terça-feira, 13 de outubro de 2009

Os perigos do otimismo

Duas são as desgraças dos povos: o pessimismo e o otimismo. O otimismo é sempre associado à esperança; o pessimismo, ao desânimo. Entre os dois se encontra a prudência. No curso do último século estivemos, no Brasil e no mundo, entre esses dois sentimentos contrários, aguçados pela radicalização dos extremos históricos. Como em todos os passos da vida, oscilamos entre a emoção e a razão. Se é fácil à emoção perturbar a sua companheira da consciência, é mais difícil a situação contrária. Sem as rédeas da razão, a emoção se torna alucinada, histérica, como vimos há algumas horas, com Berlusconi, ao ser derrotado pela Justiça, vociferar “Viva a Itália! Viva Berlusconi!”. Como bem observou o jornalista Ézio Mauro, de La Repubblica, o primeiro-ministro italiano confunde sua personalidade com a nação italiana. Hitler e Mussolini também se achavam assim ungidos. No caso de Berlusconi, provavelmente prevalece a constatação de Marx: trata-se de uma repetição farsesca do histrionismo do duce.
Estamos, no Brasil destas semanas, em horas de euforia. É justo que nos sintamos vitoriosos. Nos últimos anos, conseguimos dar a volta por cima. Deixamos de ser um dos países mais endividados do mundo, retiramos da pobreza absoluta milhões de famílias, obtivemos êxitos singulares – embora ainda muito modestos – no campo da ciência e da tecnologia, e a natureza nos destinou reservas generosas de petróleo na camada subsalina de parte do litoral.
O êxito maior tem sido o da diplomacia brasileira. Estamos vivendo, em outras circunstâncias – e bem outras – os anos de Rio Branco. Naquele momento, em que o Brasil era somente um território quase vazio, com a República incipiente e menos de um século de Estado nacional, Rio Branco fez o que era primordial: impediu que o país voltasse ao estatuto de colônia. Defendeu, com habilidade, as fronteiras históricas e, em dois episódios cruciais, não deixou que se fixassem, dentro de nossas fronteiras, Estados intrusos. Isso ocorreu no caso do Acre e da Colônia do Descalvado. Rio Branco não tinha condições de avançar mais do que avançou. A ousadia, naquele tempo, foi a de Ruy, em Haya, ao afirmar a igualdade soberana das nações. A postura da nossa diplomacia atual – de resto exercida principalmente por Lula – é bem diferente da que se exerceu durante os anos recentes. Não nos mostramos ao mundo genuflexos, nem arrogantes, mas conscientes da nossa força moral e política, com firmeza e serenidade.
Exatamente porque tudo está bem, é melhor agir com mais prudência ainda. As nações correm o mesmo perigo, quando se encontram frágeis e dóceis ou quando passam para o estágio de afirmação de sua soberania e suscitam a ira dos dominadores. Temos que administrar, com todos os cuidados, estas horas de escalada.
O presidente e seus auxiliares mais próximos não escondem – nem têm por que escondê-lo – o seu contentamento. Mas algumas gotas do elixir da prudência não lhes fariam mal. Ao projetar-se para fora, as nações devem assegurar a solidez interna. Os poderes republicanos se encontram em crise, com a disputa de prerrogativas, e o mais importante deles, que é o Parlamento, dissolve-se nos ácidos da inépcia e da corrupção. A reestruturação do Estado, que só uma assembleia constituinte originária e independente pode promover, com a evolução do sistema eleitoral, de forma que confira maior legitimidade aos poderes republicanos, é indispensável, como contraponto ao crescente respeito nacional no mundo.
Além disso, é preciso avançar mais na distribuição compulsória da renda nacional, mediante os programas já existentes, e resolver, de forma definitiva, a questão agrária. É necessária a retomada das terras públicas, das quais se apossaram, mediante fraudes cartoriais, os grandes latifundiários, muitos deles estrangeiros.

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