A curiosa estratégia dos que afirmam enfrentar a corrupção enganando a população com mentiras tão absurdas que era mais simples dizer a verdade.
Na tarde de quinta-feira, dia 6/8, muitas pessoas perceberam que estavam confirmadas nos chamados eventos das redes sociais pelo impeachment da presidenta da República, Dilma Rousseff, mesmo sem nunca terem aceitado tal convite e nem sequer cogitarem participar, por posicionamento ideológico. Fato é que eventos criados com outros objetivos – do apoio a presidenta à repulsa ao clima de golpismo – tinham sido alterados propositalmente para aumentar o alcance da convocação para os protestos marcados para o dia 16 de agosto.
Um dos eventos modificados era relacionado às eleições do ano passado e se chamava “eu não voto em Aécio Neves”. Como o site não exclui eventos já realizados, alguém mudou o nome do evento para “16 de agosto eu vou pra rua #ForaPT”. E os defensores do impeachment ganharam, automaticamente, 70 mil apoiadores. No entanto, permaneceu a foto de fundo com o rosto do candidato tucano. Ao perceber a farsa, de de um dia para outro 30 mil retiraram seus apoios ao evento.
Esse tipo de prática tem sido comum entre os grupos que tentam convencer a sociedade de que a corrupção no Brasil foi inventada por Dilma, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo PT. Utilizam de todo tipo de fraudes e enganações com a justificativa de “salvar o Brasil”.
O expediente não é novo, e ficou mais intenso com as redes sociais e o acesso à internet por dispositivos com celulares e tablets. No dia de ir às urnas na última eleição, uma mensagem de que o doleiro Alberto Youssef, primeiro delator relevante da operação Lava-Jato, havia sido envenenado na prisão inundou celulares em todo o país, a ponto de a Polícia Federal (PF) emitir nota garantindo que ele gozava de plena saúde.
As informações falsas estão na estrutura na convocação das manifestações de rua. No ato realizado em 15 de março, seus organizadores bradavam dos carros de som que “Dilma cortou a internet na Avenida Paulista, para impedir a revolução”. Em uma aglomeração tão grande de pessoas é comum que a internet não funcione. O mesmo ocorre com rádio. É rara uma estação que pegue bem na Paulista devido à quantidade de transmissores instalados na região. Mas o que importa é o “efeito manada” com que a fúria se espalha.
Também naquele domingo, os golpistas exaltaram um “relatório de uma auditoria em Washington que garantiu que as eleições de 2014 foram fraudadas”. O “ativista” Marcello Reis, do grupo Revoltados Online, se emocionava ao berrar “Dilma não foi eleita”. Só não explicava de onde saía a tese fantasiosa – e de explicações convincentes os seguidores dessa onda de ódio não fazem mesmo muita questão. Como pode ter sido fraudada só a eleição presidencial, num pleito que elegeu governadores, deputados e senadores? Não importa.
Os usuários desse expediente são criativos: “Dilma vai proibir as religiões”, “Dilma vai pegar o dinheiro das poupanças”, “Dilma vai acabar com a família”, “o PT vai instaurar uma ditadura comunista no Brasil”, “O PT trouxe os haitianos para votar na Dilma”.
Até mesmo um “combo” de pedidos de impeachment publicado numa rede social viralizou. Segundo o boato, seria preciso registrar o pedido em um cartório, pedindo “combo de quatro impeachments”, para garantir que os petistas não assumissem de novo e o tucano Aécio Neves pudesse ser o novo presidente.
Mas não se mente à toa. O recurso tem fundamento. Uma pesquisa coordenada pelo professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, Pablo Ortellado, e pela professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Esther Solano, detectou que a crença em boatos era muito forte entre os participantes paulistas da manifestação de 12 de abril.
Os pesquisadores ouviram 541 pessoas na Avenida Paulista, e identificaram que 47,3% dos entrevistados “confiam muito” em informações obtidas pelo Facebook. Outros 26,6% têm a mesma percepção de informações repassadas pelo aplicativo de celular Whatsapp.
Nada menos que 71,3% dos manifestantes entrevistados acreditam que Fabio Luiz, o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, é sócio da Friboi – aquela mesma que contratou Roberto Carlos e Toni Ramos como garotos-propaganda. A informação já foi desmentida muitas vezes, inclusive pelo presidente do grupo JBS, que controla a Friboi, José Batista Júnior.
Outros 53,2% dos manifestantes anticorrupção disseram acreditar que “o PCC é um braço armado do PT”. E 42,6% que “o PT trouxe 50 mil haitiano para votar na Dilma nas últimas eleições”.
Nas redes também são comuns postagens, vídeos e textos com “denúncias”, que precisam ser repassadas “antes que sejam censuradas”. Alguns grupos têm até “veículos de comunicação” próprios, para dar mais credibilidade às notícias forjadas, misturadas a notas retiradas de portais da grande imprensa. Nessa bagunça, os golpistas se esbaldam.
A “notícia” de de sexta-feira, dia 7/8, foi que a carta-renúncia de Dilma Rousseff estaria pronta, aguardando o momento certo para ser divulgada. Quem dá o “furo” é o colunista do jornal Metro e blogueiro limpinho Cláudio Humberto, que foi porta-voz do ex-presidente Fernando Collor de Mello e é uma espécie de Reinaldo Azevedo fora da Veja. Se os manifestantes estão lutando contra a corrupção, como podem crer em uma informação sem fontes, passada por um ex-aliado do Collor?
Os combatentes contra a corrupção parecem se importar tanto com a origem da corrupção no Brasil quanto com a veracidade das notícias que engolem, quando lhes convêm. Para acabar com Dilma, Lula e o PT, vale-tudo, até mesmo esses exemplos bem-acabados de corrupção da verdade como estratégia política.
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