quinta-feira, 15 de outubro de 2009

No São Francisco, Lula batiza Dilma no coração do Nordeste

E não é que a Transposição do Rio São Francisco começou a se tornar concreta? Deixou de ser um discurso secular, desde Dom Pedro II, contornou a polêmica e as razões de quem, com razões, é contra, aglutinou os que, com suas razões, são a favor, e já é concreta. Concreto, para ser literal.
Serão, ao final de 2012, 713 km de canais condutores de água, da bacia do São Francisco para cinco Estados do Nordeste. Disso, algo como 200 km está em estado adiantado no que é considerado o mais difícil: a terraplanagem, as detonações com dinamite em terrenos rochosos, as construções de dutos com até 13 metros de largura por 3 a 5 metros de altura.

Duzentos quilômetros "no ponto" e 20km completos, com a manta impermeável - para impedir infiltrações no solo - e a cobertura de concreto nos canais. A concretagem é visível no sobrevoo em helicópteros da Marinha, Exército e Aeronáutica.
A Transposição do São Francisco, com suas polêmicas e suas razões (técnicas ou religiosas), é uma obra simbólica do governo Lula que, para demarcar tanto, viaja e acampa desta quarta à sexta-feira em Minas, Bahia e Pernambuco.
A instalação desta "Coluna Lula" se dará com a presença de quatro ministros, aguardados oito governadores em todo o giro e uma penca de senadores, deputados, prefeitos e camarilhas. Na retaguarda, mais de 150 funcionários federais, 3 helicópteros e pelo menos dois aviões.
A presidenciável Dilma, of course, levada por Lula, com toda pompa nesta circunstância, para seu batismo oficial no Nordeste, às vésperas de uma sucessão que, como se vê, já começou.
Obra simbólica por vários motivos. Para a Transposição, o governo já gastou R$ 1,2 bilhão, licitou R$ 4,5 bilhões e, segundo o próprio Lula no "Café com o presidente" da última segunda, chegará a R$ 6 bilhões até o final dos Eixos Leste e Norte.
Sempre valendo-se de projeções que levam em conta a população de 2025 - assim trabalham os engenheiros -, a Transposição deverá levar água a um universo de 12 milhões de nordestinos. Ainda segundo a mesma estimativa, ao final de 2012 mais de 4 milhões estarão no raio de influência do megaprojeto.
Simbólica a obra do São Francisco porque, primeiro e antes de tudo, em Pernambuco, nas vizinhanças da Garanhuns onde Lula nasceu e de onde migrou com a mãe Lindu e seis irmãos para São Paulo. Todos num caminhão pau-de-arara. E desceu para o Sul ladeando o mesmo Velho Chico, como, por mais de uma vez, já lembrou o próprio Lula.
Simbólico o pernoite de Lula, Dilma e sua "Coluna" nos acampamentos dos lotes 11 e 1 a partir de hoje. Ali, em meio a engenheiros e peões, ele pretende reavivar no imaginário popular, na memória do Nordeste, que lhe deu vitória avassaladora em 2006, as suas origens: de nordestino, de retirante da seca, de peão.
Simbólica porque a viagem contará com a presença do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), aspirante a presidenciável, e nesta quarta tem a primeira parada em Pirapora, nas Minas Gerais do também presidenciável tucano Aécio Neves, que lá deverá estar, certamente provocando urticária nos companheiros emplumados, os tucanos.
Simbólico, porque quem pensa a comunicação do governo pretende tanto.
Para isso, enfiou num avião espanhol CASA - ou C-105, rebatizado de "Amazonas" - 26 jornalistas de uma dezena de grupos de mídia do Brasil e do mundo. Internacionais, a revista alemã Der Spiegel, o jornal francês Le Monde, a londrina BBC e, informação da presidência, aguarda-se para hoje o desembarque da britânica The Economist. Do Brasil, além de periódicos regionais como a CNR e APJ, as redes Record, Globo, Amazonas, a Empresa Brasileira de Comunicação, as revistas Época, Piauí e Terra Magazine, deste Portal Terra.
Viagem desse pelotão midiático iniciada na segunda, a ser encerrada para alguns nesta quarta, em Barra (BA), e sequenciada por veículos regionais e correspondentes nacionais até a sexta-feira. E não apenas. Ontem, terça-feira, por volta da hora do almoço, Nordeste afora lá estava a voz de Lula onipresente nas emissoras de rádio. Tema? A Transposição, pauta do último "Café com o presidente".
Entre experimentados correspondentes estrangeiros, os efeitos da concretização de um discurso secular, depois de horas de sobrevoos por centenas de quilômetros de canais rasgados no agreste pernambucano:
- Isso é parecido com o que Roosevelt fez nos anos 30, nos Estados Unidos - diz um dos europeus.
Outro correspondente balbucia, ainda no helicóptero:
- Impressionante. .. A gente ouve falar da obra, do Rio São Francisco, mas não tem a dimensão, geográfica até, enquanto não vê.
Nessa superposição de simbolismos que é também midiática e extremamente política, nos aquedutos da sucessão de 2010, quem por três meses bolou a viagem e o acampamento de Lula e sua "Coluna" entre peões, não deixou de recordar as inspeções cinematográficas de Juscelino nas obras da Brasília do final dos anos 50. Até mesmo a hospedagem numa casa de alvenaria e madeira evoca essa imagem.
Nesse jogo de símbolos, nada se perde, nem tanto se cria, tudo se recicla.
À margem das 4.500 máquinas, dos canais e da sucessão 2010, a dimensão humana do projeto e de seus 8.400 operários.
No canteiro de Custódia (PE), o motorista Luiz Carlos conta ter largado o grupo de forró "Rio de Ouro" para dirigir o ônibus que conduz os peões, dia e noite. Pega no volante às 5h30. "Com o forró, eu rodava só 5 km por semana. O cara se estressa. Aqui de noite eu tô em casa e ganho melhor". Ele e o colega, José Neto, estimam que cerca de 80% dos trabalhadores são da região. "O resto é técnico que vem de fora".

São os motoristas de ônibus José Neto, Luiz Carlos e o operário Antonio, citados acima. José e Luiz transportam os trabalhadores

"Empregou muita gente que não podia plantar cebola (especialidade na região)", conta o lavrador Alecsandro Pereira. "Por agora, não tem do que desgostar de Lula", completa Fernando Faustino dos Santos. Ambos grudam as mãos nas cercas da Vila Produtiva em Salgueiro (PE), onde serão realocadas famílias atingidas pelas obras. No entorno, muitos desejam obter uma casa de alvenaria com 99 metros quadrados. Há casos de moradores que pagam aluguel e receberão uma residência própria.

Casa da Vila Produtiva Rural Junco, onde serão realocados os moradores rurais atingidos pelas obras

- Quero dar um alô pro Lula... Meu barraco de tábua não dá mais, vou pedir uma casa! Três vezes não pode, mas quero Dilma Rousseff - declara o lavrador Deolindo Andrade dos Santos, 58 anos e oito filhos.
Nesta quarta, em Barra, na Bahia, deverão ser ouvidas vozes de opositores do projeto. Dom Luiz Cappio, o bispo que chegou à greve de fome em protesto contra a obra, não deverá estar na cidade. Mas seus seguidores, sim.
Na Vila Produtiva, depois de ter falado a operários em outro trecho da viagem, Lula sorteará cinco entre as 55 casas (três quartos, banheiro e cozinha), construídas em terrenos de meio hectare para produção agrícola comunitária. Uma das futuras moradoras reconhece que essa "cultura coletiva" ainda precisa ser disseminada entre os pequenos lavradores. Aglutinação ainda mais difícil no momento em que cada desalojado recebe R$ 800 para deslocamento e R$1.200 mensais enquanto se arrasta nos tribunais a querela das indenizações.

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