Essas “pedaladas” de R$300 bilhões não são discutidas porque não interessa ao sistema financeiro, financiador das campanhas políticas e da grande mídia.
Enquanto a oposição golpista se utiliza dos questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a suposta pedalada fiscal do governo para reforçar a tese da necessidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a coordenadora da Auditoria Cidadã, Maria Lúcia Fattorelli, afirma que a maior maquiagem contábil já feita nas contas da União ocorre sistematicamente todo ano, desde o lançamento do Plano Real, no governo Itamar Franco (1994), e serve a um único propósito: garantir ao sistema financeiro o pagamento dos juros da dívida pública brasileira, avaliada hoje em R$3,3 trilhões.
Em termos contábeis, pedaladas fiscais são maquiagens que adiam despesas de um período para o outro, de forma que os balanços imediatos pareçam mais positivos do que realmente o são. Por isso, o TCU quer explicações de o porquê do governo Dilma manter as contas no azul às custas do atraso nos repasses devidos aos bancos públicos, calculados pelo órgão em cerca de R$40 bilhões. E isso justamente em 2014, ano eleitoral. O assunto inunda o discurso da oposição e as manchetes da grande mídia. E dá sustentação a tese do impeachment.
Entretanto, a auditora fiscal aposentada da Receita Federal que hoje trabalha na auditoria da dívida Grega denuncia que as pedaladas de Dilma não são nada perto da maquiagem elaborada por orientação do sistema financeiro para garantir o exorbitante pagamento da dívida pública, há 20 anos. E essas pedaladas não entram na agenda de discussão pública porque não interesse ao sistema financeiro, financiador das campanhas políticas e da grande mídia. “A verdadeira pedalada fiscal não sai nos jornais”, afirma Fattorelli.
Segundo ela, o sistema ilegal que infla o bolo dos juros da dívida foi descoberto entre 2009 e 2010, durante a CPI da Dívida, realizada pela Câmara dos Deputados. A manobra fiscal foi denunciada ao Ministério Público da União (MPU), em relatório encaminhado pela Auditoria Cidadã da Dívida e consta também no voto em separado apresentado pelo deputado Ivan Valente (PSOL/SP). As investigações sobre o tema, entretanto, estão engavetadas.
Consiste basicamente em driblar a chamada “regra de ouro” prevista no Artigo 167 da Constituição, que proíbe “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo poder legislativo por maioria absoluta”.
Na prática, o que essa determinação constitucional diz é que o Estado não pode contrair novas dívidas para pagar despesas correntes. A finalidade é evitar o endividamento descontrolado do Estado, bem como a utilização da dívida pública para o pagamento de despesas correntes ou despesas de custeio. “É por causa desta regra de ouro que o governo não pode emitir títulos de dívida e dobrar os salários dos servidores públicos em greve, por exemplo”, esclarece a auditora.
É também por causa desta regra que a presidenta Dilma está sendo convocada pelo TCU a explicar porque usou os R$40 bilhões que deveria repassar aos bancos. No entendimento do Tribunal, usar recursos bancários configura empréstimo, o que é proibido pela Constituição. Em audiência pública na Câmara, na terça-feira, dia 14/7, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, defendeu as contas do governo: foram contratos de prestação de serviços e não operações de crédito.
Mas o que causa espanto, segundo Fattorelli, é que esta mesma regra é quebrada para garantir os juros polpudos destinados ao sistema financeiro. E, neste caso, ninguém contesta. Pelas normas contábeis, os juros da dívida fazem parte do grupo de despesas correntes, mas as despesas com amortizações dessa mesma dívida já são classificadas como despesas de capital. Como a Constituição impede que o governo faça dívida para pagar despesas correntes, a dívida geral é inflada para que as despesas criadas para pagamento dos juros possam ser contabilizadas como amortizações.
Isso, segundo Fattorelli, causa distorções imensas no valor final do montante da dívida que é divulgado para a população. Em 2012, por exemplo, a Auditoria Cidadã calculou em cerca de R$286 bilhões os juros nominais estimados. O valor informado pelo governo, porém, foi de R$134 bilhões, valor muito inferior ao que a organização considera plausível. Hoje, com a dívida em mais de R$3,3 trilhões, a pedalada da dívida é estimada em cerca de R$300 bilhões por ano, segundo a auditora.
“Não se pode emitir dívida para pagar despesa corrente. Mas os juros são o que? São despesas correntes. É por isso que estão fazendo atualização monetária paralela, inflando a dívida e, esta parte que cresce com a atualização, eles deduzem dos juros para poder pagá-los como se fossem amortização e fugir do artigo 167. É uma maquiagem. É a verdadeira pedalada fiscal, que não é da Dilma, não é do Lula, é uma pedalada instruída pelos bancos, pelo sistema financeiro e que não aparece nos jornais”, alerta ela.
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