistamento dos vestígios do dinheiro.
Mas não sabe como fazer todos os crimes perfeitos.
Logo ele, que herdou dos tempos de cabo eleitoral de Fernando Collor o espírito do “bateu, levou”, está tomando fôlego para responder.
Resta saber se o tem, e que não se o subestime, porque sua carreira – leia o perfil que dele traça o repórter Chico Otávio – é pródiga em transformar desastres em bons negócios.
Agora, porém, parece ter ido além das próprias pernas.
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CUNHA USOU ASSEMBLEIA DE DEUS PARA RECEBER PROPINA, DIZ PGR
Segundo a denúncia, remessas feitas à igreja evangélica eram uma das formas de recebimento de dinheiro. Cunha é acusado de receber propinas também por meio de pagamentos no exterior, remessas de dinheiro vivo e falsos contratos de consultoria.
Segundo a denúncia, remessas feitas à igreja evangélica eram uma das formas de recebimento de dinheiro. Cunha é acusado de receber propinas também por meio de pagamentos no exterior, remessas de dinheiro vivo e falsos contratos de consultoria.
Parte da propina paga ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), no esquema de fraudes da Petrobras teria sido feita por meio da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Segundo consta na denúncia da Procuradoria Geral da República, o operador do PMDB no esquema de fraudes na estatal, Fernando Soares – vulgo Fernando Baiano – orientou o lobista Júlio Camargo, que prestava serviços para a Toyo Setal, a efetuar dois depósitos no valor de R$250 mil para a igreja.
Segundo a denúncia, Baiano seria “sócio oculto” de Cunha nas fraudes. Os dois depósitos foram feitos no valor de R$125 mil em 31 de agosto de 2012 pelas empresas Treviso e Piemonte, pertencentes a Camargo.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma na acusação que Camargo nunca fez qualquer tipo de doação à igreja e os depósitos tiveram a única finalidade de quitar dívidas com o deputado por conta do contrato entre a coreana Samsung e a japonesa Mitsui no aluguel e venda de dois navios sondas da Petrobras. Os contratos somaram R$1,2 bilhão e teriam gerado R$80 milhões em propinas aos lobistas e a Cunha.
Ainda de acordo com o procurador-geral, “é notória a vinculação de Eduardo Cunha com a referida igreja. O diretor da referida igreja perante a Receita Federal é Samuel Cássio Ferreira, irmão de Abner Ferreira, pastor da Igreja Assembleia de Deus de Madureira, no Rio de Janeiro, que o denunciado frequenta. Foi nela inclusive que Eduardo Cunha celebrou a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, conforme amplamente divulgado pela imprensa”.
A acusação ainda cita um encontro que teria havido entre Fernando Baiano, Júlio Camargo e Eduardo Cunha em um prédio no Rio de Janeiro. O encontro teria ocorrido na avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon. Segundo consta da denúncia, Cunha e Baiano teriam chegado em uma Range Rover e estacionado em um prédio vizinho a onde ocorreu a reunião. Foram identificados registros de chamadas de rádio de Baiano nas imediações e o ingresso de seu veículo neste estacionamento. Nesta reunião teria sido exigido por Cunha a Camargo a propina de US$5 milhões.
A procuradoria-geral da República pede que Cunha e a ex-deputada Solange Almeida (PMDB/RJ) sejam condenados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro além de devolverem aos cofres públicos US$80 milhões. Segundo a denúncia, Solange teria ajudado Cunha a pressionar Camargo a acelerar o pagamento de propinas após ingressar com um requerimento no TCU pedindo esclarecimentos sobre os contratos da Samsung e Mitsui junto a Petrobras.
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QUAIS OS PASSOS DE EDUARDO CUNHA ATÉ O CADAFALSO? E QUEM VAI COM ELE?
Diz o jornal O Globo que ainda hoje [19/8] o procurador-geral Rodrigo Janot encaminhará ao Supremo Tribunal Federal a denúncia contra Eduardo Cunha por corrupção e lavagem de dinheiro. A Folha diz que será até amanhã.
Seja como for, é apenas o primeiro passo. O seguinte será o plenário do Supremo a acolher, porque o presidente da Câmara tem o direito de ter o pedido apreciado por todos os ministros, não por um deles ou por uma das turmas.
Começam dois caminhos que, embora distintos, dependem entre si: o jurídico e o político.
Não, Cunha não será preso numa cela da Polícia Federal até que confesse. Não terá suas contas privadas devassadas sem motivo e repassada sua movimentação financeira à Veja.
Será um processo regular, com direito à defesa e ao devido processo legal. E à presunção de inocência, o que no caso de Cunha se situa em crer em algo situado entre o Saci Pererê e o Papai Noel. Mas que é direito dele.
O que vai surgir contra ele? Provavelmente, muito, porque a vida de Eduardo Cunha é daquelas em que não faltam processos judiciais e acusações.
O processo político, este já começou antes mesmo da apresentação da denúncia.
O governo vai esvaziar, como puder e tanto quanto puder, a tal “pauta-bomba” para não lhe dar a chance de manipular decisões de plenário para desviar o que é uma acusação pessoal – pela qual ele, como qualquer um, tem de responder – num confronto político.
O acordo de ontem sobre a correção do FGTS e a decisão de hoje de Renan Calheiros de adiar a apreciação dos vetos de Dilma ao reajuste do Judiciário foram, na prática, a negação de um ringue onde Cunha pudesse exibir a musculatura de que ainda dispõe entre os deputados – e somente entre os deputados.
Cunha, por enquanto, está prudente: “se acontecer o fato, eu falo”.
Fala, Cunha, fala. Os seus neoadmiradores, que estenderam faixas de “somos todos Eduardo Cunha” nas manifestações de domingo aguardam, ansiosos, suas explicações.
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