terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Esperança e Medo

Em 2002, quando Lula venceu a eleição para presidente da república foi dito que “a esperança venceu o medo”. De fato. A campanha desse ano fora marcada pela declaração da atriz Regina Duarte de que tinha “medo” (sic) do futuro do país nas mãos do candidato do PT. A isso, respondeu uma belíssima peça publicitária desse partido, em que o cantor e compositor Chico Buarque falava sobre “esperança” ao som do Bolero, de Ravel, enquanto mulheres grávidas vestidas de branco andavam juntas por um campo verde.
Em vez de uma mera retórica para a TV, como seria possível pensar, a contraposição entre os que tinham medo de Lula e os que nutriam a esperança de que ele pudesse levar o país a tempos melhores marcou um conflito entre duas categorias políticas razoavelmente delimitadas: reacionários e progressistas. Os primeiros estavam em boa parte satisfeitos com o status quo. Os demais, nem tanto. De um lado, os que não desejavam mudanças por julgar que o risco de perderem seus privilégios de classe eram maiores do que a chance de obter benefícios. Do outro, os que “nada tinham a perder senão seus grilhões”. No meio, indivíduos que votavam segundo os formadores de opinião que tinham em conta.
Naquele momento, Lula era uma incógnita. Sabia-se apenas que o Brasil jamais seria o mesmo se ele fosse eleito. Era um ex-operário de aspecto e falar rudes, com histórico de lutas trabalhistas, personagem-sí mbolo do maior partido de esquerda da América Latina e havia migrado com a família – ainda pequeno – da caatinga a São Paulo num caminhão pau-de-arara fugindo da miséria. Tratava-se de uma figura de caráter forte demais para não marcar uma mudança significativa nos rumos do país. Em períodos de ruptura, dois comportamentos antagônicos são despertados ante a novidade. São eles, a repulsa e o abraço. Em 2002, Lula contou com o abraço dos eleitores após três eleições seguidas de repulsa.
Em 2010, a situação se mostra diferente. O ultra-popular presidente Luís Inácio Lula da Silva já não é o novo (uma vez que governa o país há sete anos) – e ao mesmo tempo é (como representante da mudança em curso). Essa condição ambivalente contamina também sua candidata à presidência, a ministra da casa civil, Dilma Rousseff, que passa a ser, ao mesmo tempo, ela mesma e a sucessora de Lula. É, em parte, uma incógnita e, em parte, uma certeza. Se conseguir convencer seus eleitores de que saberá levar adiante o legado do chefe. E não só. Também será preciso que a Dilma ela mesma conquiste a parte do eleitorado que não está disposta a votar em alguém apenas porque o Lula indicou. Esse será apenas um dos problemas que o PT precisará enfrentar: convencer a população de que Dilma é um “Lula de saias”, mas também uma mulher valorosa e uma administradora competente.
Graças à crise econômica em andamento, a posição dos tucanos também se tornou problemática. O PSDB identificou- se por anos com os ideias do neoliberalismo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso governou o país tendo os principios do Consenso de Washington sempre em mente. Com a falência desse dogma, o partido ficou sem identidade, uma vez que já não podem contar com a aura de “modernos” e “realistas” que a imprensa de apoio lhe conferiu. Some-se a isso o sucesso do governo Lula na condução da economia durante a crise seguindo, não os princípios neoliberais, mas sua alternativa imediata: o modelo social-democrá tico de intervenção estatal calcado enormemente em Keynes, redescoberto após décadas de hegemonia do laissez-faire.
O PSDB já não tem discurso. Até o momento não mostraram nada que possa se contrapor ao que o governo Lula vem fazendo. Mesmo os rótulos de “competente” e de “ético” com que tentavam se diferenciar do PT vêm sendo corroídos pela realidade. Em locais governados pelos tucanos escândalos de mau uso e de desvio de dinheiro público vem tomando os jornais e as revistas (comedidamente) e a internet (de modo mais aberto). Sem ter o quê apresentar ao eleitorado como alternativa a Lula, o partido deve apoiar sua campanha em ataques histéricos à candidata do atual presidente, calcados em “reportagens” (geralmente encomendadas ou compradas ao custo de contratos com administrações tucanas) da chamada “grande mídia”, com ênfase na revista Veja, nos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, nas organizações Globo e na Rede Bandeirantes. A tática de amendrontar o eleitorado será a principal arma da oposição.
O discurso do medo, porém, tende a ser ineficaz nesse caso. Dificilmente as acusações que têm sido feitas a Dilma resistem a uma investigação séria. Se a ministra conseguir mostrar-se como a “legítima” sucessora de Lula, a esperança de consolidar e aprofundar as mudanças ocorridas no governo atual ajudarão a blindá-la contra ataques que não sejam baseados em provas irrefutáveis.
Há um fato a mais que deve ser levado em considerção: como disse a amiga Maria Frô no twitter, uma boa parte parte da população brasileira ascendeu socialmente. A classe média é agora majoritária. É para eles que devem se dirigir as campanhas. Nesse ponto, um fator inesperado entra em curso: o medo, que antes fora a arma do PSDB, é agora um aliado do PT. Essa nova classe média, que venceu a pobreza graças aos programas sociais do governo e à melhoria das condições econômicas do país, é conservadora em essência. Com isso, não quero dizer que seja de direita, mas conservadora em si, ou seja, ela quer manter o que conquistou. Para ela, a eleição do PSDB é a ameça. Manter o governo no curso apontado pelo Lula garantiria, para esses eleitores, não apenas a estabilidade econômica, mas mesmo a chance de ascender ainda mais.
Sendo assim, o PT terá a esperança e o medo em suas mãos. E o PSDB terá pouco mais do que nada – tão só uma imprensa que cada vez mais perde credibilidade. Se o partido do presidente Lula e da ministra Dilma Rousseff mantiver o tom de seu recente programa televisivo, ficará difícil para seu mais provável adversário levar a eleição para o segundo turno.

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