sábado, 31 de outubro de 2009

Não é o fim dos movimentos sociais

A partir da década de 1990, após a derrocada do socialismo real, o capitalismo, na sua versão neoliberal, viveu o seu apogeu unipolar, com total domínio econômico, político e militar do planeta. Alguns de seus ideólogos chegaram a decretar o fim da história.
A Constituição de 1988, fortemente influenciada pelo movimento popular, consolida avanços em relação aos direitos sociais e à participação popular na gestão das políticas públicas. A consolidação de estruturas e organizações da sociedade e mesmo a institucionalização de movimentos sociais não significa necessariamente o seu fim.
As novas experiências administrativas municipais passaram a conviver com uma nova demanda social organizada para a efetivação da participação social nas políticas públicas de educação, saúde, assistência social, cultura, criança e adolescente, direitos humanos, em especial de segmentos e grupos sociais historicamente discriminados como mulheres, negros, idosos, pessoas com deficiência, LGBT etc.
A criação de conselhos setoriais e a sua regulamentação em leis orgânicas e decretos municipais formalizaram e estruturaram o funcionamento desses conselhos, sejam eles deliberativos ou consultivos, concretizando a participação popular, em geral de forma paritária em relação à representação governamental e não governamental. Essa institucionalização implicou em novas formas de lutas, como os fóruns da sociedade civil paralelos aos conselhos instituídos. Os movimentos sociais surgem da necessidade de encaminhar formas de lutas mais autônomas e não-formais.
O enfrentamento da ditadura exigia formas de luta mais amplas e unitárias, quase sempre não institucionalizadas em razão da natureza repressora do regime de arbítrio. A jovem democracia brasileira tem ampliado os canais de participação popular. Com a eleição de Lula e a vitória do PT era natural a convergência de posições. Nem por isso, o movimento sindical, CUT à frente, e os movimentos sociais deixam de mobilizar e estabelecer a sua própria agenda e pauta de lutas discutida na sua base, sem cooptação.
É auspiciosa a informação do IBGE de que 75% dos municípios brasileiros estão adotando alguma modalidade de participação da sociedade civil na determinação de prioridades orçamentárias na área social. O orçamento participativo tem se constituído em forma de gestão e participação social de governos do PT, mas não só dele.
O acesso aos recursos do orçamento público, antes privilégio dos setores dominantes e das grandes empresas, passou a ser disputado pelos trabalhadores organizados e os setores populares, inclusive os movimentos sociais. Os convênios são formas legítimas institucionalizadas de garantir o acesso dos “subalternos” aos recursos públicos.
A segmentação política a partir de interesses específicos de cada categoria ou segmento social já estava antes presente nos movimentos, mesmo nas suas formas não institucionalizadas de participação. As formas novas de mobilização incorporam, além das especificidades, interesses gerais da sociedade como na atual crise, quando os movimentos unificaram a luta popular para combater as formas tradicionais de enfrentamento das crises do capital (arrocho salarial, desemprego, aumento dos juros, redução dos investimentos sociais, privatizações, diminuição do Estado etc).
A questão que se coloca é combinar o local, o nacional e o planetário, o corporativo e o geral. O que afeta a cada um e o que aflige igualmente a todos. Esses são novos desafios. Na crise política de 2005 e no 2º turno das eleições de 2006 ou mesmo na crise econômica de 2008, sem perder o juízo crítico e a autonomia, mas diante da possibilidade de volta das forças neoliberais e reacionárias, os movimentos sociais não vacilaram em escolher e defender um lado, combatendo o retrocesso.
O Estado e a sociedade civil possuem lógicas de atuação distintas. A lógica da esfera pública não é somente a da esfera estatal. Se um governo realiza parte do ideário dos movimentos sociais é natural que estes se identifiquem com ele, ainda que com contradições. A política da oposição sistemática é produto da luta ideológica contra a ditadura – não é um ideário em si. Esse papel é cumprido pelos partidos políticos, a menos que se constituam em movimentos revolucionários na luta pelo poder.
Em relação às pautas das conferências setoriais, durante o governo Lula tem havido, em parte, identidade de objetivos gerais como, por exemplo, na V Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de 2005, onde o tema central foi o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), cuja implantação se deu em julho do mesmo ano, após grande debate nacional que envolveu mais de 300 mil pessoas em todos os municípios do país. A transformação da assistência social em política pública continuada foi assumida pelo governo Lula, mas foi produto de luta histórica das organizações dos trabalhadores e dos usuários da assistência social no Brasil.
Os dados do Censo Agropecuário 2006 são significativos para a defesa da reforma agrária. A CPI não é só contra o MST, mas para tentar intimidar o governo Lula. O MST é o principal movimento social do Brasil, mas não está sozinho. O futuro dele e da questão agrária (que é secular), assim como de outras organizações populares, está associado à capacidade de articular as forças sociais e políticas democráticas e progressistas, compreender as condições objetivas para a transformação da realidade brasileira e, no caso da questão da terra, disputar na sociedade a hegemonia por um novo modelo agrário e agrícola, no qual a agricultura camponesa e familiar tenha centralidade econômica e social no desenvolvimento sustentável do País. Não é o fim.

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