No seu editorial desta quinta-feira (24), O Brasil como contraste, o jornal La Jornada faz um curioso paralelo entre o Brasil e o México, a começar pelo salário mínimo, comparação que considera "inevitável". Sem ser acrítico em relação ao governo Lula, o diário de esquerda mexicano conclui que este tem "uma visão de Estado" que vem faltando aos governantes mexicanos. Confira o texto.
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, instituiu um aumento de 10% no salário mínimo, o que significa, quando a medida entrar em vigor em janeiro próximo, um aumento real anual, descontada a inflação, de 5,5% no poder aquisitivo dos trabalhadores. Desde 2003, quando Lula iniciou seu primeiro mandato como presidente, o indicador salarial brasileiro acumulou um aumento de 53,4% em termos reais.
Isto não apenas ajuda a explicar a enorme popularidade de que goza o governante de origem operária. Mais importante, permite-nos compreender a solidez da economia do maior país da América Latina.
Na verdade, o crescente poder de compra dos salários tem dado ao Brasil um mercado interno consolidado que proporciona um crescimento sustentado dos ramos agrícola, industrial e de serviços. Isso permitiu que a crise econômica mundial tenha sido, nessa nação do Sul, muito menos prejudicial do que em outros países. Na verdade, apesar de toda a falência financeira global registrada no ano, a economia brasileira registrou em 2009 números positivos.
Em todas estas áreas, os salários, os mercados domésticos, crises econômicas e mudanças no PIB, é inevitável comparação entre o Brasil e o México. De 2003 até esta data, o salário mínimo no México aumentou 20,4% nominalmente, mas quando comparado com a inflação desse período, a segunda metade do mandato presidencial de Vicente Fox e a primeira da administração de Calderón, o mínimo perdeu, em termos reais, cerca de 10% do seu poder de compra. Isto é simplesmente a etapa mais recente de uma desvalorização deliberada e sistemática de trabalho, estipulada pelo programa neoliberal em curso desde 1988 – ou desde 1982, de acordo com outros critérios.
Esse plano para punir os salários e facilitar a concentração da riqueza em poucas mãos, não só foi catastrófico para os trabalhadores, mas também para a economia como um todo, uma vez que impediu o crescimento de um mercado capaz de sustentar atividades produtivas. No final, e obsessão neoliberal e antinacional dos governantes – por atrair investimento estrangeiro, aumentar as exportações às custas do bem-estar da população, submeter o país ao arbítrio de todo tipo de agentes externos – impôs à atividade econômica um rumo de colapso. Isto pode ser visto no total desamparo do México face aos embates de uma recessão global e suas conseqüências, mais desastrosas e duradouras aqui que no resto das nações do continente.
Não se deve omitir, é claro, as terríveis conseqüências sociais e políticas das estratégias antissalariais e antitrabalho com que se governou nas últimas décadas. O aumento descontrolado das taxas de criminalidade, a crescente desintegração social, as evidente carências em educação, saúde e habitação constituem um saldo que,se não mudar o rumo, mais cedo ou mais tarde desembocará na ingovernabilidade, na desestabilizaçã o e numa violência ainda maior do que a sofrida atualmente.
O governo Lula não poderia ser classificado como socialista radical. Ao contrário, em diversas áreas da esquerda se critica o presidente brasileiro por abandonar os postulados ideológicos de sua origem sindicalista, por ter virado as costas, depois de chegar ao poder, aos movimentos sociais que o apoiaram em sua carreira política, e até por ter assumido algumas premissas da ortodoxia neoliberal.
O que ninguém, nem da esquerda nem da direita, nega a Lula é uma visão de Estado.
Como corolário destas considerações pode-se assinalar que não é preciso manter posições progressistas nas esferas social e econômica para entender como é importante a manutenção e melhoria dos níveis de salário. Para partilhar essa visão e essa práxis governamental, basta por o interesse nacional acima daquele de um pequeno grupo de potentados nacionais e estrangeiros.
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