terça-feira, 8 de setembro de 2009

ACERVO HISTÓRICO VIII : A DIREITA NO PODER E SUAS CONSEQUENCIAS

CASSAÇÃO DE PARLAMENTARES NO GOVERNO GEISEL

Atas do Conselho de Segurança mostram mais detalhes de cassações

As atas do Conselho de Segurança Nacional mostram que os militares usavam critérios distintos, além de arbitrários, para absolver ou cassar mandatos e direitos políticos com base no AI-5.
Em alguns casos, ter um bom amigo nas Forças Armadas bastava para salvar a pele de um acusado de subversão. Em outros, uma suspeita vaga de simpatizar com o comunismo era suficiente para decretar o fim da carreira de políticos jovens e promissores.
Os dois fatores pesaram no julgamento de Mario Covas, em 16 de janeiro de 1969.
Ao anunciar seu processo, o presidente Costa e Silva definiu Covas: “Um rapaz que conheço pessoalmente, simpatizo muito com ele, mas que se excedeu demais em sua atuação política”.
O vice-presidente Pedro Aleixo citou um pronunciamento do então deputado do MDB, acusando-o de porta-voz de agitadores:
“Embora seja muito inteligente, ele não tem capacidade literária para fazer discursos dessa natureza”.
O ministro da Justiça, Gama e Silva, foi mais incisivo: “Posso dar meu testemunho, como homem de São Paulo, da ativa atuação comunista do senhor Mario Covas”.
O presidente ainda tentou aliviar a punição: propôs a cassação do mandato sem suspender os direitos políticos de Covas por dez anos.
“Por ser religioso, desejo que não haja vingança pessoal. É um homem que ainda pode ser recuperado”, apelou.
Isolado, o marechal acabou aplicando a pena máxima.
Costa e Silva foi menos piedoso com Niomar Moniz Sodré Bittencourt, dona do Correio da Manhã, presa por publicar artigos contra a ditadura.
“Ela é violentamente agressiva, vem desafiando gregos e troianos”, disse. Após cassar outra mulher, a deputada Yara Vargas, ensaiou um gracejo: “Confesso que procurei não atingir as senhoras”.
As atas traçam um perfil peculiar e inconstante do marechal do AI-5.
Em alguns momentos, mostrava-se ansioso para cassar os acusados.
“Vamos agora ver o caso de dois homens da Arena. Eles têm um passado que ninguém sabe explicar como não foram cassados antes”, disse, em 1969.
No mesmo dia, aceitou reduzir a pena do deputado João Herculino Lopes: “Em face da brilhante defesa do senhor vice-presidente, o presidente resolve castigá-lo apenas com a cassação do mandato. É possível que, com esse corretivo, ele se recupere”.
Em outra ata, afirmou: “Não visto nem reivindico a capa de ditador”.
Os motivos para perder o mandato podiam ser mais prosaicos.
Um deputado carioca da Arena perdeu o mandato por batizar uma rua no Méier com o nome de um sargento comunista.
No governo Geisel, as acusações de corrupção pesaram em julgamentos como o do deputado estadual Eurico Guimarães Neves, de São João de Meriti. Sua ficha no SNI era contundente: “É apontado como desonesto, corrupto e aproveitador. Muito ligado a um maconheiro e distribuidor da erva maldita, o que robustece as acusações de que conseguiu fortuna explorando tráfico de entorpecentes. É considerado pistoleiro e indivíduo de péssimo caráter”.
Mas o governo Geisel também punia discursos.
Em 1976, o deputado Lysaneas Maciel desabafou na tribuna: “Estamos nos acostumando com a falta de liberdade. Estamos nos acostumando com a censura de baixo nível (…). Estamos nos acostumando com o desaparecimento de brasileiros, sua tortura, sua morte presumida. Este Congresso aceita tranquilamente o fato de que, neste momento, pelo menos cinco ex-parlamentares estejam sendo mortos e torturados”.
Foi cassado dias depois.
Os documentos do CSN provam que a fabricação da bomba atômica passou pelos planos da ditadura.
Em 4 de outubro de 1967, o presidente Costa e Silva reuniu os ministros no Planalto para discutir a redação da Política Nacional de Energia Nuclear.
A sessão foi dominada por um só debate: incluir ou não, no texto, a expressão “para fins pacíficos”, que impediria o Brasil de produzir o artefato.
Enquanto o Itamaraty temia a reação das potências estrangeiras, os generais pressionavam por projeto que deixasse espaço para a construção da bomba.
A palavra bomba foi mencionada quatro vezes na reunião.
Tentando encerrar a polêmica, Costa e Silva arriscou solução inusitada: “Não vamos chamar de bomba, vamos chamar de artefatos que possam explodir”.
A ata dá a entender que os ministros fingiram não ouvir a sugestão.
Apesar de agradar à linha dura do regime, a bandeira da bomba começou a ser empunhada por um ministro civil: Macedo Soares, da Indústria e Comércio.
“Eu retiraria a palavra fins pacíficos (sic). Seria o mesmo se disséssemos que a fábrica Piquete é para fins pacíficos, porque o que ela produz, nitroglicerina, é um medicamento”, afirmou.
“Dizer que o Brasil um dia não fabricará algum armamento com energia nuclear é ilusão”.
O ministro do Exército, Lyra Tavares, fez coro: “Concordo com o ministro Macedo Soares (…). Não devemos autolimitar o uso de energia nuclear”.
O ministro de Minas e Energia, Costa Cavalcanti, tentou um meio-termo: “O documento é secreto, mas quem o ler poderá deduzir que o Brasil está se preparando para a bomba. Talvez o documento devesse ser mais genérico, sem especificar esse detalhe”.
O sonho da bomba foi adiado por intervenção do ministro Magalhães Pinto (Relações Exteriores).
Ele convenceu Costa e Silva ao lembrar que o Brasil assinou o Tratado do México: “O tratado autoriza explosões para fins pacíficos, mas a proíbe, de maneira definitiva, para fins bélicos.
Tenho a impressão, senhor presidente, que vamos sofrer pressão muito maior, porque vão duvidar das intenções do Brasil”.
Nas cerca de 3,5 mil páginas de documentos sobre as reuniões do Conselho de Segurança Nacional, o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece uma única vez.
E já no período de redemocratização, no governo José Sarney.
Em 16 de novembro de 1988, Lula foi criticado pelo então ministro das Minas e Energia, Aureliano Chaves.
Na presença de 24 conselheiros, entre ministros e parlamentares, Aureliano disse que ligou naquele dia para Lula, então presidente do PT, e pediu que ele interviesse para pôr fim à greve dos petroleiros.
O ministro pediu a ele que controlasse a CUT.
“Hoje tive uma conversa, me telefonou o senhor presidente do PT, o Lula. Eu fiz ver a ele o seguinte: esse ato dos petroleiros é um ato insensato e lamento que essa insensatez esteja sendo condimentada pelo sindicato da CUT, sobre os quais você tem ascendência (sic)”, afirma Aureliano.
O ministro diz a Lula esperar que ele não contribua para que o país acabe “perturbando-se na sua caminhada democrática”.
Pede que ele interceda pelo fim da greve e diz que o petista saiu vitorioso da eleição daquele ano, numa referência à vitória de Luiza Erundina, então do PT, para a Prefeitura de São Paulo.
“Espero que você dê a sua contribuição e chame seus líderes sindicais que são membros da CUT, que são predominantes no chamado comando da greve, no sentido de que eles, antes de qualquer coisa, retornem ao trabalho dando uma demonstração de que, no momento em que um país emerge de uma eleição municipal na direção do fortalecimento da sua vida democrática, os senhores estão dando uma contribuição negativa”, afirma Aureliano, segundo a ata do conselho.
O ministro conta que Lula prometeu tomar providências.
“É totalmente inadmissível essa insensatez condimentada pelos senhores políticos do PT”.
Nos documentos, não constam atas de reuniões entre o fim do governo de João Figueiredo e o início da gestão de José Sarney.
Foi nesse período que Lula despontou como líder do movimento sindical no ABC.

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