segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
DESMITIFICANDO LULA
Como já contei antes (DESMITIFICANDO LULA -1), meu amigo Príamo não só concorda com as principais instituições e estadistas internacionais, além dos mais afamados órgãos de imprensa de todo o mundo, reconhecendo inteligência em Lula; como, inclusive, percebe que ele “Teve perseverança, paciência, dedicação e competência para atingir os seus objetivos”.
Mas para Príamo: “Quando chegou lá é que começaram as contradições”. E aponta como primeira dessas contradições, em seu entender: a) Nomeou um número muito grande de funcionários, inchando a folha de pagamentos.
Há que se debruçar nestas considerações para desvendar esse ser mitológico prosaicamente apontado como Lula, pois Príamo tem razão: na história do Brasil ninguém teve a mesma perseverança, paciência e dedicação para alcançar o cargo da Presidência do país, antes de Lula.
Nem mesmo Ruy Barbosa, que antecedeu Lula em projeção internacional como inteligência política. Ruy candidatou-se à Presidência pela primeira vez em 1894 e ficou em 4º lugar. Voltou a se candidatar em 1905, mas acabou retirando-se da disputa para apoiar Afonso Pena. Em 1910 perde para Hermes da Fonseca, e em 1913, convencido de ser derrotado, em um manifesto à nação renuncia da candidatura à eleição de março no ano seguinte quando, ainda assim, teve considerável votação contra o candidato único: Wenceslau Brás.
Em 1919 concorreu pela 5ª e última vez, perdendo pra Epitácio Pessoa. Lula também concorreu 5 vezes, mas ao contrário do Ruy não desistiu em nenhuma. O que faltou ao Ruy? Dedicação? Mas logo o Ruy Barbosa, tão afamado e admirado por sua esmerada aplicação!
Também não se pode sequer cogitar que lhe tenha faltado competência, pois foi o que o Barão de Macaúbas reconheceu no pupilo já aos 11 anos de idade e com que se destacou desde seu início na vida política do Brasil ainda Império; até alçar vôos internacionais como a Águia de Haia. Portanto, ainda que não tenha perseverado, desistindo antes do pleito em duas eleições, não lhe faltou paciência (já que concorreu tantas vezes quanto Lula) nem dedicação ou competência. Como explicar?
Talvez pelos objetivos. Quais seriam os objetivos de Ruy Barbosa?
Na mitologia das elites, Ruy é o arquétipo da sabedoria, honra e justiça. Seria nossa Palas Atena, se gregos fossemos. Ou Minerva, se romanos. Xangô para os adeptos de candomblé, mas nunca houve muitos admiradores de Ruy Barbosa nos segmentos populares, embora tenha sido um abolicionista.
Entre os mais cultos, cita-se com toda pompa e circunstância sua famosa frase sobre um futuro próximo em que se terá vergonha de ser honesto; mas se o eleitorado da época já não se deixou impressionar pelo belo fraseado barbosiano, ainda menos hoje em dia, quando a frase se faz tão assídua na boca dos piores canalhas. Seria a tal da ética tão evocada por estes mesmos canalhas hodiernos, os objetivos que por 5 vezes moveram Ruy Barbosa à candidatura presidencial?
Se sim, porque não haveria o povo de elegê-lo em nenhuma?
Haverá no povo brasileiro uma genética aversão ou alergia à honestidade? Uma compulsão nata à trapaça? Ao ludíbrio? Uma desonestidade intrínseca?
Algo em nosso clima ou natureza tropical haveria afetado a honorável retidão moral dos colonizadores europeus? Teriam sido insidiosamente influídos pela espertalhice, ladinagem e voluptuosa corruptibilidade do indígena?
Ó augustas linhagens dos Sás, Coelhos e Mendonças! Dos Gonzagas e Paes Leme! Tão pobros Albuquerques, Almeidas, Prados, Mellos e Cardosos que descuidosamente apenas vieram por um pau-brasil aqui outro ali, atraídos por algumas pepitas, touceiras de cana e pés de café.
Quiçá não foram as cadeiras de mulatas e livres tetas de cafuzas que insidiosamente os enredaram em tentações de miscigênia, degenerando- nos neste povo imoral e sem caráter, onde triunfam as nulidades das quais falava Ruy Barbosa, a quem nunca se escolheu para presidente.
Por outro lado, se superarmos os mitos étnicos, por mais secular certeza que tenhamos na inferioridade de nossa gente perante a almejada pureza racial da civilização européia, haveremos de cogitar a possibilidade de que talvez o povo brasileiro não tenha confiado nos objetivos de Ruy Barbosa pelo fato de ele ter defendido os privilégios de interesses como o da Cia d’Eclairage da Bahia, ou os dos Misteres William Reid e Alexander Mackenzie na transferência de exploração energética na cidade do Rio de Janeiro, da Société Anonyme du Gaz do Rio de Janeiro, da Cia. Light and Power, da The Rio de Janeiro Tramway Ligth & Power Company Limited, entr’outros.
Isso tudo sem citar a morosidade de um código civil pendurado por anos a fio de pendengas gramaticais entre Ruy Barbosa e Clóvis Beviláqua, para resultar em exorbitante desequilíbrio entre os plenos direitos da minoria das elites e os totais deveres da turba ignara da maioria do povo. Povo que, se além da preservação da própria vida não tinha outra razão para votar nos coronéis adversários do Águia; tampouco em seus vôos por objetivos além fronteiras.
Aforante, o liberal abolicionista já se indispusera com a população e a história brasileira em mais remotas passagens de sua proficiente biografia, quando Ministro da Fazenda em 1890 mandou queimar os registros de posse e movimentação patrimonial envolvendo todos os escravos do país. A queima do histórico daquela maioria da população brasileira impede que hoje identifiquemos as origens de nosso biótipo, costumes, identidade cultural, etc.
Todo negro norte-americano pode pesquisar o saber da região africana de seus antepassados, entendendo porque é alto e magro, ou porque é pequeno e gordo. Por quais razões mais se identifica com instrumentos de sopro ou percussão. Ou ainda, de quais atavismos ancestrais lhe saiu o jeito de contador de histórias, escultor, esportista ou pintor. E até, em alguns casos, quais princípios ativos melhor se coadunam com seu metabolismo.
Já eu, por exemplo, tenho de viver numa brutal indefinição, sem saber se sambo como sambo por minha tataravó ter vindo de Angola, Moçambique ou Benin? Se o soubesse, poderia pesquisar, explorar melhor os movimentos próprios e típicos da cultura daquela minha ancestral mulata.
Há mais diferenças entre Masais, Ashantis e Samburus ou quaisquer outros povos negros, do que entre normandos e saxões, todos com a mesma ausência de pigmentação e desprotegida sensibilidade à irradiação solar.
Já não bastando ter herdado essa pele que se avermelha como urucum, de meus antepassados italianos, por culpa do Sr. Águia de Haia não tenho como reconhecer as origens dos atavismos de minha personalidade negra que tanto me agrada e preservo!
Qual a vantagem de ser itálico se só o que me difere dos anglos é o falar mais alto e estabanado? O mitológico poliglota baiano não pensou nessa frustração que afeta a mim e a mais da metade dessa mestiça população?
Não! Apenas justificou-se alegando que pretendera apagar "a mancha" da escravidão do passado nacional. Mas seus próprios colegas do movimento abolicionista acusaram-no de pretender inviabilizar o cálculo de eventuais indenizações que vinham sendo pleiteadas pelos antigos proprietários de escravos, protegendo a monarquia em detrimento do povo que alardeava defender. De fato, 11 dias depois da Abolição a UDR da época apresentou projeto de lei à Câmara, por esse ressarcimento. Se, segundo o próprio Fernando Henrique Cardoso, Carlos Lacerda é seu líder espiritual, Ruy Barbosa foi o precursor do empurrar sujeira pra debaixo do tapete. Ou pro fundo da gaveta.
Um Geraldo Brindeiro de seu tempo, aquele Ruy!
Mas o que se pretende aqui é desmitificar Lula, não Ruy Barbosa, que nem investiu tanto pela presidência quanto Fernando Henrique Cardoso no confesso (pelo Sérgio Mota), porém nunca investigado, mensalão da reeleição.
Não! Disso não se pode acusar o Ruy. Como FHC vendeu-se, sim, aos interesses estrangeiros, mas, ao contrário daquele, até onde se saiba, Ruy nunca comprou ninguém! Tanto assim que não ganhou eleição alguma naqueles tempos de voto de cabresto, quando o que definia a preferência do eleitor era o medo de uma tocaia ou o apadrinhamento pela côdea de pão aos filhos.
Já Lula foi duas vezes eleito à presidência. Se não apenas pela “perseverança, paciência, dedicação e competência” apontadas por Príamo e compartilhadas pelo jurista baiano, só nos resta definir as diferenças de objetivos entre o mito da história e o da mídia?
A julgar pelas aparências, mesmo sem querer igualar uns a outros, podemos arriscar o palpite de que Ruy Barbosa já então apresentaria os mesmos objetivos de honestidade, resgate da moralidade, da ética e da probidade, apresentados por todos os demais candidatos à presidência depois dele, inclusive os ditadores. E também Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Paulo Salim Maluf, Collor de Melo e, na continuidade, FHC, Alckimin e José Serra:
Daí a filharada do Zé Povo ficava tentando imaginar por onde é que se começa a comer esse troço de ética ou probidade?
Sim! Porque o problema maior do filho do Zé Povo nunca foi a ética, mas sim a fome! Há muito o mundo inteiro sabe que o problema concreto do filho do Zé Povo brasileiro sempre foi a fome, pela qual éramos apontados como um dos mais altos índices internacionais de mortalidade infantil. Mas elegíamos mitos abstratos que distribuíam rações de conceitos éticos e morais em palanques de comícios eleitorais.
E o que o Gringo tinha a ver com isso? Nada! Azar do Zé Povo que votou no abstrato, porque o Gringo o que quer é arroz, feijão, soja, carne, milho, algodão, metal, petróleo... O que haja de concreto! Barriga de gringo não se enche de mitologia como a do brasileiro, e já que o brasileiro se alimentava das éticas e honestidades prometidas, o Gringo se acostumou a levar o que produzíamos de mais concreto.
Por outro lado, em quem o Zé Povo brasileiro iria votar se todos objetivavam a mesma subjetiva ética, moralidade, probidade e blá-blá-blá?
Até que um dia apareceu um pretensioso de um Zé do povo daqueles, e começou a falar em coisas concretas, em fome, em realidades e falta de oportunidades para mudar a realidade. Falou até em objetivos!
Zé Povo olhou aquilo e estranhou: “Esse cara tá maluco ou tá mentindo!” Claro! Se mudar a realidade fosse fácil, porque os íntegros, honestos e éticos nunca a mudaram?
Pois o tal sujeito tão paciente e dedicadamente perseverou, teve tanta competência para esclarecer o que o Zé Povo nunca conseguiu entender – pois, apesar de todos os poliglotismos dos Ruys, nunca houve quem falasse língua de gente brasileira -- que um dia, por fim, Zé Povo se resolveu pela única lógica que lhe restava: “Mentir, todos mentem mesmo... Se for mais um, esse pelo menos mente diferente e dá pra entender o que está falando”. E assim Lula foi eleito, por mais mitificado pela mídia e pelas elites fundiárias e empresariais.
Mas afinal, o sujeito tinha mesmo seus objetivos concretos ou é mais um abstrato quanto qualquer outro mito da nossa história?
Podemos encontrar a resposta embutida já na primeira contradição apontada por Príamo (depois analisamos as demais): o inchaço da folha de pagamento.
Só que, para concordar com Príamo de que houve inchaço da folha de pagamento do estado brasileiro e isso tenha sido contraditório aos objetivos concretos apresentados por Lula enquanto apenas perseverante, paciente e dedicado; precisaremos de alguns esclarecimentos:
a) – Quando e onde foi que Lula prometeu que o estado brasileiro iria continuar dando vazão descontrolada ao dinheiro público e ao arrecadado em empréstimos ao exterior?
Fundamental essa compreensão, porque isso de manter o estado a custas de empréstimo não faz mesmo necessário muitos funcionários para controlar o que entra, por onde entra, nem o que e por onde sai.
É só ter um estafeta pra ir até lá, tirar os sapatos para ser revistado no aeroporto, pegar a grana, tirar os sapatos outra vez e tomar o próximo vôo pra casa. Aí põe o dinheiro no banco e está resolvido. Se o banco ia falir, era só inventar um PROER daqueles, e pronto. Acabou a história, guardou a viola! Não precisava de funcionários nem responsabilidade de especialistas. Congelando por 8 anos o salário dos imprescindíveis para abrir porta e servir café, se mantinha uma folha de pagamento enxutinha e esbelta.
Mas quando um matuto daqueles atravessa léguas em cima de pau-de-arara, transpira a alma dentro de um macacão debaixo de um telhado de zinco de oficina de fábrica e porque deixou um dedo no torno vai pro sindicato; e lá no sindicato põe na cabeça que tem de negociar melhores salários pros seus companheiros, a coisa complica! Complica porque vai que o sujeito cisma de tirar o povo da merda; aí é difícil. É difícil porque isso de gente do povo achar de ter objetivo na vida, sempre deu problema. Veja o Zumbi dos Palmares! Hoje há quem diga que Zumbi é um mito, mas Palmares resistiu 100 anos por quê? Porque a negrada achou de ter objetivo!
E o perigo maior é quando o teimoso ainda tem a competência e petulância de convencer os outros de seus objetivos. Pra piorar, esse ainda encontrou outros com os mesmos objetivos. E gente da alta: artistas, intelectuais, acadêmicos, e até burgueses cansados das subjetividades e abstracionismos dos mitos.
Agora, uma coisa é certa -- caro Príamo e demais que pensam aqui comigo, juntos -- quem tem esses objetivos sabe que país nenhum consegue tirar o povo da merda enquanto estiver devendo para as potências estrangeiras. E Príamo, que é empresário, seguramente sabe que para sanar uma empresa deficitária não basta apenas demitir funcionários, menos ainda deixar do jeito que está, só mantendo os mesmos salários.
Como bom empresário que é, Príamo sabe que esse negócio de contenção de despesas é faca de dois gumes. Conter despesas não é apenas congelar. Sabe que conter despesas é demitir os funcionários que não correspondem às necessidades de produção, mas é também contratar funcionários que melhorem essa produção. E que é necessário gratificar o desempenho do bom funcionário para que ele produza melhor e produzindo melhor auxilie no resgate da empresa do buraco. E quando o empregado bem pago consome na própria empresa, ainda melhor, pois ganhando mais faz com que o capital gire mais, produzindo mais capital. Esse é um princípio do capitalismo, que os próprios capitalistas brasileiros se negam a compreender, mas os do resto compreendem muito bem, e acredito que se Príamo prismar melhor seu ponto de vista, perceberá que nesse aspecto não há a contradição criada pela mitomania do véu da mídia nacional.
Poderíamos ainda nos estender por diversas alíneas de questões para que Príamo melhor esclarecesse onde encontrou a alegada contradição. Por exemplo:
b) – Quando e onde foi que Lula prometeu que o país continuaria com sua produção estagnada por falta de incentivo do poder público?
c) – Quando e onde foi que Lula prometeu que a imagem do Brasil se manteria tão negativa perante o mundo, a começar pela ausência de fiscalização e contenção do desmatamento amazônico?
d) – Quando e onde foi que Lula prometeu que largaria a infra-estrutura de vez, permitindo outro apagão como o do final do governo anterior que nos acumulou um prejuízo de mais de 45 bilhões de reais?
e) – Quando e onde foi que Lula prometeu que não combateria a criminalidade e a corrupção, mantendo a inoperância do Ministério Público e da Polícia Federal que em 8 anos realizou apenas 28 operações.
Se entre 2003 e 2007 foram mais de 500, imaginável que tenha sido por algum aumento de efetivo, não? Mas se ocorreram tais promessas, sem dúvida o número de funcionários contratados é muito grande e a contradição apontada seria verossímil. No entanto, há ainda uma infinidade de questões que dificilmente cobririam todos e tantos aspectos em que esse país se faz diferente daquilo que foi há apenas 7 anos atrás. Apontar aqui alguma contradição se torna uma denúncia tão vazia quanto assim se definir qualquer outra ação, inclusive inversa.
Meu amigo Príamo, que sei bastante dotado de senso administrativo, se levantar uma pontinha do véu mitômano da mídia logo se lembrará de que não se pode denominar “inchaço” ao crescimento da folha de pagamento de uma empresa que, mais do que triplicar o faturamento, paga todas as dívidas e cria uma reserva inédita em sua história, tornando-se credora de seus antigos cobradores. Investimento, bom senso administrativo, perceptividade, seriam conclusões mais condizentes aos fatos, por menos perseverantes, pacientes e dedicados que sejamos às informações para as quais nem mais é preciso saber espanhol ou inglês. Muito menos alemão, francês ou italiano.
É só descobrirmos um pouco a cabeça. Retirarmos por alguns momentos o opressivo véu dos mitos midiáticos e respirar um pouco de ar puro, deixando oxigenar o cérebro, permitindo o escoar livre das evidências para se conseguir estabelecer as conexões lógicas e inalienáveis entre acontecimentos de proporções tão transoceânicas que se tornaram inegáveis até aos brasileiros.
Maior do que essas evidências, só a contradição daqueles que as negam para continuar medrosamente cultuando velhos e gastos mitos.
Raul Longo, jornalista, poeta e escritor
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